Londres – A comoção internacional pela guerra da Ucrânia levou o leilão da medalha do Nobel da Paz recebida pelo jornalista russo Dmitry Muratov em 2021 a bater o recorde de preço de vendas semelhantes: foi arrematada por US$ 103,5 milhões (R$ 537,1 milhões) em uma casa de leilões em Nova York na noite desta segunda-feira (20). 

Crítico ferrenho de Vladimir Putin e da guerra, Muratov vai doar o valor integral ao Unicef para ajudar crianças ucranianas refugiadas por causa da invasão da Rússia. O leilão aconteceu no Dia Mundial do Refugiado e o comprador não foi identificado. 

O maior valor já pago por uma medalha do Prêmio Nobel havia sido de US$ 4,76 milhões em 2014 para James Watson, que em 1962 recebeu o prêmio por ter sido um dos descobridores da estrutura do DNA.  

Organização do Nobel apoiou leilão de medalha, diz jornalista

O lance inicial estipulado pela casa de leilões americana Heritage Auction era de US$ 260 mil (R$ 1,3 milhão). O leilão foi presencial e disputado, mas os licitantes também podiam fazer lances pela internet ou por telefone – e um deles acabou levando a medalha.

A oferta vencedora foi muito mais alta do que o lance que até então estava sendo o mais alto, surpreendendo os presentes e próprio Muratov. Depois da venda, ele disse que esperava uma enorme solidariedade, mas não uma quantia tão alta. 

jornalista russo dividiu o Nobel com a jornalista filipina Maria Ressa em outubro de 2021, por “seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão, que é uma pré-condição para a democracia e a paz duradoura”.

Mas do que ajudar as crianças, o leilão também se transformou em um ato de protesto contra a guerra e as perseguições à imprensa russa, que o Nobel ao jornalista do país não foi capaz de estancar.  

Muratov é fundador e editor-chefe do jornal de oposição russo Novaya Gazeta, que suspendeu as operações em março por causa das restrições do Kremlin para a divulgação de notícias sobre a guerra e agora funciona com uma redação fora do país.

Mesmo assim, ele foi atacado com uma mistura de tinta vermelha e acetona durante viagem de trem no mês seguinte. 

Jornalista Dmitry Muratov foi atacado com tinta vermelha durante viagem de trem
(Foto: Reprodução/Twitter/novayagazeta_eu)

A turbulência política na Rússia não deteve o jornalista de continuar se posicionando de forma contrária à invasão na Ucrânia. No início de junho, ele anunciou o leilão de sua medalha de Nobel da Paz.

A ideia da venda para ajudar as crianças ucranianas partiu dele, que também doou o prêmio em dinheiro recebido da fundação Nobel — US$ 500 mil (R$ 2,5 milhões) — para crianças que sofrem de atrofia muscular espinhal, entre outras instituições de caridade.

O Instituto Nobel Norueguês elogiou a venda da medalha. Em uma carta de apoio, o diretor Olav Nj ø lstad, do Instituto Nobel Norueguês declarou:

“Este ato humanitário generoso está alinhado ao  espírito de Alfred Nobel. A venda tem a aprovação sincera do Comitê Nobel norueguês”.

O jornalista afirmou que quer se tornar um exemplo a ser seguido com o leilão de sua medalha e espera incentivar que outras pessoas vendam seus bens valiosos para ajudar os refugiados ucranianos.

“Esta decisão foi apoiada por 100% de nossa equipe [do Novaya Gazeta]. Todos entenderam muito claramente que é algo que precisamos fazer e temos que fazer agora.

Não estamos falando de orgulho, sentimento de valorização ou realização, estamos falando de uma guerra e de ajudar as pessoas que mais sofrem: crianças em famílias refugiadas.”

A abertura para os lances online foi no dia 1º de junho, Dia Internacional da Criança, com o leilão se encerrando em 20 de junho, o Dia Mundial do Refugiado.

Concedidas às pessoas mais notáveis em áreas especializadas e por ações humanitárias, as medalhas do Nobel são altamente colecionáveis ​​como obras de arte e pelas conquistas que representam.

Segundo a casa de leilão, Muratov permitiu que medalha fosse vendida não como um item colecionável, mas como “uma ação destinada a impactar positivamente a vida de milhões de refugiados ucranianos.”

Leia também

Dia Mundial do Refugiado: ONG cobra de governos vistos especiais para jornalistas que optam por exílio

Dhondup Wangchen, jornalista refugiado, Tibet, China

Desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, em fevereiro, a ONU (Organização para as Nações Unidas) estima que 6,6 milhões de pessoas deixaram o país invadido.

Mais de 3,5 milhões fugiram para a Polônia, quase 1 milhão para a Romênia e mais 1 milhão para a Rússia. Hungria, Moldávia e Eslováquia também receberam cerca de 500 mil refugiados cada um.

A ONU afirma que há mais de 10 mil refugiados ucranianos em pelo menos 20 países. Estime-se que 14 milhões de outros foram deslocados dentro da Ucrânia, com recursos escassos para comida, abrigo e outras necessidades básicas.

Além do leilão da medalha do Nobel da Paz, Muratov também realiza uma campanha de arrecadação de fundos para o Unicef que pode ser acessada por qualquer pessoa e não tem prazo de expiração.

 

Leia também

Rússia veta entrada de 49 britânicos no país, incluindo jornalistas dos principais veículos