A censura à imprensa na Rússia atinge até mesmo os veículos fechados e vinculados a jornalistas reconhecidos internacionalmente, como o vencedor do prêmio Nobel da Paz de 2021, Dmitry Muratov.

O Novaya Gazeta, fundado por um grupo de jornalistas em 1993, incluindo Muratov, foi multado em 300.000 rublos (cerca de R$ 25 mil) por um vídeo crítico à guerra na Ucrânia publicado em fevereiro.

A multa foi aplicada na quarta-feira (6) por um tribunal de Moscou mesmo com o veículo tendo suspendido suas operações há quase quatro meses, por determinação do órgão regulador da mídia russa, o Roskomnadzor.

Vídeo do 1º dia da guerra é alvo de censura na Rússia

No dia 28 de março, o Novaya Gazeta informou que não publicaria mais conteúdo em suas versões impressas e online por tempo indeterminado, retomando suas atividades somente com o final da “operação especial no território da Ucrânia”. Pelas regras da legislação russa atualizada com o início do conflito, a guerra não pode ser chamada de guerra.

Dois avisos oficiais do Roskomnadzor por ano podem valer uma suspensão da licença de mídia. E o Novaya Gazeta já tinha recebido uma outra notificação no dia 22 de março.

Na ocasião, o jornal não informou o teor da última notificação ou qual reportagem teria motivado a abordagem do órgão regulador. 

Semanas depois, profissionais que trabalhavam no veículo abriram uma filial fora da Rússia, o Novaya Gazeta Europe. O site russo continuou acessível de fora do país, mas apenas com o conteúdo que já estava no ar. 

Segundo a versão europeia do Novaya Gazeta,  o vídeo em que Dmitry Muratov criticou a guerra foi considerado pelo tribunal como “divulgação de notícias falsas que levaram a uma ameaça de violações em massa da ordem pública ou da segurança pública”.

O artigo Art. 13.15 do Código Administrativo da Federação Russa estabelece pena para “divulgação de informações socialmente significativas conscientemente não confiáveis sob o disfarce de mensagens confiáveis”.

O conteúdo, publicado em 24 de fevereiro, o primeiro dia da invasão à Ucrânia, foi retirado do ar a pedido do Procurador-Geral da Rússia e do Roskomnadzor.

“A equipe do Novaya Gazeta considera [a multa] um ato de censura militar”, declarou a sucursal da Europa.

Mas os leitores russos não vão ler essa opinião. Em 29 de abril, o Novaya Gazeta Europe anunciou que foi bloqueado no território russo.

A equipe editoral foi informada pelos próprios leitores que o endereço estava indisponível para acesso na Rússia e um serviço de monitoramento de sites também confirmou a censura do veículo.

Muratov resiste e anuncia nova plataforma de notícias

Dmitry Muratov se tornou mais conhecido fora dos círculos do jornalismo ao dividir o Nobel da Paz com a filipina Maria Ressa

A abertura da filial do jornal fundado por ele na Europa foi possível graças a um fundo de apoio inédito para jornalistas e veículos de imprensa no exílio.

Criado pela organização Repórteres sem Fronteiras (RSF), junto com a Fundação Rudolf Augstein e a Fundação Schöpflin, o Novaya Gazeta Europe foi um dos primeiros projetos apoiados. Em abril, o veículo europeu foi lançado.

Mas a perseguição ao jornalista em território russo é grande. No dia em que o Novaya Gazeta fechou, ele foi atacado com uma mistura de tinta vermelha e acetona durante uma viagem de trem no país. O ataque foi atribuído agentes da inteligência oficial.

Em junho, o jornalista leiloou a medalha de ouro do Nobel por US$ 103,5 milhões (R$ 537,1 milhões) em Nova York.

O ato foi ao mesmo tempo político e humanitário: o russo doou de forma integral o valor para a Unicef ajudar crianças ucranianas refugiadas da guerra.

A marca estabeleceu um novo recorde, pois o maior valor já pago por uma medalha do Prêmio Nobel até então era de US$ 4,76 milhões, em 2014.

Dias antes da doação milionária, Muratov anunciou a criação de uma nova plataforma de notícias para seguir na resistência à censura da Rússia.

É a NO, apresentada como um suplemento do Novaya Gazeta, que terá um aplicativo e um canal no YouTube. O lançamento ainda não teve data prevista divulgada.

“Vivemos por vocês e graças a vocês. E o mais importante: nós vamos voltar”, diz o comunicado divulgado no mês passado.