Especialistas em direitos humanos das Nações Unidas (ONU) assinaram uma nota conjunta nesta terça-feira (7) condenando as tentativas da junta militar de Mianmar para estabelecer uma “ditadura digital” contra a população do país.
Desde o golpe militar em fevereiro do ano passando, a sociedade civil de Mianmar vive cada vez mais restrições ao acesso à internet, com desligamentos intermitentes, censura, vigilância e outras barreiras ao livre acesso online.
“A comunidade internacional não deve ficar quieta enquanto ao povo de Mianmar são sistematicamente negados seus direitos fundamentais à liberdade de expressão, acesso à informação e privacidade, que são garantidos pela lei internacional de direitos humanos”, disseram os especialistas da ONU.
População de Mianmar está à beira de uma’ditadura digital’
Quatro especialistas da organização assinaram o comunicado que instou os Estados-membros a condenarem as políticas restritivas à internet em Mianmar. Sem o livro acesso digital, eles dizem que as liberdades fundamentais online e offline estão em risco para os mianmarenses.
“O acesso online à informação é uma questão de vida ou morte para muitas pessoas em Mianmar, incluindo aquelas que buscam segurança contra ataques indiscriminados por militares e milhões que tentam navegar por uma devastadora crise econômica e humanitária.
A junta está usando paralisações da internet e vigilância invasiva para minar a oposição pública generalizada e sustentar seus ataques ao povo de Mianmar”.
O grupo cobra que países adotem sanções contra o governo e empresas ligadas aos militares de Mianmar, incluindo sanções que restrinjam a venda ou o fornecimento de tecnologia de vigilância de uso duplo.
Um exemplo dessa tecnologia são os aplicativos conhecidos como spywares, que teve seu uso contra jornalistas e população em geral alertado por entidades defensoras da liberdade de imprensa.
Spywares são programas de computadores originalmente projetados para combater o crime e o terrorismo. Esses softwares, porém, permitem um uso malicioso para espionagem digital contra jornalistas, políticos, defensores dos direitos humanos e líderes da sociedade civil.
No caso de Mianmar, tecnologias semelhantes são usadas contra a população de forma geral, com objetivo de monitorar e censurar o conteúdo acessado online.
Por isso, os especialistas da ONU também pediram que nações e doadores internacionais apoiem as iniciativas da sociedade civil para combater a censura e a vigilância em Mianmar.
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O comunicado divulgado hoje foi assinado por Thomas Andrews, Relator Especial sobre a situação dos direitos humanos em Mianmar; Irene Khan, Relatora Especial para a promoção e proteção da liberdade de opinião e expressão; Ana Brian Nougrères, Relatora Especial sobre o direito à privacidade; e Clément Nyaletsossi Voule, Relator Especial sobre os direitos à liberdade de reunião pacífica e de associação
Ditadura militar sufoca acesso a sites e redes sociais em Mianmar
Os especialistas da ONU destacam que, após o golpe militar de 1º de fevereiro de 2021 em Mianmar, a junta impôs blecautes na internet em todo o país e bloqueou o acesso às mídias sociais e plataformas de mensagens.
Mais recentemente, os militares impuseram paralisações direcionadas à internet em áreas onde enfrenta forte resistência de grupos de oposição.
Desde agosto, 31 municípios em sete estados e regiões sofreram desligamentos ao acesso online, com outras 23 cidades enfrentando a redução da velocidade de conexão à internet.
A imposição de paralisações e estrangulamento da internet em muitos municípios da região de Sagaing no início de março coincidiu com o lançamento de uma grande ofensiva militar e campanha de violência e incêndio criminoso contra a população civil na área, afirmam os relatores especiais da organização.
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“As restrições à internet estão sendo usadas pela junta como um disfarce para esconder suas atrocidades em curso”, dizem os especialistas.
“As barreiras ao acesso à internet impedem os esforços de jornalistas, monitores de direitos humanos e organizações humanitárias para coletar evidências de violações de direitos humanos cometidas pelos militares ou servir populações em risco.”
“A falta de conectividade em grandes partes do país também representa um desafio para nossos mandatos, que dependem da coleta de evidências contemporâneas de abusos de direitos humanos.”
Ainda segundo a ONU, os militares mianmarenses bloquearam redes sociais populares no país, incluindo o Facebook, considerado o principal canal de comunicação e compartilhamento de informações em Mianmar.
Além disso, o governo forçou os provedores de serviços de internet a aumentar os preços de dados móveis e impôs novos impostos sobre cartões SIM, tornando o acesso à internet inacessível para muitos.
Os especialistas denunciam que três em cada quatro empresas de telecomunicações que operam em Mianmar têm ligações diretas com os militares.
Os provedores de telecomunicações também estão sob forte pressão para ativar a tecnologia de vigilância e entregar os dados dos usuários à polícia e às autoridades militares.
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Duas semanas após o golpe, o governo apresentou um projeto de lei que daria mais poder para as autoridades bloquearem ou restringirem conteúdos online, assim como proibir o uso de redes privadas virtuais (VPNs), que ajudam os usuários a driblar a censura digital.
“O povo de Mianmar precisa e merece uma forte resposta internacional ao ataque da junta à liberdade de expressão e acesso à informação e às violações do direito à privacidade, que ameaçam a vida e o bem-estar de milhões.”
“Os Estados-membros devem agir rapidamente para reduzir os esforços da junta de arrastar Mianmar de volta à era das trevas digital”, afirmam os especialistas da ONU.
A ONG Access Now, que defende os direitos humanos no ambiente digital, endossou o comunicado divulgado pelas Nações Unidas, reforçando o apelo para que a comunidade internacional apoie a sociedade civil contra a “ditadura digital” dos militares.
“As forças armadas de Mianmar têm a intenção de impor o silêncio e proliferar a vigilância”, disse Dhevy Sivaprakasam, conselheiro de política da Ásia-Pacífico da Access Now.
“Eles estão tentando proibir as VPNs por meio de um projeto de lei para impedir que as pessoas acessem sites de que precisam desesperadamente e pressionando as operadoras a ativar tecnologias de interceptação e fornecer dados de usuários.
As pessoas serão punidas – não apenas por sua resistência legítima, mas por simplesmente tentar se conectar com os outros. Os Estados-Membros da ONU e os doadores internacionais devem intervir.”
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