Londres – Enquanto Dmitry Muratov, jornalista russo homenageado com o prêmio Nobel da Paz em 2021, foi obrigado a fechar seu jornal, a filipina Maria Ressa, que dividiu o prêmio com ele, está mais perto de ser presa como resultado de um processo de difamação cibernética movido pelo governo.
O Tribunal de Apelações das Filipinas negou recurso impetrado pela defesa da jornalista e manteve, no dia 8 de julho, a condenação da fundadora e editora do Rappler e do jornalista Rey Santos Jr, que trabalhou no site.
E foi além, estendendo a pena máxima possível para seis anos e oito meses de prisão. Ressa anunciou que levará o caso à Suprema Corte.
Fundação Nobel criticou decisão
Em comunicado à imprensa, Berit Reiss-Andersen, presidente do Comitê Nobel da Noruega, reagiu à decisão:
“A condenação é baseada na crítica de Maria Ressa sobre como o poder é usado e às vezes abusado nas Filipinas.
A crítica expressa por Rappler está dentro do conceito de liberdade de expressão em uma sociedade democrática.”
Maria Ressa ficou conhecida no mundo como exemplo do uso de assédio judicial como instrumento para intimidar e silenciar jornalistas.
Ela caiu em desgraça com o governo do então presidente Rodrigo Duterte por criticar a violenta política antidrogas implantada por ele.
Depois disso, passou a ser alvo de diversos processos de difamação cibernética e também de ações fiscais.
Alguns foram abertos pelo governo e outros por pessoas ligadas ao ex-presidente, que há duas semanas deixou o comando do governo, O novo presidente do país é Ferdinand Marcos Jr, filho do ditador que liderou o país com mão de ferro entre 1965 e 1986.
O processo cujo recurso foi negado é de autoria do governo filipino, em resposta a uma reclamação do empresário Wilfredo Keng sobre uma reportagem investigativa publicada pela Rappler em 2012. O site havia denunciado o uso de um dos carros de Keng por um integrante do Judiciário, já falecido.
Ela foi veiculada antes de a atual lei de crimes cibernéticos ser promulgada. Mas uma correção de um erro tipográfico feito dois anos depois foi considerada uma ofensa separada pelo tribunal, segundo o Rappler, servindo de argumento para a condenação sob a nova lei.
No discurso feito ao receber o Nobel da Paz, em Oslo, ela falou sobre o processo e o uso da lei retroativa.
Juristas questionaram a constitucionalidade da decisão inicial e da sentença proferida em resposta ao recurso:
“O recurso é negado.
A decisão do Tribunal Regional de Manila 46 que considera os acusados Reynaldo Santos Jr. e Maria Ressa culpados além de qualquer dúvida razoável de violação da Seção 4(c)4 da Lei da República 10175, também conhecida como Lei de Prevenção ao Cibercrime de 2012, é confirmada com modificação na medida em que como acusados são condenados a pena indeterminada de reclusão que varia de seis meses e um dia no mínimo a seis anos e oito meses e vinte dias no máximo.”
Os juízes da Corte de Apelação impuseram uma sentença pena de prisão mais longa do que a que o tribunal de Manila havia determinado em junho de 2020, que era de seis meses e um dia no mínimo a seis anos no máximo.
Agora, Ressa e Rey podem pegar mais oito meses e 20 dias, além de pagar uma multa equivalente a R$ 37 mil por danos morais.
Uma segunda acusação de difamação cibernética aberta por Keng foi julgada improcedente em 2021, depois que ele disse ao tribunal que não queria mais “se preocupar” com o processo, mas redirecionar seu foco para a pandemia.
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Difamação cibernética, instrumento de perseguição
Mais de dez de queixas de difamação cibernética foram apresentadas contra Maria Ressa e Rappler, segundo a Repórteres Sem Fronteiras, demonstrando “a forma como a lei profundamente problemática está sendo usada como ferramenta para assediar e silenciar a mídia independente”, salientou a entidade.
“Esta decisão é amargamente decepcionante e envia um sinal perturbador sobre a direção da justiça sob a nova administração de Ferdinand Marcos Jr”, disse o comitê do Hold the Line Coalition, um grupo de entidades formado para denunciar os abusos contra a jornalista filipina.
“Exigimos a descriminalização imediata da lei de difamação nas Filipinas, e especialmente a lei de difamação cibernética ridícula e aplicada retroativamente sob a qual Maria Ressa e seu ex-colega foram condenados.”
A decisão do Tribunal de Apelação das Filipinas acontece dias depois de uma ordem de fechamento do site Rappler emitida pela Comissão de Valores Mobiliários, por uma suposta infração da lei de propriedade de mídia do país.
“Essas decisões, em sucessão próxima, representam uma séria escalada no assédio e perseguição em curso de Ressa e Rappler e devem ser contestadas com força”, disse o Comitê Diretor da coalizão.
“A liberdade de imprensa está sob ataque feroz nas Filipinas e este caso criminoso de difamação cibernética é emblemático do declínio democrático do país.”
Ressa e Rappler continuam lutando contra sete casos em andamento que estão sendo investigados pelas autoridades filipinas. Se Ressa for condenada em todas as acusações, ela enfrentará penas cumulativas de prisão de até 100 anos.
A HTL Coalition está apelando aos Estados, organizações intergovernamentais e grupos da sociedade civil internacional para intensificar a luta para manter Ressa livre.
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