Londres – Em um sinal das dificuldades que Charles III enfrentará nos países que fazem parte da Commonwealth depois da morte da rainha Elizabeth II, a Austrália anunciou nesta quarta-feira a decisão de remover imagens da monarquia britânica de suas notas, com uma figura indígena substituindo a do rei nas novas cédulas de cinco dólares australianos.

A decisão é mais um exemplo do desgaste da imagem da realeza na maioria das 14 ex-colônias que ainda têm o monarca britânico como chefe de Estado.

E resulta de uma combinação do anseio de soberania com os questionamentos sobre o passado colonialista e escravocrata, uma sombra que pesa sobre a família real. 

A figura carismática e respeitada de Elizabeth II, bem como a sua idade, contribuíram para que esses movimentos não avançassem tão rapidamente durante seu reinado, mas a morte dela em setembro passado mudou o cenário. 

Charles está longe da popularidade da mãe, segundo as pesquisas. Ele ocupa o 5º lugar entre os membros da realeza mais admirados, com apenas 56% de aprovação no Reino Unido, onde há uma base de apoio à monarquia maior do que nos demais países da Commonwealth. 

E a imagem da família real ficou ainda mais comprometida após os ataques na série Harry & Meghan lançada pela Netflix em dezembro, e no livro autobiográfico de Harry, Spare, publicado em janeiro. 

Uma das organizações que defende o fim dos laços com a monarquia britânica na Austrália, o Australian Republic Movement, promoveu em suas redes sociais uma pesquisa feita pelo Instituto Ipsos mostrando que mais da metade dos habitantes do país prefere não ter um rei na chefia do estado.

Mas não se pode atribuir a Harry e Meghan a culpa por mais essa notícia desagradável para o rei Charles, porque o sentimento antimonarquia na Austrália vem de longe.

E está relacionado às pressões pela inclusão dos povos que estavam no país antes de os primeiros ingleses desembarcarem no continente, no século 18. 

O Banco Central da Austrália disse que a nova cédula de cinco dólares honrará “a cultura e a história dos primeiros australianos” – substituindo o atual retrato da rainha. Simbolicamente, o verso da nota mostra uma imagem do Parlamento.

A cédula era a única que circulava com a imagem de Elizabeth II. Mas em um ato de simpatia, o rei continuará a aparecer nas moedas australianas, pelo menos por enquanto. 

O tesoureiro do Banco Central local, Jim Chalmers, disse que a mudança busca um bom equilíbrio: “O monarca ainda estará nas moedas, mas a nota de $ 5 dirá mais sobre nossa história, nossa herança e nosso país, e vejo isso como uma coisa boa”.

Ele disse que a decisão seguiu uma consulta ao governo, que apoiou a mudança. O atual primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, eleito em maio de 2022, é do Partido Trabalhista. Ele substitui o conservador Scott Morrison, cujo partido era favorável à manutenção do atual sistema de governo. 

Monarquia simbólica na Austrália 

O cargo de chefe de Estado ocupado pelo monarca britânico na Austrália e em outros países como o Canadá, Nova Zelândia e nações africanas e caribenhas, é puramente simbólico. Mas do ponto de vista de reputação da monarquia, ainda é relevante. 

Embora seja um republicano assumido, Albanese foi criticado em setembro por ter engavetado, pouco depois da morte de Elizabeth II, a ideia de um referendo para decidir sobre a manutenção do monarca britânico como chefe de estado da Austrália.

Rejeitando as negociações para viabilizar a consulta popular, o primeiro-ministro disse na época que não era um momento de mudança, mas sim de prestar homenagens à memória da rainha.

Albanese disse que não iria “perseguir questões” de mudança constitucional a menos que fosse reeleito, por “profundo respeito e admiração” pela rainha. Dessa maneira, uma mudança radical ficou para um possível segundo mandato do primeiro-ministro. 

O desafio de Charles para manter o status quo da monarquia

Assim como na Austrália, o desgaste da monarquia britânica vai aumentando também em outros países da Commonwealth. Mesmo com Elizabeth II ainda viva, em janeiro de 2021, Barbados deixou a comunidade e se tornou uma república numa cerimônia que contou com a presença do então príncipe Charles.

Dois meses depois, duas “jóias da coroa” em popularidade, o príncipe William e sua mulher, Kate, fizeram um desastroso tour por países do Caribe, em que chegaram a cancelar compromissos por reação das comunidades locais.

Foi uma confirmação de que estão ficando no passado a adoração incondicional pela monarquia e pelos símbolos coloniais, como os desfiles em carro aberto com acenos aos súditos. 

Charles tem bom traquejo político e já deu sinais de estar atento ao sentimento popular. Ao anunciar a programação dos festejos de sua coroação, o Palácio de Buckingham salientou o caráter inclusivo das atividades, com incentivo ao voluntariado e o engajamento dos países da Commonwealth. 

Alguns símbolos de ostentação também serão eliminados, como o uso das vestimentas tradicionais de reis. Charles III usará trajes militares no trajeto entre o Palácio de Buckingham e a Abadia de Westminster, onde acontecerá a coroação, programada para 6 de maio. 

Pesquisa: o que os australianos pensam da monarquia

Na Austrália, essas iniciativas da monarquia durante a coroação podem não surtir muito efeito. No entanto, o jogo não está ganho para os antimonarquistas.

Segundo o Instituto Ipsos, os australianos enxergam pontos positivos e negativos em ter o monarca britânico como chefe de Estado. O instituto avalia ser  “improvável que as opiniões divergentes sejam conclusivas o suficiente para alcançar o consenso necessário para a mudança constitucional”.

A aprovação da então rainha Elizabeth foi alta na pesquisa: mais de oito em cada dez  australianos (83%) acreditavam que ela fazia um bom trabalho como monarca .

No entanto, ressaltando a incerteza do futuro da monarquia na Austrália, apenas uma parcela de 59% está confiante de que o rei Charles III repetirá a performance da mãe. 

No geral, a opinião dos australianos está muito dividida quando se trata da realeza, ressalta o Ipsos. Pouco mais da metade (54%) dos entrevistados concorda que após o fim do reinado da rainha Elizabeth II, a Austrália deveria encerrar seus laços formais com a monarquia britânica, enquanto 46% discordam,

Apesar dos sentimentos contraditórios, os australianos querem que suas vozes sejam ouvidas. A maioria (58%) dos australianos concorda que o primeiro-ministro Anthony Albanese deveria realizar um referendo sobre o futuro da monarquia na Austrália, enquanto quatro em cada dez (43%) discordam dessa ideia.

Embora a mística em torno da monarquia seja alimentada pela divulgação de suas atividades, com cada passo dos membros da realeza registrado pela imprensa e comentado nas redes sociais, o excesso de visibilidade pode estar sendo prejudicial para a imagem. 

Seis em cada dez (62%) dos australianos acham que o rei e a família real não devem ter nenhum papel formal na sociedade australiana, por acharem que a realeza é simplesmente celebridade e nada mais. É o motivo de maior pontuação entre aqueles apresentados na pesquisa para justificar o fim do atual sistema.