Ao mesmo tempo em que o La Prensa da Nicarágua teve sua sede confiscada pelo governo de Daniel Ortega, outro jornal da América Latina, o Los Tiempos da Bolívia, é objeto de assédio por parte do governo de seu país.

Os diretores da Editorial Canelas dizem estar sofrendo uma uma campanha de asfixia econômica e pressão política contra o jornal por meio de controles fiscais e administrativos “frequentes”, imposição de multas e sanções, exclusão da publicidade estatal e o assédio de um empresário próximo ao governo e ao partido oficial, Movimiento al Socialismo (MAS). 

A Associação Nacional da Imprensa (ANP), que representa os principais meios de comunicação impressos da Bolívia, condenou qualquer forma pressão ou coação sobre o funcionamento das empresas jornalísticas, “por representarem um ataque à liberdade de expressão e de imprensa”.

Jornal é um dos mais influentes da Bolívia 

A denúncia internacional sobre o assédio ao Los Tiempos foi feita pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), entidade com sede em Miami, no dia 10 de agosto. 

Desde então, organizações locais e internacionais têm se manifestado sobre o caso do jornal, que tem sede em um moderno edifício em Cochabamba.

Junto com o El Diario e o La Razón, é um dos mais importantes veículos de imprensa da Bolívia. 

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Foto: Apresentação institucional Los Tiempos

A hashtag #YoSoyLosTiempos foi criada para que leitores demonstrem seu apoio ao jornal. 

A SIP relatou que a campanha governamental de asfixia começou anos atrás, com “manifesta discriminação na concessão de publicidade oficial”. 

A Editora Canelas afirma que entre 2021 e 2022, o jornal obteve apenas dois contratos do governo, um com o Ministério da Presidência, de 40 mil bolivianos (R$ 29 mil ) e outro com a Autoridade Supervisora do Sistema Financeiro (ASFI), de 70 mil (R$ 51 mil). 

“Enquanto isso, outros meios de comunicação ligados ao governo obtiveram contratos que variam de 2 milhões de bolivianos a 7 milhões de bolivianos”, aponta a editora. 

Recentemente, segundo a SIP, o governo estaria desencorajando investidores privados a comprar imóveis que o Los Tiempos colocou à venda a fim de levantar fundos e cumprir obrigações com bancos e equipe. 

Segundo a secretária-executiva do Sindicato dos Trabalhadores da Editorial Canelas, Vivian Omonte, o jornal da Bolívia está devendo seis meses de salários e os funcionários sofrem os efeitos da pressão contra o jornal, razão pela qual decretaram estado de emergência.

“A SIP vem registrando que o modus operandi do atual governo de Luis Arce difere da censura direta que o ex-presidente Evo Morales impôs em seu tempo. Os ataques agora são indiretos e generalizados contra a mídia independente e crítica”, apontou a entidade. 

O presidente da SIP, Jorge Canahuati, afirmou estar preocupado com os métodos indiretos de pressão, “especialmente em um momento de crise econômica como o atual, agravado pela pandemia”.

O líder da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da entidade, Carlos Jornet, disse:

“Vimos processos semelhantes de quase confisco de meios pelos governos de outros países, e em todos os casos verificamos que é uma fórmula perversa para aniquilar a democracia”.

Os diretores da Los Tiempos denunciaram que, “em surpreendente coincidência com as ofertas hostis de compra recebidas pelos acionistas da empresa”, o Sistema Tributário Nacional (SIN) e a Superintendência da Empresa realizaram “auditorias abusivas contra a editora”, atribuindo dívidas multimilionárias inadequadas e atividades de outros meios de comunicação que não estão mais operando.

O objetivo da campanha, garantiram, é obrigar os acionistas da Los Tiempos a se renderem e entregarem a empresa a aliados do governo após quase 79 anos de operação pela família Canelas.

Na última medição do Índice Chapultepec da SIP, a Bolívia ficou em 15º lugar entre 22 nações da região das Américas e faz parte da lista de países com severas restrições ao trabalho jornalístico.

Mobilização pelo jornal da Bolívia 

A rede IFEX-ALC, que reúne 24 organizações em 14 países da América Latina e Caribe dedicadas à defesa da liberdade de expressão e da imprensa livre, uniu-se aos apelos em favor do jornal Los Tiempos da Bolívia.

Em nota, a entidade cobrou que o governo boliviano “pare de usar o poder estatal para pressionar ou punir a mídia, como é o caso do jornal de Cochabamba ‘Los Tiempos’.”

Segundo a entidade, as pressões econômicas que podem levar ao fechamento do jornal ou obrigá-lo a mudar sua linha editorial.

Outras organizações que representam os jornalistas do país, como a Associação Nacional de Jornalistas da Bolívia (ANPB) e a Associação de Jornalistas de Cochabamba (APC), e personalidades políticas expressaram sua solidariedade com Los Tiempos.