Londres – Poucos países mudaram tanto desde a COP26 como o Reino Unido nesta COP27, em que ele não brilhou no palco das mudanças climáticas como em 2021.
O país perdeu sua rainha, tem o terceiro primeiro-ministro em menos de um ano e entrou em recessão. Como tudo por aqui, a COP27 também foi marcada por confusões, a começar pela representação do país.
Uma das excentricidades atribuídas ao rei Charles é a fama de conversar com árvores. O que era visto como esquisitice virou atestado de que o monarca era ambientalista antes de isso virar moda ou obrigação.
Em seu aniversário de 74 anos, que acontece eu no meio da conferência, o Palácio divulgou uma foto do monarca sob uma árvore, alimentando sua imagem de defensor do meio ambiente.
O texto anuncia que o rei estava se tornando um guarda-parque do Windsor Great Park.
The King has officially become Park Ranger of Windsor Great Park, 70 years after his father, The Duke of Edinburgh, was appointed to the post.
The Ranger offers guidance to the Deputy Ranger and his team in the day-to-day stewardship of one of the country’s oldest estates. pic.twitter.com/yNLMwfOLoa
— The Royal Family (@RoyalFamily) November 14, 2022
Seria perfeito um rei ‘verde’ na cúpula para promover o país precisando de um reforço em sua imagem, certo? Errado. Pelo menos para a breve primeira-ministra Liz Truss.
Em seis semanas no cargo, ela cometeu erros econômicos, políticos e ambientais. Um deles foi o de vetar a ida do rei ao Egito, uma prerrogativa do chefe de governo.
O motivo pode ter sido uma de suas medidas polêmicas: a liberação do fracking, terror dos defensores do meio ambiente, que poderia provocar constrangimentos para o rei.
Quando ela caiu, o sucessor fez pior. Embora tenha voltado atrás e mantido o banimento do fracking, Rishi Sunak sustentou a ‘recomendação’ de Charles não ir a COP27 – e disse que ele próprio não iria.
Mas recuou e decidiu viajar depois que o esperto Boris Johnson aproveitou o vácuo e disse que estaria na COP27.
Leia também | António Guterres: Como o secretário-geral da ONU se tornou figura central para a ação climática
No entanto, a presença dos dois não ajudou a restaurar a desgastada imagem do governo em questões ambientais.
A mídia criticou o discurso oficial de quatro minutos de Sunak, pelo ‘nada’ que disse. Já Johnson preferiu o sincericídio: na COP27, chocou ao admitir que o país poluiu muito, mas que não tinha condições de ajudar as nações pobres afetadas pelas mudanças climáticas.
Parece insensível, mas a opinião dele está em linha com o que pensam muitos britânicos. Uma pesquisa do YouGov revelou que só um terço da população (34%) acha que as mudanças climáticas devem ser tratadas como prioridade para receber investimentos.
E sete em cada dez britânicos (70%) duvidavam de progresso significativo a partir da cúpula.
Nesse contexto, os protestos do grupo Just Stop Oil são vistos com reservas por eleitores que discordam de fechamento de ruas e ataques a obras de arte.
Mas é inegável que tais atos têm o seu valor, deixando o governo e os policiais imprensados entre a necessidade de conter os protestos e o risco de serem acusados de repressores e, pior, coniventes com os poluidores.
Mesmo com a crise econômica, a concorrência com outros eventos globais e as confusões das autoridades de plantão, a COP27 recebeu muita atenção da imprensa do Reino Unido, talvez pelo fato de o país ter sediado a cúpula em 2021.
Ou pela influência do The Guardian, fortemente engajado na questão das mudanças climáticas. Isso pode ter contribuído para que os concorrentes mantivessem o tema em pauta.
O Guardian é um dos fundadores da coalizão Covering Climate Now e liderou durante a COP27 a iniciativa de um editorial conjunto divulgado simultaneamente por publicações de mais de 20 países.
Leia também | Editorial conjunto de mais de 30 jornais cobra ajuda climática de US$ 100 bilhões para países pobres
O texto cobrava um imposto sobre combustíveis fósseis e um fundo de ajuda financeira às nações mais pobres.
O Reino Unido assinou o acordo de perdas e danos causados pelas mudanças climáticas durante a COP27.
Mas isso não servirá para afastar os fantasmas que rondam o governo de um país dependente de combustíveis fósseis. E que precisa equilibrar cobranças de ativistas e da imprensa com expectativas de seus eleitores.
O rei Charles deve estar rindo muito ao conversar com as árvores, pois acabou ficando longe da confusão.
Este artigo faz parte do MediaTalks Especial COP27.
Leia também | Entrevista | Rosental Alves analisa cobertura das mudanças climáticas e aponta caminhos para o jornalismo