Londres – Enquanto ao menos oito jornalistas já morreram cobrindo a guerra na Ucrânia  e a Rússia tem sido condenada por perseguir jornalistas locais e estrangeiros, duas profissionais da mídia ucranianas receberam ameaças após noticiarem a demissão de uma funcionária do governo de Volodymyr Zelensky. 

Sevgil Musaieva e Sonya Lukashova são, respectivamente, editora-chefe e correspondente do site de notícias Ukrainska Pravda. No dia 27 de junho, uma matéria investigativa assinada por Sonya relacionou a saída da ouvidora federal aos supostos relatos exagerados que ela fornecia à imprensa sobre as mortes de civis no conflito.

Dias após a matéria ir ao ar, as duas receberam telefonemas e mensagens hostis nas redes sociais. Uma delas, no Facebook, dizia: “Sevgil, tenho a sensação de que sua garganta será cortada. Eu não sei quem e quando – mas corra.”

Ombudsman exagerou crimes de guerra na Ucrânia, apurou jornalista

A matéria intitulada “Do Facebook aos interrogatórios: Por que a ombudsman Denisova perdeu seu cargo” foi assinada pela repórter Sonya Lukashova.

Ela apurou que a demissão de Lyudmyla Denisova, funcionária do governo ucraniano que, no cargo de ombudsman, era responsável pela Ouvidoria, estava relacionada aos supostos exageros nos relatos de crimes cometidos por soldados russos em áreas ocupadas na Ucrânia.

Segundo a reportagem do Ukrainska Pravda, Denisova fornecia relatos “de horror” sobre crimes das forças russas contra a população ucraniana: estupro de crianças, mulheres, agressões e violências diversas eram publicadas nas páginas oficiais da Ouvidoria e divulgados pela própria ombudsman:

“Em maio, Denisova viajou para o Fórum Econômico Mundial em Davos, onde também descreveu como centenas de pessoas testemunham todos os dias sobre os terríveis crimes dos ocupantes.

Suas histórias eram detalhadas e questionáveis ​​em termos de privacidade da vítima.

Os jornalistas, impressionados com a brutalidade dos invasores, tentaram desenvolver as histórias [em matérias para seus veículos]. No entanto, eles não conseguiram encontrar confirmação para os relatos.

Os meios de comunicação ucranianos então assinaram uma petição coletiva: eles pediram à comissária que mudasse sua retórica, escolhesse suas palavras com cuidado e não publicasse informações não verificadas.”

Após denúncia de próprios funcionários da Ouvidoria e investigação interna, a ombudsman foi demitida.

Mas o que era para ser uma reportagem sobre a importância da Ucrânia se ater aos fatos reais sobre a invasão de seu território, acabou se virando contra a repórter e editora-chefe do jornal.

Após a publicação da matéria, as jornalistas começaram a receber ameaças de mortes em publicações abertas nas redes sociais, por meio de mensagens privadas e por telefonemas. 

Ao Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), Sevgil disse que a maioria das ameaças foi enviada anonimamente, mas acrescentou que alguns dos perfis tinham nomes de usuários aparentemente reais.

“Meu trabalho é dizer a verdade, não importa qual seja a verdade, eu não escolho lados”, afirmou a editora-chefe ao CPJ.

Jornalistas têm nomes adicionados em lista de grupo nacionalista da Ucrânia

Os nomes das duas jornalistas foram listados em um banco de dados administrado pelo site nacionalista ucraniano Myrotvorets, que publicou suas informações pessoais e as acusou de usarem “a chamada atividade jornalística” para apoiar a Rússia.

Os dados do site mostram que a página de Lukashova foi atualizada ou criada em 27 de junho e a de Musaieva em 30 de junho.

Em 2016, o Myrotvorets publicou os nomes, informações e detalhes de contato de mais de 5 mil repórteres e profissionais de mídia ucranianos e internacionais que solicitaram credenciamento de imprensa para trabalhar em áreas separatistas.

Todos foram rotulados como “colaboradores terroristas”, segundo reportagens da imprensa local na época.

Nacionalistas ucranianos já usaram informações desse site para identificar alvos de mensagens de texto e e-mails ameaçadores, incluindo ameaças de violência física e morte, de acordo com apuração do CPJ.

Pelo menos 25 jornalistas foram mortos em relação ao seu trabalho na Ucrânia desde que o CPJ começou a documentar, em 1992. Oito jornalistas tiveram as mortes relacionadas diretamente ao trabalho, incluindo dois editores-chefes do Ukrainska Pravda, veículo em que as jornalistas ameaçadas trabalham.

“As autoridades ucranianas devem tomar todas as medidas disponíveis para garantir a segurança e o bem-estar das jornalistas Sevgil Musaieva e Sonia Lukashova”, disse Gulnoza Said, coordenador do CPJ na Europa e Ásia Central.

“Seu trabalho é um serviço ao público ucraniano, e elas não devem enfrentar ameaças por suas reportagens”, acrescentou.

Leia também

Rússia ‘sequestra’ torres de TV para transmitir propaganda estatal em cidade ucraniana