Londres – O governo da Índia intensificou as pressões sobre a BBC devido a um documentário crítico sobre o primeiro-ministro Narendra Modi que já tinha sido alvo de censura no país, com agentes vasculhando os escritórios da rede britânica em Nova Délhi e Mumbai em uma operação fiscal de três dias. 

A operação do órgão fiscal indiano, que começou na terça-feira (14), aconteceu apenas algumas semanas depois de a BCC ter exibido o programa no Reino Unido, e foi vista como uma tentativa de intimidação.

De acordo com relatos da própria BBC e de organizações de defesa da liberdade de imprensa, telefones e laptops da equipe da BBC foram apreendidos pelos funcionários e a entrada e saída das instalações foi restrita.

A Índia sob Narendra Modi tem um histórico de perseguições a jornalistas críticos, muitas vezes usando como recurso acusações de ordem financeira. Um dos casos mais notórios é o de Rana Ayubb, colunista do jornal Washington Post, impedida de viajar para fora do país por ser alvo de uma investigação por lavagem de dinheiro. 

A Anistia International acusou o BJP (Bharatiya Janata Party), partido de Modi, de estar tentando assediar e intimidar a BBC por conta de sua cobertura crítica ao primeiro-ministro.

Segundo Aakar Patel, presidente da Anistia International na Índia, os poderes amplos do Departamento de Imposto de Renda estão sendo repetidamente usados para silenciar dissidentes. 

“No ano passado, autoridades fiscais também invadiram os escritórios de várias ONGs, incluindo a Oxfam Índia. Esses atos intimidatórios, que minam o direito à liberdade de expressão na Índia, devem terminar agora”.

O governo não associou a operação fiscal contra a BBC ao documentário, embora tenha recebido o programa com revolta. 

Membros do BJP chamaram a BBC de “corrupta” e “historicamente contaminada com seu ódio pela Índia”.

O governo indiano disse que o documentário era uma forma de “propaganda” e, pouco depois da exibição no Reino Unido, bloqueou vídeos e tweets com links para o documentário, que chamou de “propaganda hostil e lixo anti-indiano”.

Censura ao programa da BBC sobre primeiro-ministro da Índia 

India: The Modi Question é uma série em dois capítulos exibida apenas no Reino Unido, em 17 e 24 de janeiro deste ano, mas trechos e cópias circulam pela internet. Grupos de estudantes chegaram a organizar exibições públicas, que também foram reprimidas.

O programa narra os distúrbios ocorridos na província de Gujarat em 2002, quando Modi era o ministro-chefe local (uma espécie de governador do estado).

Na época, um incêndio criminoso em um trem que levava peregrinos hindus foi o estopim para uma matança étnica que durou três dias. Cerca de mil pessoas foram assassinadas, a maior parte delas muçulmanos.

Modi é acusado de apoiar os hindus responsáveis pela morte de centenas de muçulmanos.

O documentário da BBC explora esse contexto de aumento do discurso de ódio contra não hindus e os episódios de violência promovidos por apoiadores do atual partido do governo, o BJP, desde 2002.

Além disso, o filme trata da redução do espaço para dissidência na Índia desde que Modi chegou ao poder em 2014. Um clipe pode ser visto aqui: 

https://youtu.be/2pXxjOKiD_M

A BBC disse no mês passado que ofereceu ao governo indiano um direito de resposta ao documentário, mas eles recusaram a oferta.

A rede publicou uma nota explicando a situação: 

“Muitos funcionários já deixaram o prédio, mas alguns foram solicitados a permanecer e continuam a cooperar com as investigações em andamento”

Nossa produção e jornalismo continuam normalmente”. 

Os funcionários foram instruídos a trabalhar de casa. 

As tensões entre a emissora pública britânica que é o principal braço do soft power britânico no mundo e a Índia acontecem quando o país tem um primeiro-ministro de origem indiana.

Rishi Sunak, atual chefe de governo do Reino Unido, é filho de indianos e casado com a filha de um dos homens mais ricos do país governado por Narendra Modi. 

Segundo a agência de notícias indiana Press Trust, a investigação está sendo realizada para investigar questões relacionadas à tributação internacional e preços de transferência de empresas subsidiárias da BBC. 

Agentes do governo coletaram nesta quinta-feira informações financeiras de funcionários da rede e fizeram cópias de dados eletrônicos e em papel da emissora. 

Índia, 150º em liberdade de imprensa 

A Índia ocupa o 150º no ranking de liberdade de imprensa da organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que lista 180 países. 

“A violência contra os jornalistas, a mídia politicamente partidária e a concentração da propriedade da mídia demonstram que a liberdade de imprensa está em crise na “maior democracia do mundo”, governada desde 2014 pelo primeiro-ministro Narendra Modi , líder do Partido Bharatiya Janata (BJP) e a personificação da direita nacionalista”, diz a RSF. 

A análise do país no relatório de 2022 aponta que sob o pretexto de combater a covid-19 , “o governo e seus apoiadores travaram uma guerra de ações judiciais contra meios de comunicação cuja cobertura da pandemia contradiz as declarações oficiais”. 

Jornalistas que tentam cobrir greves e protestos contra o governo são frequentemente presos e, às vezes, detidos arbitrariamente .