Grande defensor da liberdade de imprensa e de expressão, o The Washington Post entrou na linha de tiro ao ser processado por um sindicato de jornalistas pela suspensão de um repórter especializado em assuntos de mídia que havia comentado em sua conta no Twitter sobre uma medida interna do jornal.

O motivo da suspensão foi uma crítica à decisão do jornal de não assinar matérias de repórteres sobre a guerra na Ucrânia. O repórter Paul Farhi foi suspenso por cinco dias sem salário, em março, apelou mas o caso ficou parado desde então. 

Na sexta-feira (19), o Washington-Baltimore News Guild, sindicato com mais de 2,5 mil jornalistas afiliados, entrou na justiça contra a punição do jornal a Farhi e contra a recusa em considerar um pedido de revisão da penalidade. 

Jornalista não comentou sobre processo

O caso coloca novamente em questão os limites do uso de redes sociais por funcionários de empresas – em em particular de jornalistas –  um tema que já gerou brigas, demissões, processos e regulamentos destinados a enquadrar o discurso dos que de alguma forma representam publicamente as organizações para as quais trabalham, mesmo em suas contas pessoais. 

Esse é um fantasma para o Washington Post, que em junho enfrentou outra tormenta parecida ao demitir a repórter Felicia Sommez.

Ela usou o Twitter para um embate púbico a respeito de um tuíte sexista de um colega, e a acabou demitida por levar as críticas à posição do jornal no caso para as redes sociais. 

O Washington Post justificou a decisão de não publicar o nome dos autores das reportagens e os “datelines” (data e local de origem das matérias) de seus jornalistas na Rússia sob o argumento de que o objetivo seria evitar retaliações do governo de Vladimir Putin.

Paul Farhi, jornalista que trabalha desde 1988 para a publicação, criticou a ideia no Twitter:

“Algumas notícias internas: Em resposta às ameaças de Putin contra repórteres, o Washington Post removerá as assinaturas e os datelines das matérias produzidas por nossos jornalistas na Rússia. O objetivo é garantir a segurança dos funcionários. Nunca vi nada assim.”

O repórter de mídia é conhecido por publicar bastidores sobre o jornalismo, inclusive do próprio jornal em que trabalha.

Em 2013, ele noticiou que o bilionário Jeff Bezos compraria o jornal. E tuita com frequência notícias exclusivas que apurou internamente, segundo a revista Washingtonian, que revelou a história. 

De acordo com a Fox News, Farhi apresentou em 15 de março um recurso interno contra a suspensão, argumentando que foi sem justa causa.

O caso deveria então ser intermediado pelo sindicato. Porém, no dia 9 de agosto o Post informou que o acordo sindical havia expirado (no final de junho) e que por isso a queixa “não era arbitrável”. 

Dez dias depois, o Washington-Baltimore News Guild levou o caso à justiça em nome de Paul Farhi, para forçar a arbritragem do recurso. 

A revista Washingtonian obteve uma cópia da carta de suspensão de Farhi, alegando que ele “violou a política de mídia social da empresa” ao publicar sobre os direcionamentos relacionados à guerra da Rússia.

O documento obtido pela Washingtonian diz que o jornalista soube das orientações em um canal Slack da empresa usado pela equipe de reportagem– do qual Farhi também faz parte.

A carta diz que a administração do Post esperava que Farhi, ao retornar da suspensão, “demonstrasse um julgamento profissional impecável e, especificamente, nunca mais agisse de maneira a colocar em risco a segurança de seus colegas ou tornar mais difícil para eles fazerem o trabalho para o The Post”.

Atos semelhantes no futuro, advertiu a carta, poderiam resultar em “aumento da ação disciplinar, até e incluindo a rescisão de seu contrato de trabalho”.

Na ação judicial, o sindicato afirma que a suspensão de Farhi foi feita pelos editores Krissah Thompson e Tracy Grant (que não trabalha mais no Post).

Para o sindicato, a atitude do jornalista se caracteriza como “relatar com precisão notícias internas do Post no curso de seus deveres como repórter de mídia”.

Procurado pela Washingtonian, Farhi não quis comentar o processo nem a sua suspensão de março. O Washington Post também não retornou os pedidos de comentários feitos pelo veículo.

Sindicato e jornal estão sem acordo coletivo desde junho

No processo, o sindicato ainda acusa o jornal de se negar a resolver a suspensão de Farhi com a entidade, conforme previsto no contrato do jornal com  o Washington-Baltimore News Guild.

Em resposta a um advogado do sindicato em agosto, um representante legal do Post disse que, como o acordo coletivo da empresa com a entidade expirou em 30 de junho, o jornal não tinha obrigação de envolvê-lo no caso de Farhi.

O sindicato rebateu essa alegação na justiça, afirmando que a expiração do contrato “não isenta o Post de sua obrigação contratual de arbitrar queixas apresentadas antes do vencimento”.

O jornal e o Washington-Baltimore News Guild estão em negociação para um novo acordo envolvendo os profissionais que trabalham no veículo.

Segundo a revista Washingtonian, representantes dos dois lados já se reuniram três vezes, mas um novo acordo deverá demorar para sair.

Em um comunicado, o Post Guild, sindicato exclusivo para funcionários do jornal, disse que todos os colaboradores da empresa “têm o direito de contestar uma ação disciplinar, apresentando uma queixa e o seu caso perante um árbitro (representante do sindicato ou advogado particular).”

“Esta é uma das proteções essenciais garantidas pelo nosso acordo de sindicato. Estamos profundamente desapontados com a falta de vontade do Post em respeitar esse direito ou se envolver de forma justa com a entidade em questões disciplinares.”

Desde abril o Washington Post vem se posicionando duramente contra o governo de Vladimir Putin pela prisão de um de seus colunistas, Vladimir Kara-Murza, que fez críticas ao presidente russo em entrevistas.