Londres – O número de jornalistas que perderam a vida em atos de violência deliberada ou crimes relacionados ao trabalho voltou a crescer em 2022, colaborando para uma conta assustadora: em vinte anos foram 1.668 mortes, uma média de 80 por ano, com o Brasil ocupando lugar de destaque.
O balanço foi feito pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que produziu um relatório expondo a violência contra a imprensa registrada entre 2003 e 2022, período apontado pela organização como “décadas especialmente mortíferas para os que se dedicam a informar”. O total de mortos desde 2000 é de 1.787.
Mais jornalistas morreram em zonas de paz do que em guerras nesse período. A região Américas figurou como a mais perigosa para a mídia em 2022. E o Brasil aparece em nono entre as nações com mais crimes registrados nesses 20 anos.
Um dos crimes mais bárbaros completou 20 anos em 2022, o assassinato do repórter Tim Lopes, capturado por traficantes enquanto fazia uma reportagem na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro. Exatamente duas décadas depois, o inglês Dom Philips, radicado no Brasil, foi morto na Amazônia.
“Por trás dos números estão os rostos, as personalidades, o talento e o empenho de quem pagou com a vida pela apuração de informações, pela busca da verdade e pela paixão pelo jornalismo”, disse Christophe Deloire, secretario-geral da RSF.
Segundo os dados compilados pela organização, o número anual de mortos atingiu o pico em 2012 e 2013, com 144 e 142 jornalistas mortos, respectivamente.
Esses picos, devidos em grande medida à guerra na Síria, foram seguidos por uma queda gradual e depois por números historicamente baixos a partir de 2019.
O número de jornalistas mortos em conexão com o trabalho em 2022 – 58, de acordo com o Barômetro de Liberdade de Imprensa da RSF em 28 de dezembro – foi o mais alto dos últimos quatro anos e foi 13,7% maior do que em 2021, quando 51 jornalistas foram mortos, incluindo dois no Brasil.
O inglês radicado no país Dom Philips foi assasinado na Amazônia em junho, e o cearense Givanildo Oliveira perdeu a vida em Fortaleza em fevereiro.
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15 países mais perigosos para jornalistas
Durante as últimas duas décadas, 80% das mortes de jornalistas ocorreram em 15 países.
Os dois com o maior número de mortos são o Iraque e a Síria, com um total combinado de 578 jornalistas mortos nos últimos 20 anos, ou mais de um terço do total mundial.
Em seguida aparecem Afeganistão, Iêmen e Palestina. A Somália vem a seguir. O Brasil está à frente de nações em conflito como Iêmen e Palestina. Muitos dos que morreram no país eram repórteres ou editores de veículos locais, que denunciavam corrupção e crimes em suas localidades.
Jornalistas mortos na Europa
A Rússia continua a ser o país da Europa mais letal para a mídia, com o maior número de jornalistas mortos nos últimos 20 anos, segundo o balanço da RSF. Desde que Vladimir Putin assumiu o poder, ataques sistemáticos à liberdade de imprensa – inclusive mortais – viraram rotina.
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A guerra que começou na Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022 é uma das razões pelas quais o país tem o segundo maior número de mortos na Europa. Oito jornalistas foram mortos na Ucrânia desde a invasão russa. Mas outros 12 foram mortos no país invadido nas duas últimas décadas.
A França é o quarto país europeu com mais mortes, como resultado do massacre no semanário satírico Charlie Hebdo em Paris, em 2015, que deixou 12 vítimas, incluindo os jornalistas que perderam a vida.
Jornalistas mortos em zonas de guerra
Levando-se em conta apenas os últimos 10 anos, jornalistas correram os maiores riscos em áreas onde ocorreram confrontos armados.
Das 686 mortes desde 2014, 335 ocorreram em zonas de guerra (incluindo Síria, Afeganistão e Iêmen). Os cinco anos mais mortais foram de 2012 a 2016, com 94 mortos em 2012, 92 em 2013, 64 em 2014, 52 em 2015 e 53 em 2016 .
A boa notícia é que o total anual de jornalistas mortos em zonas de guerra não ultrapassou 20 nos últimos três anos.
“Além de um declínio na intensidade de algumas guerras, esses números refletem a eficácia das medidas preventivas e de proteção de seus profissionais adotadas pelos meios de comunicação”, avalia a RSF.
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“Zonas em paz” onde os jornalistas também correm perigo
Os países onde oficialmente não há guerra não são necessariamente seguros para os repórteres e alguns deles estão perto do topo da lista daqueles onde ocorreram assassinatos nos últimos 20 anos.
O levantamento destaca que a maioria dos jornalistas mortos em zonas de paz nessas duas décadas investigavam crime organizado e corrupção, situação que vem se agravando. O México é o pior exemplo.
Com 47,4% dos jornalistas mortos em 2022, as Américas são hoje a região mais perigoso do mundo para a mídia, o que justifica a implementação de políticas específicas de proteção, segundo a RSF.
O Brasil está em segundo lugar na região em número de mortes nos últimos 20 anos. O Haiti aparece na quinta posição, com 11 – mas nove delas aconteceram em 2022, algumas caracterizadas por extrema crueldade.
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Quatro países das Américas – México , Brasil , Colômbia e Honduras – estão entre os 15 países mais perigosos do mundo. A Ásia também tem muitos países nesta lista, incluindo as Filipinas , com mais de 100 jornalistas mortos desde o início de 2003, o Paquistão com 93 e a Índia com 58.
Mulheres jornalistas também são vítimas
Embora muito mais jornalistas do sexo masculino (acima de 95%) tenham sido mortos em zonas de guerra ou em outras circunstâncias do que suas colegas, elas não foram poupadas.
Um total de 81 mulheres jornalistas foram mortas nos últimos 20 anos – 4,86% do total de mortes entre profissionais de mídia.
Desde 2012, 52 perderam a vida, em muitos casos após investigações sobre os direitos das mulheres. Alguns anos viram picos no número de mulheres jornalistas mortas, e alguns dos picos foram particularmente alarmantes.
Em 2017, dez mulheres jornalistas foram mortas (contra 64 jornalistas homens) – um recorde de 13,5% do total de mortes na mídia naquele ano.
Maio foi o pior mês para mulheres jornalistas este ano, com cinco mortes – de repórteres de uma pequena cidade no México a uma celebridade da mídia internacional, a palestino-americana correspondente veterana da Al Jazeera Shireen Abu Akleh.
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