Londres – Uma projeto de fotografia documental retratando o drama do feminicídio no México a partir de experiência pessoal ocorrida em sua família valeu à fotógrafa Greta Rico o primeiro lugar no Women Photograph Project 2022.
A organização sem fins lucrativos fornece subsídio financeiro para mulheres e fotógrafas não binárias expressarem em imagens suas visões do mundo e dos problemas que as afetam.
Mais de 1.300 projetos disputaram as bolsas este ano, e oito foram selecionados, abordando temas como feminicídio, adoção, luta pela igualdade, feminilidade, pertencimento e relações familiares e de amizade.
Fotografia documental mostra a luta das mulheres
Além de Greta Rico, mais sete fotógrafas receberam subsídios entre US$ 10 mil (R$ 54 mil) e US$ 5 mil (R$ 27 mil) do Women Photograph Project para desenvolverem seus projetos de fotografia documental: Rehab Eldalil, Mahé Elipe, Jaimy Gail, Takako Kido, Barbara Peacock, Ana Elisa Sotelo e Cansu Yildiran.
O feminicídio no México também foi retratado por Mahé Elipe, em sua série sobre a luta das mulheres por justiça social no país.
Conheça as ganhadoras das bolsas de fotografia documental 2022.
Women Photograph + Leica Grant
Greta Rico, México
A fotógrafa Greta Rico escolheu abordar no seu projeto documental um assunto que aconteceu na sua família: o feminicídio e suas consequências.
“Em novembro de 2017 minha prima Fernanda foi vítima de feminicídio. Ela foi encontrada na rua dentro de um saco de lixo.
Este projeto nasce das experiências mais íntimas dentro da minha própria família e conta a história da minha prima Saiomara, que se tornou mãe substituta de sua sobrinha Nicole, de 3 anos, depois que a mãe de Nicole foi assassinada.
Dez mulheres são assassinadas diariamente no México, deixando cerca de 38.138 meninas, meninos e adolescentes órfãos apenas entre janeiro de 2017 (o ano em que minha prima foi assassinada) e abril de 2022.
O projeto mostra como o feminicídio não termina com o assassinato, mas tem impactos psicossociais que causam traumas em crianças órfãs, bem como nas mães, irmãs, avós e tias que se tornam mães substitutas por causa da violência de gênero no México”.
Marcha contra a violência: Siomara decidiu marchar com Nicole em 25 de novembro de 2019 pelas ruas da Cidade do México para denunciar a onda de feminicídios no país, a falta de acesso à justiça e a impunidade em casos documentados.
Tranquilidade: Já se passaram quatro anos desde que Siomara se tornou mãe de Nicole.
“Apesar do tempo ter passado, há dias em que sinto que não consigo, me dói muito ter deixado meus sonhos de lado, mas quando penso nela, percebo que ela precisa de mim, em dias como este, a única coisa que me traz paz de espírito é limpar e arrumar meu quarto”.
Dormindo juntas: Siomara e Nicole dormem juntas desde que são mãe e filha. A casa onde moravam na época tinha apenas um cômodo e Nicole não gosta de dormir sozinha desde que sua mãe foi assassinada. Nicole ainda tem terrores noturnos causados pelo trauma.
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Women Photograph Project
Mahé Elipe, França/México
O projeto de fotografia documental de Elipe fala sobre a luta social das mulheres mexicanas.
“No México, ela é o símbolo da luta social. Ela sobrevive em um país que a ensinou a viver e sobreviver em resiliência”
“Ela pode ser encontrada nas ruas, cantando hinos feministas, respirando gás lacrimogêneo, carregando uma cruz comemorativa de feminicídios no ombro ou um retrato de alguém ainda desaparecido, com as mãos no chão cultivando o futuro ou procurando por um ente querido.
‘ELA’ é a mulher, a mãe, a esposa, a irmã, a filha, a amiga, a vizinha. São muitas e todas unidas pela mesma causa: lutar por seus direitos”.
Feminicídio: Mariana 13 anos, carrega a simbólica cruz rosa dos feminicídios. Uma cruz que ela mesma pintou para poder marchar durante a manifestação de 8 de março.
Desde a infância Mariana acompanha a mãe em suas atividades para a associação da ‘Red Messa’ que acompanha as famílias das vítimas de feminicídios e mulheres vítimas de violência. Marina é a caçula de 6 filhos e quer se tornar advogada para defender os direitos das mulheres. Ciudad Juárez, 03 de março de 2021.
Jaimy Gail, Holanda
O que significa ser mulher é uma das questões do trabalho de fotografia documental de Jaimy Gail.
“Homens elevaram seu próprio sexo como a norma a partir da qual tudo o mais é percebido, resultando em mulheres representando o ‘segundo sexo’.
Ver a mulher como o outro reduzia sua identidade a idiossincrasias distintas: seu corpo, sua psique, sua posição e papel, seus problemas”.
“‘Vrouw zijn’ (Sobre ser uma mulher) explora a forte feminilidade, livrando-se de todos os papeis ou regras impostas. Eu deixo de lado as normas sociais e me concentro nas implicações das diferenças sexuais, transculturalmente.
O que significa ser mulher e o que significa ‘masculino’ e ‘feminino’? Quais são as origens das diferenças sexuais? São biológicas ou são uma construção social? ‘Vrouw zijn’ visa buscar e documentar códigos culturais e transculturais específicos para as mulheres”.
Takako Kido, Japão
O projeto documental ‘Skinship’ retrata a relação entre pais e filhos em imagens que mostram a intimidade familiar.
“‘Skinship’ é uma palavra japonesa que descreve a relação pele a pele, coração a coração, entre mãe e filho ou família. ‘Skinship’ inclui abraçar, amamentar, tomar banho ou dormir juntos, situações que criam intimidade”.
“Através de uma experiência de toque amoroso, a criança aprende a cuidar dos outros. O ‘skinship’ japonês é considerado importante para o fortalecimento do vínculo familiar e também para o desenvolvimento saudável da criança.
Como a ideia de s’kinship’ era perfeitamente natural para mim como mulher japonesa, somente depois que fui presa em Nova York por causa de fotos de família sobre o tema, percebi o quão único e chocante poderia ser em outros contextos culturais”.
“Viver no Japão e na América mostrou-me claramente uma comparação cultural e um paradoxo.
No Japão, dei à luz em 2012 e comecei a fazer autorretratos, de alguma forma, no caos da vida cotidiana. Parecia não haver fronteira entre nosso corpos, uma união simbiótica”.
Barbara Peacock, Estados Unidos
A relação dos americanos com o quarto é o tema do trabalho de fotografia documental de Barbara Peacock.
“‘Quarto americano’ é uma viagem fotográfica poética não filtrada que mostra os americanos em seu local mais íntimo, o quarto. Quando as portas do quarto físico são abertas para mim, há um véu de religião, política e ideologias que é misterioso e mágico”.
“O que resta é a alma nua da vida humana, uma história e pureza de coração. Este não é um olhar sobre nossas diferenças, embora possam ser muitas. É sobre nossas semelhanças, nossos amores, nossos sonhos e todos os fios de semelhança que nos conectam como seres humanos”.
“Meu interesse nesse projeto documental reside na ressonância poética de assuntos comuns. Eu fotografo americanos da classe trabalhadora, muitas vezes despercebidos, e ainda assim o próprio retrato da nossa nação.
Eu sou apaixonada, mas não sentimental sobre a América. A natureza do projeto são retratos abertos e desprotegidos de indivíduos, casais e famílias que revelam a profundidade de seu caráter, verdade e espírito.”
Ana Elisa Sotelo, Peru
“Las Truchas (As trutas) é um grupo de mulheres nadadoras que se formou em Lima, Peru, para lidar com o estresse e traumas decorrentes da pandemia”.
“Como ‘Trucha’, testemunhei em primeira mão o poder transformador da irmandade e a importância de se conectar com a natureza e comecei a documentar nossa experiência em minha série ‘Las Truchas: Cardumen de Mujeres’.
Nos próximos meses, documentarei grupos de mulheres que encontraram resiliência nadando juntas e expandirei meu trabalho para outros corpos d’água na América Latina.
Por meio dessas fotografias, pretendo compartilhar as histórias de mulheres que recorrem aos oceanos e lagos para se conectarem umas com as outras, com a natureza e com a adversidade”.
‘Las Truchas’ e o grupo local ‘Los Pirañas’ descansam na água depois de nadar na lagoa Llanchama.
Nadadores, remadores e pescadores fazem um círculo em torno do “Navio de União” da Marinha Peruana.
Cansu Yildiran, Turquia
Pertencimento foi o tema do projeto documental de Cansu Yildiran.
“Nas profundezas de um vale das Terras Altas de Kusmer, na região do Mar Negro, na Turquia, fica a vila e minha pátria ancestral, Çaykara.
A tradição decreta que as mulheres desta aldeia não podem ser donas das casas ou da terra em que vivem – esse direito pertence exclusivamente aos homens’.
“Fotografei essa paisagem e as mulheres que moram ali, uma investigação pessoal sobre identidade, pertencimento e o que significa quando nenhum deles é certo”.
“Passei a maior parte dos verões da minha infância em Çaykara, embora apenas quando adulto entendi por que minha mãe e todas as mulheres da aldeia nunca conseguiram ter um verdadeiro sentimento de propriedade por esta terra.
A luta entre a conquista da identidade e a tensão entre essas duas forças opostas sempre foi um ponto de discórdia para mim”.
Rehab Eldalil, Egito
“O projeto de fotografia documental ‘Nesting Birds’ (Aves aninhadas) seguirá mulheres solteiras que conseguiram adotar crianças no Egito. Com o aumento das taxas de divórcio e violência doméstica, mais mulheres egípcias optaram por não se casar.
No entanto, elas expressam um profundo desejo de ter filhos. Desafiando as normas sociais que navegam em uma estrutura legal complexa, mais e mais mulheres solteiras conseguiram adotar crianças órfãs nos últimos anos.
Usando abordagens multimídia e colaborativas, ‘Nesting Birds’ vai documentar a noção de maternidade através das vozes das famílias adotivas para criar uma história de várias camadas como parte de uma série de longo prazo sobre maternidade e linhagem materna”.
(As fotos abaixo são de um trabalho documental anterior da fotógrafa. Ela ainda não começou a trabalhar no ‘Nesting Birds’).
Guardiões da terra: Seliman mantém a planta Khodary no jardim de sua família em Gharba Valley, St. Catherine, Sinai do Sul, Egito.
Ele administra um ecolodge com seus primos no vale de Gharba, mas à medida que a pandemia se espalha por todo o Egito, cada vez menos hóspedes vêm se hospedar no ecolodge e agora a família redireciona seu foco para as hortas familiares.
“Não temos Corona aqui, mas somos afetados por ela. Veja, essas plantas são nossas máscaras faciais.” diz Selim. Outubro 2020.
Roupas e joias menos tradicionais são feitas à medida que a economia local declina, levando as mulheres a usarem roupas genéricas importadas por vendedores de outras cidades do Egito.
No entanto, as tradições evoluem e permanecem vivas: as mulheres, especificamente as noivas, usam roupas que seus futuros maridos lhes deram, uma espécie de flerte sutil enquanto elas caminham todos os dias pelas montanhas. Como contado por Hajja Rabia’a. Foto: bordado feito por Nora Om Aly da aldeia AlTarfa.
Zeinab (27) caminha de volta à aldeia AlTarfa com Salema (42), Aysha (41) e Amal (45) após um dia de caminhada pelas montanhas para alimentar o rebanho da aldeia e coletar medicamentos e ervas para a comunidade.
As ervas medicinais tornaram-se mais importantes este ano para aumentar o sistema imunológico contra o Covid devido à falta de remédios e assistência médica para a comunidade beduína. AlTarfa, Santa Catarina, Sinai do Sul, Egito. Abril de 2021.
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