Pela segunda vez em três meses, a fotojornalista Sanna Irshad Mattoo foi impedida pelas autoridades da Índia de voar para o exterior e perdeu a chance de receber em mãos o prestigiado Prêmio Pulitzer, entregue nesta quinta-feira (20) em Nova York. 

Mattoo denunciou no Twitter que foi impedida por funcionários da imigração do Aeroporto Internacional Indira Gandhi, em Nova Délhi, de deixar o país nesta semana. 

Ela dividiu o Pulitzer de “Fotografia Especial” (“Feature Photography”) deste ano com outros três fotógrafos da Reuters, incluindo Danish Siddiqui, que morreu em uma emboscada do Talibã, em 2021. O grupo retratou os impactos da pandemia de covid-19 na Índia.

‘Oportunidade única’, diz fotojornalista da Índia

Sanna Irshad Mattoo tentou embarcar para os EUA na noite de segunda-feira (17), mas foi impedida pelas autoridades mesmo em posse de um passaporte válido e do visto americano.

Ao denunciar o caso no Twitter, ela lamentou a proibição e disse que participar da cerimônia era “uma oportunidade única da vida”.

Sanna Irshad Mattoo é natural da Caxemira, região administrada pela Índia que vive há anos uma grande disputa territorial e religiosa, já que parte da população islâmica quer se integrar ao Paquistão. Ela vive em Srinagar, capital do território.

A naturalidade de Mattoo é apontada por organizações defensoras da imprensa como um dos possíveis motivos para a sua restrição de viajar ao exterior.

Além disso, a pandemia de coronavírus, tema premiado pelo Pulitzer, é delicada para o governo indiano, que rebate as acusações de má gestão da crise sanitária.

“Não há razão para que a jornalista da Caxemira Sanna Irshad Mattoo, que tinha todos os documentos para viajar e ganhou um Pulitzer – um dos mais prestigiados prêmios de jornalismo – tenha sido impedida de viajar para o exterior”, disse Beh Lih Yi, coordenadora programa do Comitê para Proteção dos Jornalistas (CPJ) para a Ásia.

“Esta decisão é arbitrária e excessiva. As autoridades indianas devem cessar imediatamente todas as formas de assédio e intimidação contra jornalistas que cobrem a situação na Caxemira”, acrescentou.

Desde agosto de 2019, quando o governo indiano revogou o status de autonomia especial das regiões de Jammu e Caxemira, jornalistas relataram ao CPJ que estão sendo impedidos de viajar para o exterior, segundo a organização.

Em julho, Mattoo foi impedida de viajar para Paris de forma semelhante. Ela iria participar do lançamento de um livro e de uma exposição de fotografia, em convite feito por ser uma das 10 vencedoras do Serendipity Arles Grant 2020.

Mesmo com todos os documentos necessários para a viagem, a fotojornalista foi impedida de deixar a Índia.

“Apesar de entrar em contato com vários funcionários após o que aconteceu há alguns meses, nunca recebi resposta”, disse Mattoo sobre sua proibição de deixar o país.

Pulitzer lamenta ausência de fotojornalista

Durante a cerimônia de entrega dos prêmios, o co-presidente do Pulitzer, John Daniszewski, lamentou a ausência de Sanna Irshad Mattoo na premiação.

“Isso é mesquinho, altamente discriminatório e emblemático dos desafios que os jornalistas enfrentam em todo o mundo”, declarou.

“A ausência [de Mattoo] devido ao governo indiano impedir sua viagem ao exterior será notada”, disse Marjorie Miller, administradora do Prêmio Pulitzer, ao site Voice of America (VOA), acrescentando que Mattoo é o único jornalista impedido de participar da cerimônia de premiação deste ano.

Um porta-voz da Reuters também condenou a proibição do governo indiano.

“Estamos desapontados que Sanna Irshad Mattoo, uma colaboradora da Reuters, não tenha sido autorizada a viajar para os Estados Unidos para receber seu Prêmio Pulitzer em Nova York ao lado de seus colegas”, disse ao VOA. “Acreditamos que os jornalistas devem poder viajar livremente.”

Apesar da ausência na cerimônia, Matto receberá sua parte do prêmio de US$ 15 mil que será dividido igualmente entre os quatro jornalistas da Reuters, incluindo Danish Siddiqui, que foi morto no Afeganistão em julho de 2021.

“Na Índia, proibições arbitrárias de viagens tornaram-se cada vez mais a principal tática das autoridades para silenciar vozes independentes e críticas no país”, disse a Anistia Internacional em comunicado.