Entidades defensoras da imprensa, autoridades da Palestina e a família da jornalista Shireen Abu Akleh, da TV Al Jazeera, questionam o relatório divulgado pelo governo dos Estados Unidos sobre a morte dela durante um ataque na Cisjordânia, em 11 de maio.
A análise forense conduzida pelos EUA aponta que a repórter de 51 anos foi morta por um tiro que partiu das forças israelenses, porém, afirma não ter sido possível descobrir se o disparo foi intencional.
O relatório publicado na segunda-feira (4) apresenta as mesmas conclusões de uma investigação feita pelo jornal The New York Times (NYT) divulgada em junho. Outras apurações independentes também aconteceram depois que Israel se negou a investigar o caso.
Tiro na jornalista palestina não teria sido intencional
Na análise feita com “examinadores independentes”, mas que a Palestina aponta que houve participação de Israel, o governo americano diz que não conseguiu “chegar a uma conclusão definitiva” sobre a origem da bala que matou Abu Akleh, que também era cidadã dos EUA, embora constate que a jornalista foi atingida por um tiro que partiu de soldados israelenses.
“Além da análise forense e balística, o USSC (Coordenador de Segurança dos EUA) teve acesso total às investigações das Forças de Defesa de Israel (IDF, em inglês) e da Autoridade Palestina (PA) nas últimas semanas.
Ao analisar ambas as investigações, o USSC concluiu que um tiro da IDF provavelmente foi responsável pela morte de Shireen Abu Akleh.
O USSC não encontrou motivos para acreditar que isso foi intencional, mas sim o resultado de circunstâncias trágicas durante uma operação militar.”
Família também quer periciar bala
Com a divulgação do relatório dos EUA, o Exército de Israel disse que vai analisar a bala que matou a jornalista palestina, mas acrescentou que a abertura de um inquérito criminal só será avaliada depois da conclusão dos exames.
Em comunicado, o irmão da profissional da Al Jazeera, Anton Abu Akleh, disse que a família não foi “consultada ou informada por qualquer parte, oficial ou não, que [uma investigação dos EUA e Israel] estava em andamento ou havia sido arranjada”.
Ele classificou a falta de transparência como “alarmante”.
“Temos sérias dúvidas de que esse processo leve à responsabilização.
Permaneceremos vigilantes em nossos esforços para obter justiça para Shireen, não importa os obstáculos, e acompanharemos esse processo de perto.”
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“Esperávamos, pelo menos, que os resultados [dos EUA] fossem apresentados de forma detalhada”, disse Lina Abu Akleh, sobrinha da jornalista, em entrevista à RFI, acrescentando que “o apoio demonstrado a Israel é uma verdadeira decepção.”
“O comunicado diz que o tiro foi acidental. Não entendo como isso é possível, pois não havia ativistas, apenas jornalistas claramente identificados como tal.”
As conclusões do governo americano também motivaram os advogados que representam a família da jornalista solicitarem ao exército israelense e à Autoridade Palestina a bala e arma de fogo usadas no crime para uma “análise forense independente.”
“A análise forense da arma de fogo constitui uma pequena, mas importante parte da evidência neste caso”, disse o advogado Tayab Ali em entrevista à FIJ.
“É crucial que nós, como advogados que representam as vítimas neste caso, possamos avaliar as provas de forma independente e não sejamos impedidos ou prejudicados em nossas investigações.
A evidência que vimos até agora fornece um forte argumento de que Israel tem uma política de atacar jornalistas no Território Palestino Ocupado.”
Autoridades palestinas também questionaram o relatório dos EUA. Hussein Al Sheikh, secretário-geral da Organização para a Libertação da Palestina, declarou que não aceitaria “tentativas de esconder a verdade” e que não tinha medo de acusar Israel.
Organizações cobram justiça para crime contra jornalista palestina
Organizações como a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) e o Sindicato dos Jornalistas Palestinos (PJS, em inglês) contestam essa versão, pois acreditam que a repórter foi um alvo deliberado das tropas de Israel.
“Essa visão difere das descobertas das Nações Unidas e de vários meios de comunicação, que concluíram que ela foi deliberadamente alvo das forças israelenses”, aponta um comunicado da FIJ e PJS.
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Em junho, a ONU afirmou que a jornalista foi morta por soldados de Israel, sem apontar, no entanto, se ela foi ou não um alvo proposital:
“Todas as informações que conseguimos – incluindo as do exército israelense e do procurador-geral palestino – corroboram que os tiros que mataram Abu Akleh e feriram seu colega Ali Sammoudi vieram das forças de segurança israelenses e não de tiroteios indiscriminados de palestinos armados.”
Para a FIJ, os Estados Unidos falharam em não responsabilizar as forças israelenses e mencionarem “circunstâncias trágicas” para o crime.
“Estamos determinados a esclarecer as verdadeiras circunstâncias desse assassinato”, disse o secretário-geral da entidade, Anthony Bellanger.
O PJS considerou o documento dos especialistas americanos “pouco profissional” e o definiu como um “relatório de segurança política, destinado a evadir a responsabilidade de Israel pelo ataque deliberado e assassinato de Shireen Abu Akleh.”
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