A Wikimedia Foundation, dona da enciclopédia online Wikipédia, foi punida pelo governo da Rússia por desafiar uma ordem que pedia a remoção de conteúdos relacionados à guerra da Ucrânia na versão em russo.
Buscadores online serão obrigados a rotular qualquer conteúdo postado na plataforma como “violador da lei russa”, segundo um comunicado emitido nesta quarta-feira (20) pelo Roskomnadzor, o órgão estatal regulador da mídia no país.
Mas se depender do Google, a ordem pode gerar um novo conflito, pois a plataforma recebeu no início da semana uma multa equivalente a R$ 2 bilhões por manter no ar um vídeo do YouTube sobre a guerra, contrariando determinação do órgão regulador.
Wikipédia rejeita censura da Rússia
A medida contra a Wikipédia é a mais recente ação coercitiva do Kremlin para tentar derrubar páginas sobre a invasão ao país vizinho em território russo. Por não excluir as informações, a fundação já foi multada em 5 milhões de rublos (cerca de R$ 330 mil).
Em junho, um tribunal da Rússia determinou à Wikimedia Foundation que todo o conteúdo “falso” sobre a guerra fosse removido.
A entidade contestou a decisão, alegando que as “informações na Wikipédia devem ser protegidas pela liberdade de expressão e não constituem desinformação”, como o governo russo alegou no processo.
Em comunicado à imprensa, a Wikimedia Foundation afirmou na ocasião que não iria remover informações sobre a guerra da Ucrânia, como parte de seu compromisso de fornecer conhecimento gratuito no mundo e por entender que a Rússia não tem poder de legislar sobre a plataforma, sediada fora do país.
Segundo a fundação, o governo russo pedia a remoção das páginas: Invasões Russas à Ucrânia (2022), Pólvora Negra, Batalha por Kiev, Crimes de Guerra durante a Invasão Russa da Ucrânia, Bombardeio do Hospital em Mariupol, Bombardeio do Teatro Mariupol e Massacre em Bucha.
“O apelo vem na esteira de um número crescente de pedidos do governo russo para censurar o conhecimento baseado em fatos na Wikipédia e projetos da Wikimedia em meio à invasão do governo na Ucrânia.”
De acordo com a decisão do tribunal da Rússia, as informações na Wikipédia são consideradas desinformação, o que representa “risco de desordem pública em massa” no país.
Além disso, a corte declarou que a Wikimedia Foundation está operando dentro do território russo, portanto, seria obrigada a cumprir a lei russa.
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Agora, o Roskomnadzor vai usar os buscadores online, como Google e Bing, por exemplo, para tentar forçar a entidade a cumprir as ordens do governo.
Na nota, o órgão chama de “medida coercitiva” a ação contra a Wikipédia:
“Devido à não conformidade da organização sem fins lucrativos americana Wikimedia Foundation, Inc. em cumprir a obrigação de remover informações ilegais, o Roskomnadzor decidiu aplicar uma medida coercitiva na forma de informar os motores de busca de usuários da Internet sobre uma violação da lei russa por um agente estrangeiro.”
A medida ficará em vigor até que a fundação “elimine completamente as violações” relacionadas às “falsificações sobre o curso de uma operação militar especial no território da Ucrânia”, acrescenta o regulador de mídia.
Com o bloqueio em massa de sites nacionais e internacionais, a Wikipédia na Rússia é um dos poucos meios de informação disponíveis para os russos.
Seu bloqueio, segundo a organização, afetaria mais de 145 milhões de usuários no país.
“A Wikimedia Foundation continua comprometida em defender o direito de todos de acessar e compartilhar livremente o conhecimento.
Não cumprimos nenhuma ordem do governo russo até o momento e continuaremos a cumprir nossa missão de fornecer conhecimento gratuito ao mundo.”
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Google também é multado na Rússia
No início da semana, o Google foi multado por um tribunal russo por também ignorar um pedido do Roskomnadzor de exclusão de conteúdo sobre a guerra.
O órgão regulador puniu a gigante de tecnologia depois que o YouTube não restringiu o acesso a vídeos sobre “falsificações sobre o curso de uma operação militar especial na Ucrânia, desacreditando as Forças Armadas da Federação Russa”, incluindo materiais com a promoção de “extremismo e o terrorismo” contra os russos.
“Por repetidas falhas na remoção de materiais proibidos, o tribunal impôs uma multa ao Google no valor de 21,1 bilhões de rublos (cerca de R$ 2 bilhões), calculado com base no faturamento anual da empresa na Rússia.”
⚡️Russia fines Google $382 million for not removing content banned in Russia.
A Moscow court imposed a fine of 21.77 billion rubles ($382 million) on Google for repeated failure to remove “information prohibited in Russia” from YouTube.
— The Kyiv Independent (@KyivIndependent) July 18, 2022
O YouTube tem sido uma verdadeira pedra no sapato do Kremlin desde o início da guerra.
Diferente de outras redes sociais estrangeiras, como o Twitter e Instagram, ele não foi banido, mas é constantemente perseguido pelas autoridades pela disseminação de narrativas contrárias às do governo russo sobre a invasão à Ucrânia.
Reportagem investigativa do site independente russo Proekt aponta que a manipulação de dados e pesquisas públicas pode ter mantido a plataforma de vídeos no ar.
Isso porque um estudo não divulgado aos cidadãos russos descobriu que a população é favorável ao YouTube e o Proket sugere que o risco de causar insatisfação entre os usuários e perder apoio para o governo influenciou na decisão de não bloqueá-lo no território.
Mesmo assim, a plataforma do Google é acusada de “violações sistemáticas da lei russa”, segundo o Roskomnadzor.
Por isso, assim como a Wikipédia, a empresa também é rotulada em buscas online como uma “empresa estrangeira violadora da legislação” e é proibida de fazer publicidade no país.
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