A morte de mais um jornalista no México foi descoberta dias antes de um novo relatório da organização britânica Artigo 19 constatar que 2022 já é o ano mais violento para a imprensa do país.
O corpo de Juan Arjón López, fundador e editor da página de notícias no Facebook “A Qué Le Temes”, foi encontrado na terça-feira (16), na cidade San Luis Río Colorado. Ele estava desaparecido desde 9 de agosto.
Segundo a Artigo 19, ao menos 18 jornalistas mexicanos já foram assassinados neste ano. Desses, nove tiveram as mortes ligadas ao exercício da profissão.
Jornalista cobria crimes locais no México
No relatório “A impunidade e negação à violência extrema contra a imprensa presiste”, a ONG alerta que a persistente violência enfatiza a negligência das autoridades em proteger os profissionais de mídia.
Somente no primeiro semestre deste ano, 12 jornalistas foram mortos — uma média de dois crimes por mês.
A maioria das vítimas era repórteres de veículos locais, que investigavam irregularidades de políticos ou grupos criminosos do narcotráfico.
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Juan Arjón López, de 62 anos, também era um jornalista regional. Na página que mantinha no Facebook, ele cobria crimes, política local e meio ambiente.
As publicações mais recentes foram feitas em 2 de agosto, quando ele noticiou duas prisões de suspeitos de roubos e furtos.
Humberto Melgoza, editor do site Contraseña e amigo de Arjón, disse ao Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ) que o jornalista tinha uma vida pessoal conturbada e morava atualmente em um centro de reabilitação para dependentes químicos.
“Mas ele era um cara legal”, disse Melgoza ao CPJ. “Ele era muito animado, muito sociável.”
Antes da página na rede social, ele foi repórter da OmniCable, uma estação de rádio extinta.
Melgoza disse ao CPJ que a cidade San Luis Río Colorado, no estado de Sonora, viu recentemente um aumento na violência, que ele atribuiu a gangues criminosas.
“Há muita presença de traficantes aqui, muitos tiroteios”, disse.
Segundo o jornal local La Tribuna de San Luis , o município teve a quinta maior taxa de homicídios em Sonora no ano passado.
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Na quarta-feira (17), as autoridades informaram à mídia local que um homem foi preso por suspeita de envolvimento no crime contra Arjón, mas não deu detalhes sobre as motivações do assassinato.
Em comunicado, a procuradoria do estado disse que ainda não descartou qualquer linha de investigação.
“O trágico e brutal assassinato de Juan Arjón López é apenas o mais recente em um ano que já é um dos mais mortíferos da história recente para a imprensa mexicana”, disse Jan-Albert Hootsen, representante do CPJ no México.
“Embora algumas prisões tenham sido feitas em casos anteriores de assassinatos na imprensa este ano, um clima contínuo de impunidade continua a alimentar esses ataques.
As autoridades mexicanas devem conduzir uma investigação rápida e completa sobre o assassinato de Arjón e levar os responsáveis à justiça”.
Mais de 300 ataques contra jornalistas no México
A morte do jornalista Juan Arjón López é a última registrada em uma escalada de violência sem precedentes contra a imprensa no México.
No primeiro semestre deste ano, a Artigo 19 registrou 331 ataques contra jornalistas e veículos de comunicação — um aumento de 51,83% nos ataques à imprensa na comparação com o primeiro semestre de 2016, quando foram registrados 218 ataques.
Nos últimos seis meses, mortes, a ONG também contabilizou quatro casos de deslocamento interno forçado (DIF) e dois de exílio até o momento.
A organização documentou a persistência da perseguição contra os profissionais da mídia, destacando o papel de atores políticos nesse movimento.
“Independentemente do nível de governo, ou do partido, as autoridades se isentam de sua responsabilidade e até justificam a violência contra a imprensa classificando-a como conservadora, vendida ou adversária.”
Em relação à violência digital, dos 331 ataques identificados 105 aconteceram online — 31,72% do total.
A Cidade do México é o local com o maior número de casos de violência contra a mídia registrados, com 49 ataques. Yucatán e Michoacán, com 30 ataques cada, aparecem na sequência. As duas cidades tiveram um aumento de até 9 vezes nos registros em relação ao mesmo período de 2021.
Segundo a Artigo 19, as principais agressões contra jornalistas no primeiro semestre foram intimidação e assédio (101 casos), ameaças (66 casos), agressões físicas e uso ilegítimo do poder público (45 casos).
Em relação às vítimas de violência, 219 ataques tiveram como alvos jornalistas homens (66,16)%. Jornalistas mulheres foram agredidas em 88 ocasiões, o equivalente a 26,59%.
“O fato de a cada 14 horas a imprensa ser atacada no primeiro semestre de 2022 mostra que a violência contra jornalistas e meios de comunicação não parou.
Ao contrário, o aumento da violência letal fala de um agravamento das condições de vulnerabilidade em que a imprensa realiza seu trabalho.”
A ONG apelou às autoridades ações urgentes de prevenção, proteção e repressão dos ataques contra a imprensa.
“É urgente que o Estado mexicano cumpra suas obrigações e tome ações contundentes por meio de políticas públicas abrangentes de liberdade de expressão, combate à impunidade e acesso à informação em benefício da prática jornalística e, portanto, da sociedade e da democracia.”
Leia o relatório na íntegra (em espanhol) neste link.
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