Londres – Os crescentes ataques à imprensa e à liberdade de expressão em todo o mundo também aumentam os crimes contra jornalistas, alerta a Unesco no 10º aniversário do seu plano para a proteção de profissionais da imprensa.
O documento da agência da ONU estabelece diretrizes para a defesa do trabalho da mídia e destaca a impunidade nos casos relacionados a jornalistas, sejam assassinatos, detenções arbitrárias ou intimidações.
Um dos casos está acontecendo neste momento no Brasil: o jornalista britânico Dom Philips, colaborador do The Guardian, desapareceu na Amazônia junto com o indigenista da Funai Bruno Araújo Pereira, quando fazia uma reportagem.
Crimes contra jornalistas ficam impunes
A Unesco observa que, apesar de avanços em promover a liberdade de imprensa na última década, 455 jornalistas foram mortos entre 2016 e 2021, segundo o monitoramento da agência.
O Plano de Ação da ONU sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade defende que “sem liberdade de expressão, e particularmente a liberdade de imprensa, é impossível uma cidadania informada, ativa e engajada”.
Após 10 anos da criação do documento, o destaque infelizmente é para a impunidade. Há uma década, o plano da Unesco já destacava que a falta de investigação e resolução de crimes contra jornalistas era um problema sério a ser resolvido pelos países:
“A escala e o número de ataques à mídia em todo o mundo – a grande maioria cometidos com impunidade – contribuíram para o alto nível de risco pessoal que jornalistas e profissionais de mídia enfrentam no desempenho de seu trabalho.
Como última forma de censura, a cada cinco dias um jornalista é morto por trazer informações ao público.”
O cenário praticamente não mudou e é possível dizer que até se agravou. A agência cita um estudo de 2021 que aponta que 86% dos casos entre 2006 e 2020 permanecem sem solução.
Em outro levantamento publicado no Dia Internacional pelo Fim da Impunidade por Crimes contra Jornalistas, em 2 de novembro, o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ) trouxe um recorte mais assustador: na última década, cerca de oito a cada dez assassinatos de jornalistas no mundo não receberam qualquer punição.
O Brasil é um dos integrantes do “clube” de 12 países em que agressões à imprensa sem que os autores sejam responsabilizados se repete com frequência.
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Embora não esteja entre as nações com maior número de assassinatos, o país tem se destacado no noticiário internacional por ataques físicos e verbais contra profissionais de imprensa.
Para diminuir todos os crimes contra jornalistas, a Unesco realizou nos últimos anos diversos projetos e iniciativas globais que incentivam a liberdade de expressão e segurança de jornalistas, instando as nações a fornecer um ambiente mais seguro para os profissionais.
A celebração do 10º aniversário do Plano de Ação da ONU acontecerá com um evento em Viena, na Áustria, em novembro.
O encontro quer fortalecer coalizões e a implementação de ações diante de ameaças aos jornalistas e à liberdade de expressão que ocorrem em todo o mundo.
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Nos crimes online contra jornalistas, mulheres são alvo principal
Ao longo dos últimos 10 anos, a Unesco realizou muitas ações para minimizar os crimes contra jornalistas, dando uma ênfase maior aos casos que envolviam profissionais mulheres — alvos principais de ataques deliberados nas redes sociais e vítimas de constante assédio governamental.
A campanha #IzharMeraHaq, ou “expressar meu direito”, no Paquistão, por exemplo, foi uma das que engajou mulheres online para exercer seus direitos à liberdade de expressão e compreensão do acesso à informação.
A agência da ONU observa que a questão de gênero permanece como um dos grandes desafios para os profissionais de imprensa, e dados alarmantes comprovam isso.
Pesquisa recente da Unesco e do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês) descobriu que 73% das mulheres jornalistas sofreram violência online.
As entrevistadas revelaram que o abuso online não se limita ao discurso de ódio, mas também a ameaças de violência sexual ou física, muitas das quais acabam se tornando realidade.
Uma em cada cinco das jornalistas ouvidas disse ter sofrido ataques ou abusos no âmbito off-line decorrentes das ameaças online.
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A maioria das jornalistas afirmou na pesquisa ter sofrido ataques de pessoas anônimas ou relacionadas à política. Cerca de 11% fizeram uma denúncia à polícia e 8% tomaram medidas legais.
Para se protegerem, as vítimas recorrem à autocensura nas mídias sociais e na prática do jornalismo. A minoria, apenas 25% do total, buscou apoio de seus empregadores. A pesquisa apurou que boa parte das que buscaram ajuda não receberam, e algumas chegaram a ser perguntadas sobre o que teriam feito para provocar a situação.
O resultado é que uma em cada dez das entrevistadas abandonou a função, o emprego ou o próprio jornalismo em decorrência da violência online sofrida, prejudicando não apenas suas carreiras, mas o poder do jornalismo crítico e a diversidade de gênero da mídia jornalística.
Em março, a Unesco e o ICFJ publicaram dois capítulos inéditos da mesma pesquisa focados no que as empresas jornalísticas devem fazer para auxiliar as mulheres vítimas de violência online.
Embora descobrissem que muitas respostas da redação à violência online baseada em gênero sejam inexistentes ou inadequadas, os pesquisadores identificaram ações mais empoderadoras e eficazes de algumas redações.
Isso incluiu empregadores defendendo publicamente suas jornalistas, criando funções como editor de segurança online e reportando sobre a crise de violência na internet.