Londres – Em quatro meses, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia custou a vida de dez profissionais de imprensa, o que representa quase um quarto de todas as mortes de jornalistas e pessoal de apoio ocorridas no primeiro semestre de 2022 no mundo, segundo levantamento da Unesco, que contabiliza 41 perdas nos primeiros seis meses deste ano.  

A proporção da Unesco – 25% – é a mesma no cálculo da organização Repórteres Sem Fronteiras, embora o total de vítimas seja diferente, já que a ONG francesa não inclui dois jornalistas ucranianos que morreram combatendo na guerra e não a serviço de um órgão de imprensa. 

Segundo a RSF, 32 profissionais de imprensa perderam a vida em 2022 durante coberturas ou em ataques relacionados ao seu trabalho, dos quais oito na Ucrânia. 

Jornalistas mortos na guerra foram vítimas de ataques diretos 

Mortes de jornalistas em guerras não são incomuns e fazem parte da história dos conflitos. O que mudou na guerra da Ucrânia é que na maior parte dos casos, os profissionais foram atacados por forças russas mesmo identificados como imprensa, em vez de feridos em tiroteios ou bombardeios acidentais. 

Alguns chegaram a ser capturados e torturados. Foi o caso do fotógrafo ucraniano Maks Levin, que trabalhava para a agência Reuters.

Uma investigação independente da Repórteres Sem Fronteiras concluiu que ele e o profissional que o acompanhava, um ex-soldado, foram assassinados a sangue frio depois de desaparecerem no dia 13 de março em Moshchun, uma vila 20 km ao norte de Kiev.

Outros foram alvo de tiros quando trafegavam em carros de reportagem identificados, o que no passado significava proteção. Logo no início do conflito, o veículo de uma equipe da Fox News foi atacado enquanto se deslocava para a cidade Irpin, a 20 km de Kiev, no dia 14 de março.

O cinegrafista Pierre Zakrzevsky, de 55 anos, e a produtora ucraniana Oleksandra Kuvshinova, de 24 anos, morreram no incidente. 

O repórter Benjamin Hall sobreviveu ao ataque, mas ficou gravemente ferido. Um mês depois do atentado, ele se pronunciou pela primeira vez:

“Para resumir, perdi meia perna de um lado e um pé do outro”, escreveu o jornalista ao compartilhar no Twitter uma foto de si mesmo enfaixado e usando um tapa-olho. Ele também machucou a mão, ficou cego de um olho e perdeu parte da audição.

(Foto: Reprodução/Twitter)

A notícia do ataque à equipe da Fox News veio somente um dia depois que outro jornalista dos EUA, Brent Renaud, foi morto a tiros na Ucrânia, também enquanto seguia para Irpin. Dois outros jornalistas ficaram feridos no mesmo ataque e sobreviveram.

Renaud, de 50 anos, foi o primeiro jornalista estrangeiro a morrer no conflito Rússia-Ucrânia. A polícia local confirmou que ele foi alvo de soldados russos.

Apesar de escapar com vida de um ataque deliberado, o caso de uma equipe da emissora britânica Sky News exemplifica os riscos aos quais jornalistas estão submetidos na guerra da Ucrânia.

Em 4 de março, o carro em que uma equipe de reportagem da rede viajava foi alvo de uma emboscada e dois profissionais ficaram feridos, incluindo um dos principais nomes do jornalismo da rede, Stuart Ramsay.

O correspondente-chefe da Sky News foi alvejado por uma bala na região lombar durante a chuva de tiros que atingiu o veículo que ia para a cidade de Bucha, a 30 quilômetros de Kiev.

O operador de câmera Richie Mockler também foi atingido com dois tiros em seu colete antes que a equipe conseguisse escapar e se proteger no galpão de uma fábrica, até ser resgatada pela polícia ucraniana.

Mesmo atingido, o cinegrafista Mockler filmou todo o ataque, em um vídeo chocante em que o pânico é mostrado sem cortes. Os gritos dos profissionais avisando que eram jornalistas foram ignorados pelos agressores.

Ucraniano foi o primeiro jornalista a morrer na guerra; russa também foi vítima

O primeiro jornalista morto na guerra na Ucrânia foi o cinegrafista Evgeny Sakun, da Kiev Live TV. Ele foi atingido durante o bombardeio da torre de televisão de Kiev, no dia 1º de março.

Na ocasião, a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) publicou o crachá profissional nas redes sociais. Além de lamentar a perda do cinegrafista, a RSF acusou os responsáveis por sua morte de terem praticado um crime de guerra.

Na semana em que o conflito completou um mês, a jornalista russa Oksana Baulina, do site investigativo The Insider, morreu após bombardeio de tropas da Rússia a um bairro residencial em Kiev. O ataque aconteceu no dia 23 de março, e vitimou também um civil e outras duas pessoas ficaram feridas.

Em 2 de abril, o premiado documentarista lituano Mantas Kvedaravicius entrou para a lista de profissionais de mídia que morreram ao cobrir o conflito.

Ele ficou conhecido pelo filme “Mariupolis”, de 2016, que ganhou o prêmio de Melhor Documentário no Lithuanian Film Awards, além de receber elogios nos festivais de cinema de Berlim, Hong Kong e Estocolmo, segundo o Hollywood Reporter.

O Ministério da Defesa da Ucrânia confirmou a morte do lituano, que foi baleado por soldados russos enquanto tentava sair de Mariupol — cidade sitiada pelo exército da Rússia. O cineasta chegou a ser socorrido para um hospital, porém não resistiu.

No dia 30 de junho, o jornalista francês Frédéric Leclerc-Imhoff, de 32 anos, da emissora BFMTV, morreu ao ser atingido por estilhaços após um ataque russo a um veículo de resgate na Ucrânia.

O profissional estava pela segunda vez no país documentando a guerra para a emissora desde o início do conflito, segundo a empresa. Ele foi morto enquanto cobria uma operação de evacuação ucraniana na região de Severodonetsk.

O repórter acompanhava a operação humanitária de dentro de um veículo blindado, que foi atingido por tropas russas. Leclerc-Imhoff estava com o colega Maxime Brandstaetter, que teve ferimentos leves, e a produtora local (fixer) Oksana Leuta, que saiu ilesa.

Entidade diz que jornalistas não são alvos em guerras

No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, comemorado em 3 de maio, a organização internacional CPJ (Comitê para a Proteção dos Jornalistas) fez um apelo nas redes sociais pedindo o fim de ataques a jornalistas e profissionais de profissionais da mídia na guerra na Ucrânia.

A hashtag da iniciativa é #NotATarget (#NãoSãoAlvos). O vídeo da campanha exibe depoimentos comoventes de familiares e colegas de trabalho dos profissionais que perderam a vida na guerra.

“Todos os jornalistas e profissionais da mídia são civis sob o Direito Internacional Humanitário, e seus direitos devem ser respeitados e protegidos”, lembra o diretor-executivo do CPJ, Robert Mahoney.

O vídeo do CPJ também traz o depoimento do irmão de Brent Renaud, documentarista americano morto depois de ser alvejado por soldados russos na cidade Irpin, no dia 13 de março:

“Uma coisa que fez a diferença com Brent e transpareceu em nossos filmes é o quanto ele se importava com as pessoas que estávamos filmando. E, no fim, é por isso que Brent morreu.

Ele estava tentando chegar a uma ponte, longe de onde o conflito estava acontecendo, mas onde os refugiados estavam tentando fugir da Ucrânia com alguns poucos pertences.”

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