A Itália seguiu os passos da pioneira Austrália e estabeleceu uma regulamentação para acabar com as brigas de empresas jornalísticas com as gigantes mídias digitais, como Facebook e Google, em torno do pagamento pelo uso do conteúdo.
A AgCom, agência reguladora do setor de telecomunicações no país, publicou uma norma com critérios para que os meios de comunicação sejam recompensados ‘com justiça’ pelas BigTechs que utilizam trechos de notícias em seus resultados de buscas ou em feeds.
A ideia é estimular que os veículos fechem acordos com empresas como o Google e a Meta (dona do Facebook) em bases satisfatórias para os veículos de imprensa.
Regulamentação da mídia digital começou na Austrália
O embate entre o jornalismo e as Big Techs que dominam o setor de mídia digital começou quando as receitas publicitárias das empresas jornalísticas migraram para as plataformas digitais, afetando a sustentabilidade financeira da indústria de notícias e a própria democracia, pela redução do jornalismo investigativo e fechamento de publicações.
A Austrália foi a primeira a encarar a briga do pagamento pelo uso do conteúdo, mesmo enfrentando resistência das grandes plataformas de mídia digital.
Em 2021 o país acabou vencendo a queda-de-braço e impôs o mecanismo de arbitragem caso não haja acordo entre as partes – e os acordos começaram a sair em seguida.
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Após a aprovação da lei australiana, a França também buscou a remuneração de conteúdo jornalístico pelos grandes da mídia digital, mas as negociações iniciais não agradaram ao setor nem ao órgão regulador do país, que em agosto de 202o aplicou uma multa de 500 milhões de euros ao Google.
Oito meses depois, a empresa de buscas chegou a um acordo com uma aliança de jornais do país para remunerar os editores pela exibição de conteúdo produzido por eles em buscas online.
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Estímulo à remuneração justa
A regulamentação italiana, publicada em janeiro, faz parte do movimento legislativo iniciado com a diretiva da União Europeia sobre direitos autorais, de 2019, e a legislação italiana sobre o tema, em vigor desde dezembro de 2021.
A norma, que levou um ano para ser elaborada, fala em definir uma “remuneração justa pelo uso online de publicações jornalísticas”.
O texto aprovado estalece que, após acordo com as plataformas digitais, as empresas jornalísticas podem receber até 70% da receita publicitária proveniente da veículação de conteúdo online de caráter informativo.
A medida se aplica a qualquer formato, seja texto, vídeo, galerias de fotos e até podcasts.
A AgCom explica que o teto de 70% foi pensado para trazer flexibilidade aos acordos que serão celebrados daqui para a frente. Em nota, a agência justificou a medida:
“O regulamento tem como principal objetivo incentivar acordos inspirados em práticas comerciais e modelos de negócios adotados no mercado.”
Apesar de falar em flexibilidade, a agência estabeleceu vários critérios que devem ser levados em conta na hora de negociar e determinar as compensações financeiras. Alguns deles são:
- Números de audiência online do material veiculado;
- Relevância do veículo no mercado (audiência e anos de atividade);
- Número de jornalistas empregados;
- Valores comprovados pelo veículo em investimentos tecnológicos no ambiente online;
- Valores comprovados pela plataforma em investimentos tecnológicos dedicados à reprodução; e
- Veiculação de publicações jornalísticas online.
Também faz parte da regulamentação a exigência de que veículos e plataformas se comprometam a cumprir “padrões internacionais de qualidade da informação e checagem de fatos”.
A ideia é reconhecer e combater a divulgação de notícias falsas, além de proteger valores como a liberdade de expressão e o pluralismo da informação, explicou o presidente da AgCom, Giacomo Lasorella, em entrevista ao jornal La Repubblica:
“Os critérios para avaliar a solidez de um grupo editorial são múltiplos e complexos.
Como a negociação envolve questões econômicas, os principais são quantitativos, como números de audiência e de publicidade distribuída.
Mas também devem pesar elementos qualitativos, como o número de jornalistas contratados e os esforços dos veículos para garantir informação de qualidade”.
Apesar de deixar a negociação a cargo das partes interessadas, a regulamentação para mídias digitais da AgCom define poderes de arbitragem nos acordos a serem firmados entre empresas jornalísticas e mídias digitais.
Se após 30 dias de tentativas não houver acordo entre um veículo e uma plataforma, a agência pode ser acionada por uma das partes.
A partir de então, o órgão terá até 60 dias para indicar qual proposta cumpre melhor os critérios do novo regulamento ou apontar diretamente o valor que considera como sendo uma “justa remuneração”.
Se ainda assim o contrato não for assinado, o caso pode ser levado pelas partes à Justiça.
O presidente do órgão regulador se demonstrou otimista com a possibilidade de acordos voluntários:
“Esperamos que haja poucas disputas entre empresas jornalísticas e gigantes da Internet. Se houver, poderemos regulá-los. Nossas regras são construtivas, não queremos punir ninguém”, disse Lasorella ao jornal italiano.
Reações à regulamentação de pagamento pelas mídias digitais
A regulamentação do pagamento de conteúdo pelas mídias digitais foi comemorada pela Federação Italiana dos Editores de Jornais (Fieg).
“É um resultado importante e há muito tempo aguardado. Espera-se que se abra agora uma fase de diálogo construtivo entre as partes, no compartilhamento de uma reforma necessária para reequilibrar todo o sistema digital”, declarou a entidade.
Segundo o La Repubblica, o Google respondeu à aprovação do regulamento dizendo que colabora com governos e veículos jornalísticos de toda a União Europeia, conforme os países implementam a diretiva do bloco dentro de suas legislações nacionais.
“Desde 2021, já assinamos acordos de licenciamento com mais de 1 mil veículos em 11 países, incluindo Alemanha, França e Espanha.”
A Meta, dona do Facebook, disse que o regulamento italiano será analisado, mas que a empresa confirma o apoio aos objetivos da diretiva europeia sobre direitos autorais.
As duas empresas têm programas próprios de remuneração por conteúdo, incluindo na Itália.
Mas as regulamentações nacionais tendem a se firmar para contemplar mais veículos do que apenas os líderes e também para evitar acordos que não agradem ao setor de jornalismo.
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