A imprensa independente das Filipinas foi ainda mais sufocada a poucos dias da posse do presidente eleito, Ferdinand Marcos Jr., que assume o comando do país em 30 de junho.
No apagar das luzes do governo de Rodrigo Duterte, a Comissão Nacional de Telecomunicações das Filipinas (NTC, em inglês) bloqueou 28 sites nesta semana, incluindo dois de mídia alternativa e ao menos cinco de grupos progressistas, alegando “afiliação ao Partido Comunista” e a “grupos terroristas comunistas”, segundo o jornal Philstar.
Isso acontece no país de uma das ganhadoras do Nobel da Paz de 2021, Maria Ressa, que dividiu o prêmio com o russo Dmitry Muratov. Apesar do site dela, o Rappler, não ser um dos bloqueados dessa leva, o veículo já sofreu restrições anteriores.
Antes de sair, político das Filipinas censura imprensa independente
A imprensa filipina informou, na quarta-feira (22), que o conselheiro de segurança nacional, Hermogenes Esperon Jr., usou a lei antiterrorismo do país para solicitar ao NTC o bloqueio dos sites mesmo às vésperas de deixar o cargo.
Entre os afetados, estão o principal site de mídia independente das Filipinas, o Bulatlat, e o veículo alternativo Pinoy Weekly.
As páginas dos grupos progressistas Save Our Schools Network, Rural Missionaries of the Philippines, Pamalakaya Pilipinas, Amihan e BAYAN também foram bloqueadas.
Na justificativa, Esperon, que também é vice-presidente do Conselho Antiterrorista, citou afiliação dos sites com o Partido Comunista das Filipinas, o Novo Exército Popular e da Frente Democrática Nacional, organizações já classificadas como terroristas pelo governo.
Segundo o Rappler, essas classificações de terrorismo são feitas para uma pessoa ou grupo “com base apenas na própria determinação do conselho, sem ter que ir a tribunal, ou mesmo sem notificar as partes ou realizar audiências.”
Using the designation of the CPP-NPA and NDF as terrorists as basis, National Security Adviser Hermogenes Esperon asked NTC to block access to news sites @bulatlat and @pinoyweekly as well as sites of other progresive groups @pama_pil and Save our Schools @rapplerdotcom pic.twitter.com/USvIbRiC98
— Lian Buan (@lianbuan) June 21, 2022
A Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) condenou os bloqueios, destacando que o Bulatlat e Pinoy Weekly são conhecidos por matérias de interesse público e problemas vivenciados por grupos marginalizados.
Ambas organizações de mídia foram recentemente alvo de ataques cibernéticos que tentaram tirar suas páginas do ar.
Um relatório de junho do ano passado da Qurium, ONG com sede na Suécia que defende direitos digitais, descobriu que os ataques estavam ligados ao Departamento de Ciência e Tecnologia e às Forças Armadas das Filipinas.
O Bulatlat teve restrições de acesso a partir de 17 de junho. Em nota, o veículo chamou a medida de um “precedente perigoso para o jornalismo independente nas Filipinas”.
“Bulatlat condena essa violação descarada do nosso direito de publicar e do direito do público à liberdade de imprensa e de expressão”, disse.
O site de notícias enviou uma carta em 20 de junho ao NTC e ao Departamento de Tecnologia da Informação e Comunicações (DICT) exigindo que os órgãos investigassem as alegações de Esperon. Até o momento, não receberam nenhuma resposta.
“Não importa quem esteja no poder, permanecemos destemidos em nossa verdade. Continuaremos nosso trabalho enquanto também consideramos todos os recursos legais disponíveis para questionar e impedir mais uma repressão patrocinada pelo Estado”, afirmou em seu comunicado.
O veículo disponibilizou uma versão-espelho do site para os filipinos terem acesso ao conteúdo.
[A Thread] Why are the powers that be so afraid of our truth-telling?
Bulatlat is surprised and enraged upon learning that the NTC issued a memorandum to all internet service providers dated June 8 directing the immediate blocking of our website, along with 26 others. pic.twitter.com/5ulKu1JrMG
— Bulatlat (@bulatlat) June 21, 2022
Em nota publicada pelo Philstar, a PinoyMedia Center, editora da Pinoy Weekly, criticou o memorando do órgão regulador e disse que isso prejudicará sua “missão de fornecer ao público visões alternativas sobre questões relativas aos setores marginalizados”.
A PMC exigiu que o NTC retirasse sua diretiva e “permitisse que a mídia cumprisse seu dever para com o público”.
Acrescentou que a medida não apenas viola a liberdade de imprensa, mas também é “uma afronta ao direito das pessoas à informação, especialmente com a proliferação de desinformação, desinformação e desinformação nas mídias sociais”.
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Censura à imprensa das Filipinas atinge até Nobel da Paz
Assim como aconteceu com o russo Dmity Muratov, a consagração do Nobel da Paz não impediu que a jornalista Maria Ressa continuasse sendo perseguida pelo governo filipino.
Mesmo com a grande atenção à imprensa do país que o prêmio trouxe, a situação do jornalismo nas Filipinas não melhorou. Ressa e o jornal que ela cofundou, o Rappler, são alvos constantes de assédio judicial.
Em abril, ela se reuniu com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, para discutir a necessidade de defender e proteger a mídia independente no país.
Na ocasião, o Rappler tinha sido objeto de ao menos 14 novos processos por crimes de difamação online num espaço de semanas, segundo a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) e a coalizão Hold the Line, criada para defender a jornalista que virou símbolo de perseguição à imprensa.
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As Filipinas usam a tática de “red-tagging”, uma forma de classificar organizações e pessoas como associadas a grupos comunistas ou terroristas, para intimidar a imprensa e ativistas de direitos humanos.
A União Nacional de Jornalistas das Filipinas (NUJP) já alertou sobre os perigos dessa prática, que retrata grupos e indivíduos como alvos legítimos de ameaças, assédio e ataques físicos. Essa rotulagem, na forma de um documento oficial do governo, amplia ainda mais esse perigo, afirma a NUJP.
Em nota, a associação pediu que os órgãos filipinos “reconsiderem a inclusão de sites de notícias e de grupos ativistas em sua suposta lista”.
“Apelamos também aos membros da comunidade jornalística, defensores da liberdade de imprensa e liberdade de expressão, e ao público que se junte a nós na condenação desta flagrante violação da liberdade de imprensa e da ideia básica do livre fluxo de informações.”
A FIJ também se posicionou contra a repressão à imprensa filipina, e chamou de censura o bloqueio do acesso a organizações de mídia independentes sob a justificativa de supostas afiliações terroristas.
“A FIJ insta as autoridades filipinas, incluindo o NTC, a restaurar imediatamente o acesso a todos os sites de mídia online e garantir que a liberdade de imprensa seja protegida”.
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