A intensa cobertura da invasão russa à Ucrânia, tida como o maior conflito armado na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, não foi capaz de reverter o desinteresse por notícias na maioria dos países pesquisados pelo Instituto Reuters para Estudos de Jornalismo em Oxford.

Em um estudo complementar ao Digital News Report 2022 (DNR), que avaliou o consumo e confiança no jornalismo mundial, o instituto descobriu que grande parte da população de cinco nações — Brasil, Alemanha, Polônia, Reino Unido e Estados Unidos — está acompanhando o conflito Rússia-Ucrânia de perto.

Mesmo assim, o índice de rejeição a notícias sobre o assunto é alto: no Brasil, cerca de 40% não acompanham as informações sobre a invasão russa. 

Mesmo com queda na confiança em notícias, maioria acompanha guerra

Em 24 de fevereiro, a Rússia iniciou uma invasão em grande escala da Ucrânia. As principais empresas jornalísticas do mundo enviaram correspondentes ou contrataram jornalistas no território invadido para cobrir o conflito.

Profissionais da imprensa, civis e políticos – principalmente o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky – também usaram redes sociais como TikTok, Telegram e Twitter para documentar os horrores da guerra em tempo real para uma audiência global.

Para entender como as pessoas estão acessando as notícias sobre o conflito Rússia-Ucrânia e explorar o impacto nas tendências gerais de consumo de informação, o Instituto Reuters contratou a plataforma britânica YouGov para a pesquisa nos cinco países.

O relatório foi elaborado pelos professores Kirsten Eddy e Richard Fletcher.

“Esses países foram selecionados por representarem diferentes níveis de proximidade com o conflito, desde a Polônia, que faz fronteira com a Ucrânia, até o Brasil e os EUA, que estão em continentes diferentes”, justificaram.

O levantamento foi feito entre 29 de março e 7 de abril, com mil entrevistados de cada nacionalidade.

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E, apesar da confiança nas notícias cair em quase metade dos 46 países pesquisados para o Digital News Report 2022 (DNR), a maioria das pessoas acompanha de perto as informações sobre a Ucrânia nas cinco nações analisadas no estudo complementar.

A atenção é maior na Alemanha, que está geograficamente próxima do conflito e onde os efeitos chegam com mais força à vida das pessoas comuns – como o risco de falta de gás.

No Brasil, que está política e geograficamente mais distante do conflito, 39% não o acompanha de perto — desses, 10% não consume nenhuma informação sobre a guerra.

Os pesquisadores destacam que alguns desses dados estão alinhados com os já apurados no Digital News Report sobre as pessoas que não estão consumindo nenhuma fonte de notícias em mercados como os EUA e o Reino Unido.

Mas ressaltaram que, em países como Brasil e Alemanha, a proporção de pessoas de 18 a 24 anos que não acompanha o conflito é particularmente alta em comparação com outras faixas etárias.

E nos EUA e no Reino Unido, as mulheres são ligeiramente mais propensas do que os homens a não prestar atenção à guerra.

Ao perguntar aos entrevistados qual fonte de notícias eles prestam mais atenção quando se trata do conflito Rússia-Ucrânia, a televisão lidera a lista de três dos cinco países – sendo a principal fonte na Alemanha (46%) e no Brasil (44%).

Nos EUA e na Polônia, sites de notícias online, de mídia independente e redes sociais combinados respondem por uma parcela maior – mas a TV ainda é a fonte individual mais usada para buscar notícias sobre o conflito.

No recorte por idade, o favoritismo da televisão cai. No Reino Unido, por exemplo, ela é o meio de comunicação principal sobre a guerra para mais da metade (55%) das pessoas com 55 anos ou mais.

Mas apenas 13% dos britânicos de 18 a 24 anos se informam mais sobre o conflito Rússia-Ucrânia pela TV do que por outros meios, como redes sociais.

Enquanto a TV é a mais usada para se obter informações da guerra em países como a Alemanha, as mídias sociais são uma fonte particularmente importante no Brasil, com 23% das pessoas buscando notícias nessas plataformas.

Desinteresse por notícias não caiu e pode até ter aumentado com cobertura da guerra

A pesquisa complementar ao NDR também explorou se a tendência de desinteresse por notícias estavam sendo revertida pela extensa cobertura do conflito no Leste Europeu.

Como o NDR mostrou, o interesse em notícias caiu drasticamente em todos os mercados, de 63% em 2017 para 51% em 2022.

Enquanto isso, a proporção dos que dizem evitar notícias com frequência ou às vezes aumentou acentuadamente entre os países.

Esse tipo de "evasão seletiva" dobrou no Brasil (54%) e no Reino Unido (46%) nos últimos cinco anos, com muitos entrevistados dizendo que o noticiário tem um efeito negativo em seu humor.

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No estudo complementar, os pesquisadores do Instituto Reuters apontaram que a cobertura midiática da guerra não reverteu isso e pode até ter aumentado o desinteresse por notícias.

"Em geral, encontramos poucas evidências de que essas tendências de longo prazo tenham sido revertidas – mesmo que temporariamente – e, em alguns casos, há evidências possíveis de que elas tenham sido aceleradas."

Ou seja, segundo o relatório a cobertura em tempo real do primeiro mês de guerra na Ucrânia fez com que a população dos cinco países analisados evitasse ainda mais o noticiário.

Na Alemanha, Polônia e Estados Unidos, a proporção que diz que às vezes ou muitas vezes evita ativamente as notícias aumentou.

O maior aumento de todos foi na Alemanha (7 pontos percentuais), mas aumentos significativos também podem ser vistos na Polônia (6pp) e nos EUA (4pp).

"Sabemos que uma das principais razões pelas quais as pessoas evitam as notícias é por causa do efeito negativo que tem em seu humor.

Por isso não seria surpreendente se a natureza profundamente deprimente e preocupante do conflito fizesse com que mais pessoas se afastassem a partir dele."

No Reino Unido e no Brasil, onde a evasão de notícias já era alta, não houve evidências de um aumento adicional – mas também não diminuiu.

Além disso, nesses dois países, a decisão de evitar notícias já aumentou acentuadamente nos últimos anos – 11 pontos percentuais de 2019 a 2022, no caso do Reino Unido; e 20 pontos percentuais no ​​Brasil, de acordo com o relatório.

"Apesar de sua gravidade, o conflito Rússia-Ucrânia pouco fez para reverter os níveis de interesse em declínio na maioria dos países, mesmo no curto prazo.

Vemos um quadro semelhante quando analisamos os níveis de confiança nas notícias. Apesar da bravura dos jornalistas na Ucrânia e das notáveis ​​reportagens que produziram, a confiança nas notícias não foi afetada – além de um aumento de 4pp no ​​Reino Unido."

Imprensa brasileira conseguiu contextualizar bem a guerra

O Instituto Reuters também avaliou o desempenho da mídia na cobertura da guerra segundo a percepção da audiência dos cinco países analisados.

A imprensa é amplamente vista como fazendo um bom trabalho com a cobertura, especialmente em manter as pessoas atualizadas sobre as últimas notícias do conflito – com quase metade ou mais dos entrevistados em todos os cinco países concordando que a mídia fez um bom trabalho.

"Mas, em geral, eles sentem que a mídia não teve um desempenho tão bom para explicar as implicações mais amplas do conflito ou fornecer uma gama diferente de perspectivas sobre ele – ilustrando claramente, em todos os cinco países, onde as organizações de notícias poderiam estar fazendo um trabalho melhor à medida que a crise continua a se desenrolar."

No Brasil,  52% acha que a mídia foi eficicente em explicar as implicações mais amplas do conflito Rússia-Ucrânia, o maior indíce entre os analisados.

Contexto e clareza pode reveter desinteresse por notícias

Com a guerra na Ucrânia ainda acontecendo e, possivelmente, dada a natureza difícil e muitas vezes visualmente impactante da cobertura do conflito, os pesquisadores encontram evidências de aceleração da evasão de notícias em vários países.

Ou seja, mesmo uma história tão interessante e significativa quanto a guerra na Ucrânia não reverteu os níveis crescentes de desinteresse das notícias em muitos países.

À medida que o conflito persistir, será especialmente importante que as redações redirecionem os esforços para explicar suas implicações mais amplas, conclui o relatório.

"Explicações claras e contextualização do conflito Rússia-Ucrânia — tanto o que isso significa para os mais afetados pela guerra dentro e ao redor da Ucrânia, bem como suas implicações mais amplas para o público global — podem atrair um segmento de pessoas que evitam notícias que simplesmente querem informações mais claras e relevantes."

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