Londres – A invasão dos prédios dos Três Poderes em Brasília entrou na pauta de pesquisadores e analistas políticos, que procuram explicar as motivações e os mecanismos de mobilização para os atos que novamente retrataram o Brasil de forma negativa na mídia global e motivaram protestos contra os riscos para a democracia. 

Um dos que se debruçou sobre o tema foi o think thank Institute for Strategic Dialogue, baseado em Londres e com forte atuação nos EUA. O centro acompanha movimentos de desinformação e o avanço de teorias conspiratórias, que cresceram significativamente depois da era Trump.

Seguidores inconformados com a derrota do ex-presidente nas urnas se uniram no movimento Stop The Steal, endossado pelo político, defendendo que a eleição vencida por Joe Biden teria sido fraudada. 

Em um estudo examinando o impacto da invasão do Capitólio publicado esta semana, os autores Jiore Craig, Cécile Simmons e Rhea Bhatnagar afirmaram que “imagens de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro ocupando o palácio presidencial no Brasil são uma ilustração gritante de como a desinformação eleitoral espalhou-se além dos EUA e ameaça a integridade eleitoral em todo o mundo”.

O Brasil não é o único lugar além dos EUA a sofrer desse mal. O ISD cita França, Alemanha e Austrália como nações em que o fenômeno repetiu-se recentemente.

“O negacionismo eleitoral se demonstrou fácil de encontrar na maioria das grandes eleições globais desde 6 de janeiro de 2021”, diz o estudo. 

Recursos das plataformas favorecem desinformação eleitoral

Ao analisar o conteúdo de redes sociais nos três mercados, os pesquisadores dizem ter encontrado três questões recorrentes associadas a eleições.

Uma delas é que os recursos existentes nas plataformas de mídia social favorecem a desinformação eleitoral e são úteis para os que a promovem.

Eles apontam que os Shorts do YouTube e os Reels do Instagram, criados para fazer frente a concorrentes focados em vídeo como o TikTok, tornaram mais fácil burlar os sistemas de moderação das plataformas.

O segundo é a ligação do que chamam de “negação eleitoral online”, com teorias conspiratórias baseadas em ódio, supremacia branca, xenofobia e racismo.

O terceiro é que o negacionismo eleitoral sozinho não é suficiente para radicalizar eleitores insatisfeitos.

Mas a eficácia aumenta quando o tema se mistura a outros tipos de discurso de ódio. E diminui em nações com autoridades eleitorais centrais fortes e medidas de responsabilização sobre as plataformas digitais.

Países com outros idiomas que não o inglês são mais vulneráveis, porque a moderação das redes sociais é deficiente. Esse problema não é novo. Vem sendo apontado há anos.

Em 2021, uma coalizão de entidades de defesa dos direitos humanos, justiça racial e responsabilidade na internet, liderada pelo grupo Real Facebook Oversight Board, lançou a campanha #Ya Basta Facebook!, exigindo da rede social ação mais enérgica no controle da desinformação e discurso de ódio na plataforma em língua espanhola.

O problema não parece ter melhorado, na avaliação dos pesquisadores do ISD, que destacam a concentração de recursos na proteção de usuários das redes que falam inglês. Isso inclui brasileiros, franceses, alemães e a parcela expressiva de norte-americanos que têm o espanhol como idioma principal.

Mas até em inglês a desinformação eleitoral sobre o Brasil encontrou terreno fértil para florescer, ajudada por Elon Musk. O estudo menciona uma postagem do dono do Twitter sugerindo que a rede social foi tendenciosa durante as eleições presidenciais, favorecendo a esquerda.

O post foi citado em uma reportagem do jornal sensacionalista New York Post, que viralizou sob as hashtags #brazilianspring e #brazilwasstolen.

O caso das urnas americanas 

A batalha é complexa, porque não envolve apenas as redes, mas também veículos de mídia tradicionais, como o caso do jornal americano e a Fox News.

A emissora, que sempre apoiou o ex-presidente Donald Trump e deu espaço às suas ideias, é objeto de um processo movido pela Dominion Voting Systems, empresa que forneceu as máquinas de votação no pleito de 2020.

Ela foi acusada por entrevistados e comentarias de ter cometido fraude, como parte de uma conspiração para roubar a eleição presidencial de 2020 deTrump.

A ação é de difamação, com um pedido de indenização de US$ 1,6 bilhão. Por coincidência, New York Post e Fox pertencem ao mesmo dono, o magnata da mídia Rupert Murdoch, que prestou depoimento nesta sexta-feira (20).

A Dominion pode ganhar a causa, ser ressarcida dos danos que sofreu e resgatar sua imagem. Mas o dano sofrido pela sociedade com a desinformação eleitoral não tem preço, e ninguém paga por ele.

Um dano que vai além das fronteiras dos EUA. Os pesquisadores do ISD apontam que os eleitores australianos e franceses foram alvo de desinformação, com alegações de que as máquinas Dominion seriam usadas para fraudar a votação circulando nas redes sociais. 

Só que a Austrália não usa votação eletrônica, enquanto na França a maioria dos votos são dados em cédulas impressas. 

No entanto, diferentemente dos EUA, tanto a França quanto a Austrália têm eleições administradas por uma autoridade central reconhecida pelo público. E também em contraste com o país de Donald Trump, os candidatos presidenciais franceses mostraram moderação e negaram amplamente as narrativas de fraude eleitoral, segundo o ISD.

Isso fez com que a  desinformação eleitoral ficasse limitada a comunidades conspiratórias e marginais de extrema direita.

Na Alemanha, fatores como a forte confiança na grande mídia e o sistema multipartidário da Alemanha sendo menos propenso à polarização limitaram o alcance das narrativas de fraude eleitoral, diz o ISD. 

Isso demonstra que o inimigo não é invencível. Os autores salientam que o impacto real da desinformação eleitoral depende da presença de condições que favoreçam o sucesso dos que dela se aproveitam:

“As falhas nos produtos e políticas das plataformas de mídia social, juntamente com a prevalência de ódio e extremismo, aumentam a probabilidade de o negacionismo eleitoral se consolidar.

Por outro lado, uma forte administração central das eleições, mecanismos de responsabilização comprovados e a adesão dos candidatos às normas da democracia tornam muito mais difícil para os negacionistas vencerem.”

O estudo do ISD recomenda ainda um exame minucioso para entender a dinâmica dos esforços antidemocráticos e prever se uma determinada campanha de negação tem potencial para se transformar em impactos no mundo real e violência offline, como a que aconteceu em Brasília.

“Até que haja uma responsabilização mais eficaz, esse resultado continua sendo uma possibilidade realista e preocupante.”