Londres – Depois de um período de relativa calmaria para os jornalistas cobrindo a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, dois profissionais de imprensa italianos sofreram um ataque a tiros no carro em que viajavam, nas proximidades da cidade de Kherson. 

O jornalista freelancer italiano Claudio Locatelli, especializado em cobertura de conflitos armados, e o fotojornalista Niccolò Celesti ficaram feridos no atentado, atribuído por eles a forças russas.

O carro estava claramente identificado como veículo de imprensa e os ocupantes usavam coletes e capacetes de identificação.

Ataque a jornalistas na Ucrânia deliberado 

Segundo a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês), 12 mortes de profissionais de imprensa aconteceram na guerra da Ucrânia, a maioria resultantes de ataques deliberados do exército russo em circunstâncias semelhantes à do novo caso. 

Locatelli compartilhou em sua conta do Facebook um vídeo mostrando o ataque, que aconteceu no dia 19. O vidro do carro ficou estilhaçado, vários tiros atingiram a porta do lado direito, onde ele estava sentado, e pneus furaram. 

“Fomos atingidos! A explosão que você vê danificou o carro, fomos bloqueados por armas antes de podermos ficar em segurança. Perdi sangue, mas o ferimento é leve. Se tivesse aberto a porta estaria sem uma perna ou pior», denunciou Locatelli.

http://

Locatelli ressaltou que o carro estava bem identificado e não havia mais ninguém por perto.

” O ataque a nós, dada a localização e a dinâmica, foi intencional.

O tiro veio da margem leste além do rio Dnipro, onde o exército russo está posicionado. Atirar na imprensa não tem desculpa.”

O vídeo mostra o retorno do carro em marcha a ré e os momentos em que os ocupantes ficam abrigados por pilastras à beira da estrada decidindo o que fazer, enquanto explosões são ouvidas ao fundo.

Eles trocam os pneus e resolvem seguir, mas sem certeza de que conseguiram escapar. Em um determinado momento, ao passar por baixo de uma ponte, Claudio Locatelli chega a se despedir e comentar que se não conseguissem, pelo menos haveria o vídeo para documentar. 

Durante a fuga, como bom italiano apaixonado por carros, o jornalista elogia “la macchina”, prometendo recuperar o veículo caso escapem com vida. No final eles encontram uma patrulha ucraniana e mostram os danos ao carro. 

Em uma declaração conjunta, a IFJ e Federação Europeia de Jornalistas cobraram engajamento da comunidade internacional na proteção aos jornalistas documentando conflitos. 

“O ataque deliberado de nossos colegas italianos na Ucrânia mostra a necessidade urgente de um esforço coletivo para proteger os profissionais da mídia em zonas de guerra. Esses crimes não devem permanecer impunes.”

Na guerra da Ucrânia, maioria das vítimas foi alvo de ataques

O balanço anual de jornalistas mortos a serviço ou em crimes associados ao trabalho da IFJ em 2022 apontou a Ucrânia como o país com mais vítimas, um total de 12. 

A maioria dos casos aconteceu nos primeiros seis meses da guerra, com o registro de pelo menos 46 ataques a jornalistas, 9 mortos e 6 crimes de guerra. 

Embora não seja incomum jornalistas se ferirem ou perderem a vida na cobertura de conflitos armados, a guerra da Ucrânia teve um padrão diferente: ataques deliberados do exército russo contra profissionais identificados como membros da imprensa. 

O tipo de ataque sofrido pelos italianos nesta semana foi semelhante ao que tirou a vida de dois jornalistas em 14 de março. 

Uma equipe da Fox News composta pelo experiente repórter de guerra britânico Benjamim Hall, pelo cinegrafista Pierre Zakrzewski e pela fixer ucraniana Oleksandra Kuvshinova, foi atingida em 14 de março por tropas russas. Zakrzewski e Kuvshinova morreram na hora, enquanto Hall ficou gravemente ferido. 

Melhor sorte teve uma equipe da SkyNews britânica, liderada pelo correspondente de guerra Stuart Ramsey. Dias antes, o carro em que viajavam em uma estrada foi foi alvo de uma emboscada e dois profissionais ficaram feridos, incluindo Ramsay, um dos principais nomes do jornalismo da rede.

Mesmo atingido, o cinegrafista filmou todo o ataque, em um vídeo chocante mostrando o pânico sem cortes. Os gritos dos profissionais avisando que eram jornalistas foram ignorados pelos agressores.