Uma coalizão de organizações de jornalismo, que inclui a Repórteres sem Fronteiras (RSF) e o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), se uniu esta semana para denunciar que as autoridades de Malta ainda não adotaram medidas para proteger os profissionais de mídia do país.

O alerta é feito cinco anos após a morte da jornalista Daphne Garuana Galizia, assassinada em um atentado a bomba em 2017, um crime que colocou o jornalismo da Europa em estado de alerta, já que ataques dessa natureza não eram comuns na região.

Um ano após a divulgação desse relatório, que também deu orientações para as autoridades maltesas criarem um ambiente favorável para o trabalho da imprensa, praticamente nada foi feito, segundo as entidades, e muitos profissionais continuam alvo de ameaças. 

Jornalista foi morta a mando de empresário

Escritora, repórter investigativa e blogueira, Daphne Caruana Galizia era a principal jornalista de Malta. Ela foi morta vítima de uma bomba colocada em seu carro, acionada por meio de um celular, no dia 16 de outubro de 2017.

No ano passado, um inquérito independente concluiu que o governo de Malta deveria “assumir a responsabilidade” pelo crime.

Em agosto do ano passado, o empresário do setor de cassinos Yorgen Fenech, envolvido em denúncias de lavagem de dinheiro e corrupção, foi indiciado como o mandante do assassinato da jornalista.

Preso desde 2019, ele segue detido aguardando julgamento e já teve diversos pedidos de fiança rejeitados pela justiça.

Pouco antes do indiciamento de Fenech, um inquérito independente sobre a morte de Caruana Galizia foi divulgado à imprensa. O documento considerou que o crime era “previsível e evitável” e responsabilizou o governo do país pelo atentado contra a jornalista:

“[O] Estado deve assumir a responsabilidade pelo assassinato por criar um clima de impunidade, gerado desde os mais altos níveis no núcleo da administração e estendendo-se para outras entidades, como agências reguladoras e a polícia.”

O relatório fez uma série de recomendações para que o governo de Malta fosse capaz de evitar assassinatos de jornalistas como o de Caruana Galizia.

No entanto, um ano depois da elaboração do documento, uma análise feita pela Fundação Daphne Caruana Galizia em parceria com a ONG Artigo 19 Europa revelou que, com algumas exceções, o governo não implementou as recomendações e rejeitou propostas para a criação de uma legislação anticorrupção.

O trabalho de Caruana Galizia sempre se concentrou em temas como corrupção, nepotismo, clientelismo e lavagem de dinheiro praticados pela elite política do país. P

or isso, o relatório forneceu diretrizes para as autoridades maltesas implementarem mecanismos que permitissem que a imprensa investigasse esses assuntos com segurança.

Com base na análise da fundação e da ONG europeia, uma coalizão de nove organizações defensoras da liberdade de imprensa pressiona o governo de Malta a adotar as recomendações propostas no inquérito.

Além da RSF e CPJ, o grupo é formado pela Artigo 19 Europa, Associação de Jornalistas Europeus, Centro Europeu de Liberdade de Imprensa e Mídia (ECPMF), Federação Europeia de Jornalistas (EFJ), Intercâmbio Internacional de Liberdade de Expressão (IFEX), Instituto Internacional de Imprensa (IPI) e PEN Internacional.

Segundo a coligação, as orientações fornecidas no inquérito do ano passado foram uma “oportunidade histórica para as autoridades maltesas implementarem obrigações internacionais de direitos humanos para proteger os jornalistas.”

Porém, as mudanças feitas até o momento foram “gestos simbólicos”, e não “reformas efetivas que são urgentemente necessárias”:

“Em particular, o governo não implementou a recomendação de introduzir leis de combate ao crime financeiro e à corrupção.

Prevalecem sérias preocupações de que a polícia e o gabinete do procurador-geral ainda falham em iniciar investigações e realizar processos eficazes contra a corrupção, que levou ao assassinato de Daphne Caruana Galizia, bem como contra os escândalos relacionados que surgiram após sua morte.”

O grupo sinaliza que a “falta de vontade política” em investigar a corrupção revelada por jornalistas em Malta traz críticas internacionais sérias.

Em abril, por exemplo, a Procuradora Pública Europeia (EPPO), Laura Kövesi, que representa a agência fiscalizadora de crimes financeiros do bloco europeu, afirmou: “Malta está falando da boca para fora sobre seus esforços para reprimir a fraude e a corrupção na UE”.

A coalizão também aponta que, mesmo nos casos em que as investigações foram iniciadas, a lentidão nos processos e demais etapas judiciais “contribuem para um contexto de impunidade da corrupção” no país.

“O atraso na implementação das recomendações é prejudicial para os jornalistas que continuam a denunciar a corrupção que matou Daphne Caruana Galizia”, diz o grupo.

As organizações destacam que iniciativas foram tomadas para que a polícia maltesa tenha maior proximidade com os jornalistas, mas “ainda há muito trabalho para fazer tanto em termos de formação da polícia sobre as normas internacionais relacionadas à liberdade de expressão como para garantir a confiança dos jornalistas.”

Malta cria comitê da mídia

A repercussão do caso da jornalista morta em Malta atraiu uma atenção negativa para a imprensa do país, fazendo com que uma campanha de desinformação fosse desencadeada contra profissionais da mídia, advogados e personalidades públicas relacionadas à investigação do atentado.

Na ocasião, e-mails falsos foram disparados e até sites fraudulentos foram criados para manipular a opinião pública.

Para minar situações desse tipo e aproximar ainda mais as autoridades dos jornalistas, o governo anunciou a criação do “Comitê de Especialistas em Mídia” em janeiro deste ano.

O objetivo do comitê é que membros da imprensa forneçam feedbacks e observações ao primeiro-ministro Robert Abela sobre as propostas de reformas das leis relativas à mídia do país.

O governo de Malta apresentou dois projetos sobre o tema para o comitê avaliar.

Um para “alterar a Constituição e várias outras leis para fortalecer o direito à liberdade de expressão e o direito à privacidade e implementar várias medidas para a proteção de os meios de comunicação e dos jornalistas”.

E outro que “prevê o estabelecimento de estruturas para a proteção da sociedade democrática, incluindo a proteção de jornalistas, pessoas com um papel na mídia e em organizações não governamentais e pessoas na vida pública”.

Mas a coalizão de organizações de jornalismo aponta falta de transparência no comitê maltês, o que coloca em risco sua legitimidade:

“O comitê não se reuniu com a sociedade civil, mídia ou jornalistas nem com a família de Daphne Caruana Galizia. Recusou-se igualmente a participar de conferências relacionadas à liberdade dos meios de comunicação social em Malta.

Embora se entenda que o primeiro-ministro recebeu o parecer do Comitê sobre seu projeto de lei e que o Comitê continua seu trabalho, o processo que optou por seguir carece de transparência.”