Senadores americanos aproveitaram a reunião do presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, com Joe Biden nesta semana para elevar a pressão contra a morte de jornalistas no país latino.

Em seis meses, 12 profissionais de mídia foram assassinados no México, número que supera até mesmo o de jornalistas mortos durante a guerra na Ucrânia. No último ataque registrado, a repórter Susana Carreño sobreviveu após ser esfaqueada por homens desconhecidos no início do mês.

A violência letal contra a imprensa no México repercute na comunidade hispânica dos EUA e instou os políticos do Congresso a cobrarem de López Obrador mais segurança para os profissionais mexicanos.

Parlamentares dos EUA defendem proteção a jornalistas

A visita do presidente do México foi precedida por fortes declarações contra a ação dos EUA no caso do fundador do WikiLeaks, Julian Assange.

Na semana passada, López Obrador sugeriu demolir a Estátua da Liberdade caso o jornalista australiano seja preso e morra em uma prisão americana.

A reunião com Joe Biden, no entanto, teve um tom mais amistoso do que as falas do mexicano enquanto estava em seu país.

“Foi um prazer sentar-me com o presidente López Obrador e discutir a ampla e profunda parceria entre nossas nações”, publicou o americano nas redes sociais após o encontro.

Enquanto assuntos diplomáticos foram tratados de forma cordial, um grupo de 10 senadores aproveitou a ocasião para divulgar uma resolução pedindo a proteção dos jornalistas mexicanos.

Assinado por Bob Menendez, presidente do Comitê de Relações Exteriores da Câmara, e Tim Kaine, presidente do Subcomitê do Hemisfério Ocidental, e outros oito senadores democratas, o documento cobra do governo do México “investigações completas e imparciais” sobre a violência contra jornalistas.

“Nos últimos anos, o México tem sido o país mais perigoso do mundo fora de uma zona de guerra para os jornalistas”, disse Menéndez, em comunicado.

“Com 12 jornalistas mexicanos já assassinados nos primeiros seis meses de 2022, é necessária uma ação urgente para deter a hostilidade em relação à imprensa livre.”

Os parlamentares condenaram os “níveis consistentemente altos de violência” contra os profissionais de imprensa mexicano e ressaltaram que o governo deve ajudar entidades locais e estatais na proteção dos mesmos.

“[Além de] prestar contas e colaborar com as autoridades civis da sociedade e organizações multilaterais para monitorar o estado da imprensa livre e independente.”

“A liberdade de imprensa deve continuar sendo a pedra angular de todas as nações democráticas, incluindo o México”, afirmou o senador Kaine. “Em sua essência, esta resolução ressalta a necessidade urgente de proteger os jornalistas que arriscam suas vidas para relatar a verdade.”

Os governos estaduais e federal do México são criticados pela imprensa e organizações internacionais de não impedirem os assassinatos de profissionais da mídia nem realizarem investigações adequadas que apontem os responsáveis pelos crimes.

No mais recente Ranking Global de Liberdade de Imprensa da organização Repórteres sem Fronteiras (RSF), o país apareceu na 127ª posição entre 180 países analisados, e a escalada crescente de violência faz do México o país mais mortífero para jornalistas.

O presidente Lopéz Obrador adota um discurso agressivo contra a imprensa em suas manifestações públicas, sobretudo quando há alguma crítica ao seu governo ou membros de sua família. Entre os insultos frequentes estão a acusação de que a mídia defende grupos com interesses e que jornalistas são mercenários.

Quando falou de Assange na semana passada, por exemplo, o líder mexicano foi confrontado com os dados sobre as mortes de jornalistas do país.

O presidente ficou na defensiva: “É uma campanha de difamação contra o governo do México”, afirmou.

No México, jornalistas reagem a cada morte com medo de serem os próximos

Com a violência fora de controle no México, os profissionais de imprensa têm medo.

Em artigo para o Nieman Lab, a jornalista premiada Marcela Turati, que monitora de perto os ataques aos colegas no país, relatou como é viver sob a sombra de ser a próxima vítima.

“Não importa se os jornalistas conheciam a vítima ou não. Cada assassinato revive sentimentos de medo, terror, desespero, raiva e tristeza que se acumulam ao longo do tempo”, escreve.

Segundo Marcela, nos últimos 20 anos os jornalistas mexicanos se deram contra de que podem morrer “simplesmente por fazer seu trabalho”, ao investigar temas que cruzem interesses de terceiros.

“As autoridades não investigam seriamente esses crimes – 95% dos casos desde 2011 permanecem sem solução. Os jornalistas ficaram mais preocupados com sua segurança e seu futuro, lutando com o trauma de perder colegas.”

Citando dados da ONG Artigo 19, a jornalista diz que 150 jornalistas foram mortos no México desde o ano 2000 — e muitos deles estavam em programas de proteção do governo. Vinte e nove também desapareceram nas últimas duas décadas.

Ela contextualiza que a violência contra os profissionais da mídia aumentou em 2006, quando o presidente da época instaurou a política de “guerra às drogas”. 

“Desde então, jornalistas mexicanos se tornaram correspondentes de guerra em nosso próprio país”, disse. E acrescenta que grande parte das vítimas eram repórteres locais, de regiões afastadas da capital mexicana e cobriam a polícia, crime organizado e corrupção na política.

Em ataque mais recente, jornalista é esfaqueada no México

O ataque mais recente registrado no país por grupos que monitoram o jornalismo mundial foi contra a repórter mexicana Susana Carreño, da rádio UDG, emissora afiliada à Universidade de Guadalajara.

No dia 1º de julho, o carro que ela dirigia acompanhada de um colega da rádio foi atingido por outro veículo.

Dois homens se aproximaram do local do acidente de moto, ameaçaram a jornalista com uma arma, a obrigaram a descer do carro e se deitar na rua. Nesse momento, ela foi esfaqueada diversas vezes, ficando com graves ferimentos no peito e pescoço.

Susana sobreviveu ao ataque e segue em recuperação. O governador de Jalisco, Enrique Alfaro, descreveu a ação como um assalto e, até o momento, não foi possível determinar se foi um crime isolado ou a ação tinha como alvo a jornalista.

Para o diretor da UDG, Gabriel Torres, no entanto, o ato foi deliberado. Susana recentemente fez reportagens sobre suposta corrupção e obras ilegais na área do crime, disse Torres ao Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ).

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