Londres – Organizações de monitoramento da liberdade de imprensa que manifestaram desconfiança sobre a extensão de uma anistia a presos anunciada no final de novembro em Mianmar tinham razão: somente em dezembro, cinco profissionais de imprensa foram condenados à prisão no país comandado pela junta militar que tomou o poder em fevereiro de 2021. 

A vítima mais recente é Soe Yarzar Tun, um freelancer condenado no dia 16 de dezembro pelo tribunal especial dentro da penitenciária Insein de Yangon a quatro anos de cadeia.

A pena, baseada na Seção 52 (a) da Lei Contra o Terrorismo, inclui também a realização de trabalhos forçados, segundo levantamento da ONG Repórteres Sem Fronteiras, citando dados da Associação de Assistência para Prisioneiros Políticos (AAPP).

O tribunal especial condenou ainda dois jornalistas do site de notícias do Thingangyun Post, o editor-assistente Htet Htet Aung e o editor-chefe Wai Linn Yu, a cinco anos de prisão sob a Seção 5 da Lei de Substâncias Explosivas. Eles supostamente foram “pegos com explosivos” quando presos em 11 de novembro de 2021.

Antes deles, os jornalistas Sithu Aung Myint e Myo San So receberam sentenças de 12 e 15 anos de prisão, respectivamente no início de dezembro e no fim de novembro. 

Na anistia de novembro, que devolveu a liberdade a 5.774 presos, poucos jornalistas foram libertados. Um deles foi  o documentarista japonês Toru Kubota, que estava cumprindo uma sentença de 10 anos de prisão por sedição, imigração ilegal e outras acusações.

Os números de libertados variam entre cinco e oito. Ao mesmo tempo, as novas condenações mostram que a liberdade de imprensa está cada vez mais deteriorada em Mianmar. 

“Os generais birmaneses estão aprofundando a política de terror, com os jornalistas na vanguarda das vítimas”, disse Daniel Bastard, chefe da Repórteres Sem Fronteiras para a região Ásia-Pacífico.

Prisão em Mianmar por ‘informações falsas’ sobre funcionários de governo 

Preso pela primeira vez em 28 de fevereiro de 2021 enquanto cobria protestos nas ruas contra o golpe militar, Soe Yarzar Tun foi mantido na prisão de Insein sob a Seção 505 (a) do Código Penal (que penaliza informações falsas sobre funcionários do governo) até  30 de junho de 2021, tendo sido beneficiado por uma anistia.

Ele foi capturado novamente em 10 de março de 2022 em Thonse, uma cidade a 70 km ao norte de Yangon, alguns dias depois de escapar de um ataque militar no mosteiro onde estava abrigado.

Seu caso ilustra a perseguição judicial de profissionais de mídia pela junta militar, segundo a Repórteres Sem Fronteiras. 

Classificado em 176º lugar entre 180 países no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2022 da RSF, Mianmar atualmente tem pelo menos 62 jornalistas presos, o que o torna o segundo maior carcereiro de profissionais de mídia do mundo (perdendo apenas para a China).

CPJ: 42 jornalistas presos no país 

A contagem do Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) é menor, mas não menos preocupante: no balanço da entidade, 42 estavam na cadeia em 1º de dezembro, um número 40% superior ao registrado no mesmo mês de 2021. 

As organizações de liberdade de imprensa adotam metodologias diferentes para contabilizar violações, como a confirmação de associação com o trabalho e a inclusão de profissionais de apoio à mídia. 

O CPJ lista Mianmar em terceiro lugar entre as nações com mais jornalistas presos, atrás do Irã e da China. 

Segundo a organização, quase a metade dos detidos foi condenada em 2022, a maioria sob o Artigo 505(a) do Código Penal, uma disposição antiestadual que penaliza amplamente “incitação” e “notícias falsas”.

A ONG aponta os dispositivos legais como mal definidos em sua formulação e arbitrariamente interpretados por tribunais de influência militar em Mianmar para fundamentar sentenças de prisão de dois e três anos aplicadas a jornalistas. 

“Outros receberam acusações mais longas sobre terrorismo e outras acusações anti-Estado, muitas vezes por entrar em contato ou relatar as atividades de grupos de resistência armada contra as forças militares, incluindo “forças de defesa do povo” recém-formadas, ou PDFs, que a junta considera como organizações terroristas, bem como exércitos étnicos de décadas lutando por autonomia e direitos”, diz By Shawn Crispin, representante do CPJ para o Sudeste da Ásia,  em artigo analisando a situação no país. 

Mas ele alerta que o número pode ser muito maior: 

“Muitas organizações de mídia relutam em identificar jornalistas de sua equipe e freelancers na prisão para evitar as sentenças mais duras frequentemente proferidas aos jornalistas, particularmente aqueles que trabalham disfarçados para veículos banidos pelos militares ou que alegaram ter parado de trabalhar mas continuaram a reportar secretamente”.

Crispin, jornalista que vive na Tailândia, disse que as libertações seletivas de jornalistas mostradas como atos de clemência, enquanto outros são forçados a cumprir suas sentenças completas em condições severas de prisão, parecem ter como objetivo ocultar o número real de jornalistas que a junta capturou e semear divisão entre grupos de mídia independentes. 

“A mídia independente tem sido alvo desde o primeiro dia após o golpe. É como se eles tivessem preparado uma lista de editores e repórteres para ir atrás”, disse Aung Zaw, fundador e editor-chefe do independente The Irrawaddy, ouvido por Shawn Crispin.

“Alguns foram liberados [enquanto] alguns foram acusados de alta traição, terrorismo e crimes eletrônicos, alegações que não fazem sentido”, acrescentou. 

Zaw, que já recebeu o International Press Freedom Award do CPJ, disse que o regime busca “dividir e governar” a mídia independente, apontando que certas organizações de notícias estão operando sem serem perturbadas, em troca de publicar “propaganda” e “ecoar o que o regime diz”.

Em setembro, 33 veículos independentes emitiram uma declaração condenando um novo conselho de imprensa formado desde o golpe, que eles acusaram conjuntamente de “espalhar desinformação” e “mensagens de propaganda” sobre a mídia independente de Mianmar.

Segundo o documento, 140 jornalistas haviam sido presos desde que os militares tomaram o poder e 11 grupos de mídia tiveram as licenças cassadas. 

“O conselho militar está suprimindo grupos de mídia independentes e jornalistas em Mianmar de muitas maneiras diferentes, impedindo o direito à informação e dificultando a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão em todo o país”.

Vários dos signatários da declaração estão entre os meios de comunicação que têm repórteres atrás das grades ou profissionais detidos e já libertados.