O TikTok voltou a ser o centro das atenções nos EUA com dois episódios que colocaram a plataforma chinesa de vídeos curtos sob escrutínio em relação a aspectos controvertidos de sua operação: a privacidade de dados de usuários e o risco dos desafios.
Famílias entraram em conjunto com um processo contra o TikTok na semana passada após duas meninas, de 8 e 9 anos, morrerem ao realizarem o “desafio do apagão”, que viralizou na rede social em 2021 e já foi apontado como a causa da morte de outras crianças.
Ao mesmo tempo, o CEO do TikTok confirmou a senadores dos Estados Unidos que os funcionários da ByteDance, sediada na China, têm acesso aos dados dos usuários americanos, porém de forma limitada, segundo ele.
Desafios virais expõem os piores riscos possíveis do TikTok
As mortes de duas crianças relacionadas a desafios virais e o acesso de dados dos usuários americanos pela empresa chinesa ByteDance, controladora da rede social, revelam o caminho das pedras que o TikTok ainda precisa trilhar para contornar obstáculos cada vez maiores.
A plataforma se tornou o site mais acessado do mundo em 2021, batendo o Google, mas a visibilidade tem um preço. Os desafios têm sido uma preocupação, com atos de vandalismo e riscos para os usuários.
A ação mais recente foi impetrada em Los Angeles no dia 5 de julho pelos pais de Lalani Walton, de oito anos, e Arriani Arroyo, de nove anos, representados pela organização Social Media Victims Law Center (SMVLC),
O desafio que vitimou as crianças cujas famílias abriram ação contra a plataforma consistia em prender a respiração o máximo possível até “apagar” — ou seja, desmaiar.
O desafio de asfixia já existia antes das redes sociais, mas foi incorporado à plataforma e popularizado por ela em escala global.
Arriani Jaileen Arroyo, de 9 anos, foi encontrada enforcada e sem respirar, em fevereiro de 2021, pelo seu irmão de cinco anos. A criança foi socorrida, mas não conseguiu ser reanimada e morreu no mesmo dia.
A outra vítima é Lalani Erika Renee Walton, de 8 anos, morta no dia 15 de julho de 2021. A polícia relacionou a morte dela a um “resultado direto da tentativa do ‘desafio do apagão” do TikTok'”, de acordo com o processo apresentado em Los Angeles.
Mesmo sabendo dos riscos letais, o aplicativo não removeu os vídeos relacionados à “brincadeira” e encorajou os usuários a participarem dela, diz o processo.
Para as famílias, o “algoritmo perigoso da plataforma, intencional e repetidamente” exibiu os vídeos do desafio para as crianças.
A SMVLC solicita uma indenização de valor não divulgado e um julgamento com júri popular na Califórnia.
“O TikTok precisa ser responsabilizado por enviar conteúdo mortal para essas duas meninas”, declarou o advogado das famílias, Matthew P. Bergman, à imprensa. E acrescentou:
“O TikTok investiu bilhões de dólares para projetar intencionalmente produtos que empurram conteúdo que ele sabe que é perigoso e pode resultar na morte de seus usuários.”
O processo menciona outros sete casos, ocorridos nos EUA, Itália e Austrália.
“O TikTok sabia com certeza que o mortal ‘desafio do apagão’ estava se espalhando no aplicativo e que seu algoritmo estava enviando ele especificamente às crianças, incluindo aquelas que morreram”, diz a denúncia.
O processo alega ainda que o algoritmo do TikTok promove conteúdo nocivo e autoriza o uso do app por menores de idade, sem alertar os usuários ou seus responsáveis sobre a “natureza viciante” do aplicativo.
O TikTok disse ao The Washington Post que bloqueou os usuários de procurar o desafio do apagão – em vez disso, os usuários veem uma de suas telas de aviso, dizendo que “alguns desafios online podem ser perigosos, perturbadores ou até fabricados”. e seja vinculado a uma página no aplicativo sobre a avaliação de desafios e avisos .
Em 2021, o Instagram foi alvo de uma série de denúncias sobre riscos a crianças e jovens, feitas por uma ex-funcionária que vazou à imprensa documentos confidenciais mostrando que a Meta, dona da plataforma, tinha conhecimento de problemas emocionais experimentados por usuários.
Depois, o TikTok passou a ser alvo de escrutínio semelhante.
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Senado dos EUA vai apurar riscos de privacidade no TikTok
Já a preocupação de uma comissão de senadores americanos é outra: a espionagem por parte da China. O CEO da rede social, Shou Zi Chew, se pronunciou em uma carta onde respondeu aos questionamentos de nove senadores sobre o tema:
“Funcionários fora dos EUA, incluindo funcionários baseados na China, podem ter acesso aos dados de usuários do TikTok nos EUA sujeitos a uma série de controles robustos de segurança cibernética e protocolos de aprovação de autorização supervisionados por nossa equipe de segurança sediada nos EUA.”
Chew afirmou que a plataforma tem um “sistema interno de classificação de dados”, e eles só podem ser acessados por meio de aprovações, ou seja, não são todos os funcionários com permissão para ver aos dados dos usuários americanos.
O grupo de senadores se mobilizou para saber mais sobre o uso e acesso de dados dos EUA pela empresa chinesa depois que uma matéria do BuzzFeed News citou áudios de reuniões internas da ByteDance.
Nas gravações, funcionários da empresa-mãe do TikTok abordam o acesso repetido aos dados de usuários americanos por um período de ao menos quatro meses — algo que era vetado aos próprios funcionários baseados nos EUA.
Na carta para os senadores, o CEO da plataforma disse que a matéria do BuzzFeed News apresenta “alegações e insinuações incorretas e não apoiadas por fatos”.
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Na esteira desses fatos, os membros do Comitê de Inteligência do Senado americano pediram, na quarta-feira (6), uma investigação sobre um possível acesso dos dados de usuários americanos do TikTok pelas autoridades políticas da China.
Em carta enviada à presidente da Comissão Federal do Comércio (FTC, na sigla em inglês), Lina Khan, os senadores do comitê pediram a apuração sobre como a rede social chinesa protege dados privados relacionados aos EUA.
O TikTok nega interferência ou acesso das autoridades do país natal à sua base de usuários.
“Falamos abertamente sobre nosso trabalho para limitar o acesso aos dados dos usuários em todas as regiões e, em nossa carta aos senadores na semana passada, fomos claros sobre o nosso progresso nisso, por meio do trabalho com a [plataforma americana de armazenamento em nuvem] Oracle”, disse um porta-voz do TikTok à agência AFP.
“Como dissemos repetidamente, o TikTok nunca compartilhou dados de usuários americanos com o governo chinês, nem faríamos isso, se nos pedissem.”
Também como repercussão da matéria do BuzzFeed News, a Comissão Federal de Comunicações dos EUA pediu ao Google e à Apple que removam o TikTok de suas lojas de aplicativos, o que não aconteceu até o momento.
E, segundo a AFP, outro comitê do Senado, o de Investimentos Estrangeiros, também investiga o TikTok sobre os riscos que os recursos financeiros da plataforma representam para a segurança nacional dos EUA.
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As apurações sobre o acesso e uso de dados americanos na China, no entanto, podem não ser tão simples.
Conforme apontou o jornalista Casey Newton em sua newsletter Platformer, os EUA não possuem uma lei nacional de privacidade, como a brasileira LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).
Dessa forma, segundo o jornalista, há uma série de desafios que os senadores vão esbarrar ao longo da investida contra o TikTok:
“Os dados são ‘americanos’ sempre que um cidadão americano usa o TikTok ou apenas quando está no país? Quando turistas estrangeiros usam o aplicativo durante a visita são dados dos EUA?
Talvez você leia essas perguntas e pense: não consigo imaginar um assunto mais chato. Mas esses são os detalhes que se precisa descobrir se quisermos tornar os dados realmente seguros.
E o fato de que esses detalhes possam ser tão mundanos contrasta com as maneiras hiperbólicas em que muitas vezes a segurança dos dados é discutida. (Como no caso Cambridge Analytica).”
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