A primeira rodada do monitoramento de ataques a jornalistas durante a campanha eleitoral brasileira feito pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras por meio de seu escritório na América Latina revelou a extensão da agressividade contra a mídia nas redes sociais no Brasil. 

Na segunda semana de campanha, foram registrados 2.749.125 de tuítes contendo termos associados a ataques contra a imprensa.

No mesmo período foram identificadas 140 hashtags ofensivas ao jornalismo e à mídia, totalizando 937.870 tuítes com menções a ao menos uma delas. A hashtag com maior repercussão foi #GloboLixo, citada 377.007 vezes.

“Explosão” de ataques a jornalistas na campanha eleitoral

O relatório destaca que a segunda semana da campanha eleitoral foi marcada por uma explosão de insultos contra jornalistas e meios de comunicação nas redes sociais.

“As sabatinas com candidatos à presidência no Jornal Nacional mobilizaram centenas de milhares de ataques contra a TV Globo.

E uma fala agressiva do presidente Jair Bolsonaro contra a jornalista Vera Magalhães, durante o primeiro debate televisionado com os candidatos, desencadeou uma onda de insultos contra a apresentadora.

A Repórteres sem Fronteiras (RSF) alerta para um cenário de crescente hostilidade e deslegitimação da imprensa.

O engajamento geral nas contas dos 120 jornalistas monitorados no levantamento aumentou de cerca de 600 mil tuítes na semana anterior para quase 1,5 milhão nessa segunda semana de campanha eleitoral oficial.

E os ataques também cresceram na sequência. Os jornalistas que mais receberam agressões na semana foram Miriam Leitão, Milton Neves, Vera Magalhães, Andreia Sadi, Renata Vasconcellos, Eliane Cantanhêde, Ricardo Noblat, William Bonner, Reinaldo Azevedo, Bernardo Mello Franco e Marina Dias.

Também foi possível identificar no Twitter as contas que mais utilizaram as hashtags de ataques a jornalistas e veículos de imprensa. As cinco primeiras foram @marinaaddarosa @francorosito1, @cesarmo70820605, @mia41278514 e @romerossouza.

As contas possuem semelhanças no teor de suas publicações, declarando abertamente o apoio ao presidente Jair Bolsonaro por meio de foto de perfil, retweets e frases da bio, segundo os pesquisadores do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), parceiro da RSF no monitoramento.

Os ‘alvos da semana’

Os destaques da semana foram as entrevistas de candidatos à Presidência ao Jornal Nacional da Rede Globo, do dia 22 ao dia 26 de agosto, e o debate com candidatos transmitido pelo Grupo Bandeirantes e organizado em parceria com TV Cultura, UOL e Folha de São Paulo, no dia 28 de agosto. 

Na primeira semana, a hashtag #GloboLixo havia alcançado 5.473 menções. Nesta segunda semana, foram mais 377 mil citações – um aumento de cerca de 70 vezes, constataram os pesquisadores. 

Entre as hashtags mais compartilhadas nesse período, se destacam as que mencionam os apresentadores do Jornal Nacional, William Bonner e Renata Vasconcellos, que conduziram as entrevistas com os presidenciáveis, como #BonnerDitador (481), #BonnerLixo (292), #RenataMentirosa (281), #Bonnermentiroso (217), #BonnerIdiota(179), #RenataVasconcelosMentirosa (165) e #BonnerVaiTomarNoCool (141).

 

ataque jornalista campanha eleitoral Brasil Repórteres Sem Fronteiras

 

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Jornalista Vera Magalhães, principal alvo de ataques

O episódio de maior destaque, entretanto, foi a onda de ataques direcionada à jornalista Vera Magalhães, que teve início após sua participação no debate entre candidatos à presidência na TV Bandeirantes.

O presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro reagiu de forma agressiva a uma de suas perguntas:

“Acho que você dorme pensando em mim. Você não pode tomar partido em um debate como esse, fazendo acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro.”

A fala desencadeou imediatamente uma série de ataques contra a jornalista. A hashtag #VeraVergonhadoJornalismo foi compartilhada 10.273 vezes em poucas horas.

E a expressão “Verba Magalhães”, que faz referência a uma informação falsa sobre o salário da jornalista na TV Cultura, foi citada 10.816 vezes no Twitter. Ao total, as postagens circularam 69.659.701 vezes nos feeds dos usuários da plataforma. 

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“Ao analisar outros termos e referências comuns nos ataques à jornalista, identifica-se um padrão de agressões que articulam ilações e informações falsas sobre sua ética profissional com manifestações misóginas” diz o relatório. 

A sincronização do ataque a Vera Magalhães também fez com que os termos “verba Magalhães” e “VeraVergonhadoJornalismo” alcançassem os Trending Topics no Twitter no dia seguinte à realização do debate.

Para visualizar a ação coordenada de ataque a partir da fala do presidente Bolsonaro, o gráfico elaborado pelos pesquisadores revela os usuários (pontos maiores) que mais obtiveram popularidade (recebendo mais retuítes/RTs) atacando a jornalista com a hashtag e a expressão. 

Os três usuários que mais repercutiram promovendo ataques foram Leandro Ruschel, influenciador Bolsonarista, Paulo Figueiredo Filho, comentarista da Jovem Pan e forte apoiador do Presidente Bolsonaro e Monica Marinho, jornalista e apoiadora do Presidente Bolsonaro nas redes.

 

 

“O caso de Vera Magalhães expõe vários elementos típicos dos ataques online contra jornalistas”, diz o relatório.

“Agressões misóginas, informações falsas, deslegitimação de seu trabalho e de sua ética profissional, coordenação entre perfis e declarações de autoridades públicas.

Quando esse mecanismo se repete e se multiplica à exaustão, em grande quantidade e em intervalos de tempo curtos, temos uma ameaça séria à liberdade de imprensa a partir da intimidação e tentativa de constrangimento da jornalista.

Autoridades públicas e os ataques dentro e fora das redes

Um dos elementos demonstrados pelo ataque coordenado a Vera Magalhães e pelos ataques aos apresentadores do Jornal Nacional é a conexão entre falas públicas de autoridades e a repercussão dessas falas com novos ataques nas redes sociais por perfis associados. 

 

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Para a Repórteres Sem Fronteiras, “essa sistemática de ataques massivos a jornalistas nas redes sociais durante a campanha geralmente segue o caminho aberto por perfis de grande repercussão, muitas vezes de autoridades públicas que utilizam a visibilidade de suas plataformas de comunicação para dar continuidade a ataques feitos pelo Presidente da República em outros espaços”.

Os posts do ministro das Comunicações, Fábio Faria, exemplificam o mecanismo, diz o relatório.  

“Cada uma dessas postagens teve alcance de cerca de um milhão de perfis e foi feita em complementação à postura hostil do Presidente Bolsonaro na entrevista ao Jornal Nacional.

O ex-ministro do Meio Ambiente e atual candidato a deputado federal Ricardo Salles também é um exemplo disso”

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O monitoramento de ataques a jornalistas será feito até 30 de outubro, final do segundo turno da campanha eleitoral. 

No total, 120 jornalistas e comentaristas, além de perfis de autoridades públicas e candidatos às eleições, estão sendo acompanhadas diariamente em parceria com o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), centro de pesquisa de referência especializado em análise de redes sociais e tendências digitais.