Londres – Premiado no Sony Awards deste ano, o fotógrafo brasileiro Ricardo Teles volta a se destacar em um concurso internacional, desta vez retratando a relação dos povos indígenas do Xingu com a água. 

Teles é um dos finalistas do Global Peace Photo Awards com a série Águas do Xingu, que ele descreve como “uma forma de mostrar que as coisas mais simples são as que realmente importam”. 

O concurso tem a Unesco como uma das organizadoras,  e recebeu este ano inscrições de 115 países. Os finalistas concorrem ao prêmio Foto da Paz do ano em duas categorias, para adultos e crianças.

Fotógrafo brasileiro premiado no Sony Photo Awards 

Gaúcho vivendo em São Paulo, Ricardo Teles é fotógrafo profissional e já recebeu vários prêmios internacionais.

O mais recente deles foi o Sony Photo Awards na categoria Esportes, com uma reportagem fotográfica sobre as competições que fazem parte do ritual Quarup, uma homenagem aos mortos formada por diversas cerimônias. 

Teles esteve pela primeira vez no Xingu em 2016 para retratar um grupo de médicos que realizavam atendimento para a  população local e conheceu as lideranças indígenas.

Uma delas, o cacique Kotok, da comunidade Kamayura do Alto Xingu, o convidou para a celebração do Quarup,  que naquele ano homenageava o pai dele, Tukumán Kamayurá, um símbolo do Xingu. Desde então ele manteve contato com os amigos que deixou por lá, principalmente os jovens, ativos nas redes sociais. 

Prêmio concurso fotografia internacional Brasil Xingu Unesco Paz
Foto: Ricardo Teles / Comunidade Yawalapiti

O Parque Nacional do Xingu é reconhecido como um modelo de preservação ambiental e da cultura dos povos indígenas. Foi criado em 1961 durante o governo Jânio Quadros e  contou com a dedicação de grandes nomes como os irmãos Villas Boas, Darcy Ribeiro, além de gerações de lideranças indígenas dos povos que habitam aquele território.

Uma situação oposta à da Amazônia, onde o meio ambiente é devastado e os índios sofrem ameaças denunciadas por ambientalistas e jornalistas como Bruno Ferreira e Dom Philips, assassinados no Vale do Javari em junho

” O Vale do Javari, apesar de sua enorme importância natural e cultural, é um território desprotegido, onde a ausência e a indiferença do estado brasileiro fazem com que todo tipo de oportunista entenda que o crime compensa”, afirma Ricardo Teles. 

Para ele, o brutal assassinato de Dom e Bruno representa uma síntese da política do atual governo em relação à questão indígena e à imprensa, tratados como inimigos por se colocarem em defesa da floresta e dos povos originários.

“Eles nos deixam um legado importante assim como tantos outros que caíram nessa guerra insana em defesa da Amazônia como Chico Mendes e Dorothy Stang. A dedicação deles por manter a floresta em pé vai além do compromisso profissional e diz respeito a compreensão que de fato está em jogo é a luta entre a ganância e a vida”. 

A situação é oposta no Xingu, como relata o fotógrafo. 

“A primeira impressão no Xingu é marcante. Um idioma estranho, pessoas nuas exibindo com a maior naturalidade suas pinturas corporais exuberantes. Impressiona a maneira como mantiveram sua cultura e modo de vida tão preservados, principalmente para quem conhece a história e os destinos dos povos indígenas no Brasil.”

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Foto: Ricardo Teles / Comunidade Afukury Kuikuro do Alto Xingu.

“A partir da convivência a gente começa a perceber que as relações humanas são mais harmônicas. As crianças nunca são repreendidas, mas orientadas. E  têm uma infância muito feliz. O mundo real, o natural e o mágico se misturam, estabelecendo um equilíbrio entre homem e natureza.”

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Foto: Ricardo Teles / Comunidade Yawalapiti 

“À medida que a luz amanhece no Xingu, há uma névoa sob a água de seus lagos e rios que dilui o movimento de figuras em um vai e vir ao longo das praias que durarão o dia todo, até o pôr do sol.”

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Foto: Ricardo Teles / Comunidade Afukury Kuikuro do Alto Xingu

“Chamo essa série sobre a relação da população do Xingu com suas águas de Ÿ, a forma ortográfica da palavra água em tupi-guarani, o idioma de parte das comunidades do Xingu. A fonética se assemelha à da palavra eau em francês, que significa água também.”

Teles conta que a relação das pessoas do lugar com as águas impressiona os forasteiros. 

“Grupos de mulheres carregam as crianças menores para várias sessões de banhos, iniciando-os desde pequenos nas “artes de serem peixes”.

É o jardim de infância das crianças, que brincam ao longo do dia dentro d’água.”  

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Foto: Ricardo Teles / Comunidade Afukury Kuikuro do Alto Xingu.

Treinos de futebol acontecem na praia. Jovens e velhos banham-se ao longo do dia e é sempre um momento propício para encontros e a troca de ideias.  Ao cair da tarde, barcos de pescadores saem em busca do alimento.

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Foto: Ricardo Teles / Comunidade Afukury Kuikuro do Alto Xingu.
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Foto: Ricardo Teles / Comunidade Yawalapiti

“Os povos do Xingu poderiam ser a prova de que as coisas mais simples são as que realmente importam. A vida em comunidade, o respeito mutuo e a relação saudável com o mundo que se traduz numa espiritualidade ligada aos fenômenos reais e invisíveis da natureza.”

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Foto: Ricardo Teles / Comunidade Afukury Kuikuro do Alto Xingu

“Caetano Veloso trazia na canção “Um Índio” uma reflexão que não poderia ser mais atual nos dias de hoje: Quando já não houver mais o espírito dos pássaros e as fontes de águas limpas, um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante para revelar aos povos, não o exótico, mas o fato de ter estado sempre oculto o que teria sido o óbvio…”

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Foto: Ricardo Teles / Ccomunidade Yawalapiti 

Trabalhos que concorrem com o brasileiro no Foto da Paz do Ano

O brasileiro Ricardo Teles disputa o concurso com outros fotógrafos premiados de vários países, retratando realidades diferentes. Conheça alguns dos trabalhos finalistas e as histórias que os inspiraram. 

Um deles também apresenta uma visão de povos indígenas, só que dos EUA. 

A guerra que a América esqueceu, por Molly Peters

“O projeto documenta os Apaches que vivem na reserva de San Carlos, no Ariz0na, com foco em uma família, mostrando sua história e lutas particulares, que são resultados diretos da violenta fundação do país.

Foto: Molly Peters

Hoje, eles trabalham para curar traumas herdados, proteger o meio ambiente e salvaguardar sua religião e cultura para as gerações futuras.”

“Oak Flat, na Floresta Nacional de Tonto, está sob ameaça iminente de uma mineradora estrangeira. A mina planejada destruiria este local insubstituível, deixando um desastre ambiental para trás.

O Apache Stronghold está processando o governo para impedir essa transferência de terras, estabelecendo precedentes em questões de liberdade religiosa, lei ambiental e manejo de terras públicas federais.”

Foto: Molly Peters

“O modo de vida tradicional Apache enfatiza a família e a espiritualidade através de uma comunidade unida, intrinsecamente ligada às suas antigas cerimônias.

Ainda assim, os Apaches são prisioneiros da primeira guerra da América, travada contra seu povo nativo. Com até 90% da população indígena exterminada pela guerra e doenças, os sobreviventes foram deslocados ou presos, assimilados à força e deixados com promessas não cumpridas.”

Foto: Molly Peters

Tentativa de normalidade, por Dmitrij Leltschuk

“A pandemia da covid-9  não é apenas um fenômeno biológico ou médico, mas também social. Algumas pessoas ficaram mentalmente doentes durante o bloqueio e desenvolveram depressão e ansiedade. As crianças são particularmente vulneráveis.”

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“Sendo da Bielorrússia, nossa família tem muitos laços familiares e sociais com este país. No entanto, um amigo da família da Bielorrússia agora mora na Espanha e, por isso pudemos possibilitar que nossos filhos voltassem a ver seus amigos em um lugar neutro.

Para os filhos das duas famílias, o reencontro foi um valioso alívio social e psicológico, porque as crianças espanholas também foram severamente afetadas pela pandemia.”

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Foto: Dmitrij Leltschuk

 



Como podemos abandonar o amor?, Mursal Mohammadi, India

“Este é um ensaio fotográfico e retrato de mulheres afegãs e a deserção de seus direitos básicos.  A constituição de 1964 deu oficialmente às mulheres o direito de votar e garantiu-lhes “dignidade, educação obrigatória e liberdade de trabalho”.”

Foto: Mursal Mohammadi, India

No entanto, a partir da década de 1990, esses direitos foram revogados por vários governos e detentores de poder, incluindo o Talibã. Com a queda do regime Talibã após 11 de setembro de 2001, os direitos das mulheres melhoraram gradualmente sob a República Islâmica do Afeganistão

Foto: Mursal Mohammadi, India

“A constituição de 2004 tornou as mulheres e os homens iguais em termos legais. No entanto, alguns grupos, particularmente nas áreas rurais, queriam reverter as relações de gênero anteriores a 1964.

Desde que o Talibã retomou o poder em 2021, as preocupações com o futuro das mulheres no Afeganistão ressurgiram.”

Foto: Mursal Mohammadi, India

Sorriso de mãe, por Luisa Magdalena, Argentina

“Agustina e Mia, mãe e filha, vivem em Buenos Aires. Agustina engravidou aos 15 anos. Em junho de 2007, um mês depois de completar dezesseis anos, Mia nasceu.

Após 3 anos de exames e diagnósticos, os médicos descobriram que Mia havia nascido com Leucomalácia Periventricular, um tipo de lesão cerebral. Naquele ano, o pai de Mia foi embora. Apesar de Agustina ter uma família que a apoia e ajuda, foram as duas enfrentando uma dura realidade.”

Foto: Luisa Magdalena

“No dia 18 de junho de 2022, Mia completou 15 anos, a mesma idade que Agustina tinha quando engravidou. Mia já ultrapassou sua expectativa de vida, mas ninguém sabe por quanto tempo.

Ao longo deste trabalho buscamos refletir sobre o que é ser mãe solteira de uma pessoa com a patologia de Mia.

Foto: Luisa Magdalena
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Vídeo sobre projeto em comunidade indígena da Amazônia é finalista no Earth Photo 2022; assista