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Jornalista russa internada em hospital psiquiátrico é condenada a 6 anos por post no Telegram sobre a guerra

Maria Ponomarenko jornalista russa condenada guerra Ucrânia

Maria Ponomarenko, em vídeo da audiência que a condenou postado no Twitter pelo canal RusNews

Londres – A poucos dias do primeiro aniversário da invasão à Ucrânia, a Rússia condena mais um profissional de imprensa: a jornalista Maria Ponomarenko recebeu uma sentença de seis anos de cadeia por posts no Telegram sobre um ataque mortal de aviões de guerra russos em um teatro na Ucrânia. 

A prisão de Ponomarenko, em abril de 2022, teve repercussão internacional porque ela foi enviada a um hospital psiquiátrico na Sibéria, em um tipo de punição que lembrou a repressão na antiga União Soviética. Internada, ela teria tentado suicídio, segundo o RusNews, veículo onde ela trabalhava. 

O veredicto, anunciado nesta quarta-feira (15)  é o mais recente de uma série de decisões judiciais sob a lei sancionada por Vladimir Putin em março de 2022, destinada a criminalizar as críticas à guerra da Rússia contra a Ucrânia.

O Tribunal Distrital Leninsky de Barnaul, na Sibéria, considerou a jornalista de 44 anos por “espalhar notícias falsas” sobre o exército russo. Os promotores haviam solicitado uma pena de nove anos. 

Além de condenada à prisão, Ponomarenko também foi proibida de atuar como jornalista por cinco anos, segundo a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês). 

A profissional “não terá o direito de se envolver em atividades relacionadas à administração de sites, canais públicos de redes eletrônicas e de informação e telecomunicações, incluindo a Internet, por um período de cinco anos”, disse o serviço de imprensa do tribunal.

O motivo do processo que levou à condenação da jornalista russa foi uma postagem no canal Sem Censura no Telegram, em 17 de março de 2022, sobre o ataque a um teatro na cidade portuária da Ucrânia, Mariupol, que ficou sob controle russo após um longo cerco.

Cerca de 1,2 mil civis estavam abrigados dentro do teatro quando ele foi bombardeado por caças russos. A Anistia Internacional classificou o ato como crime de guerra.

O ataque foi amplamente documentado pela mídia internacional independente, mas o Ministério da Defesa da Federação Russa negou a autoria.

De acordo com o RusNews, Ponomarenko admitiu que escreveu o post, mas não concorda com a qualificação do “crime”.

Em uma declaração ao tribunal, Maria Ponomarenko, que usava uma impressão da estrela de David com a inscrição “Ativista da oposição, patriota, pacifista” em volta do pescoço, disse que não se considerava uma criminosa, segundo relatou a Anistia Internacional. 

“Tenho o direito de dizer a palavra ‘guerra’ porque estou sendo julgada sob as leis da censura militar”, afirmou, referindo-se à proibição das autoridades russas de se referir à invasão da Ucrânia como uma ‘guerra’.

Embora ela não tenha publicado o post no canal de notícias onde trabalhava, o RusNews manteve atenção sobre o caso e acompanhou a audiência. 

Jornalista russa condenada ficou em isolamento

Ponomarenko foi presa em abril de 2022 em São Petersburgo e transferida para um hospital psiquiátrico em Barnaul.

Ela disse ter sido levada à força para a clínica, onde foi obrigada a passar por uma “avaliação psiquiátrica” e injetada à força com substâncias desconhecidas quando exigia seus pertences pessoais e itens de higiene.

Segundo a ONG de direitos humanos OVD -Info, o protocolo de avaliação psiquiátrica de suspeitos de crimes não inclui nenhuma injeção.

Em setembro, o RusNews informou que a profissional havia tentado tirar a própria vida depois de ser colocada numa cela de isolamento com as janelas lacradas.

Marie Struthers, da Anistia Internacional Diretor para a Europa Oriental e Ásia Central, falou sobre a condenação: 

“A sentença de Maria Ponomarenko mostra que, na Rússia, dizer a verdade, denunciar um crime de guerra e exigir justiça pela morte de civis tornou-se um crime grave punível com muitos anos de prisão.

Sua condenação é mais um exemplo da injustiça e do cinismo das autoridades russas, que são perturbadoramente rotineiras. As autoridades estão tentando prender todos aqueles que discordam deles e intimidar os outros a ficarem calados e olhar para o outro lado, em vez de arriscar anos atrás das grades”.

De acordo com a OVD-Info, 138 pessoas já fora processadas com base no artigo 37.3 do Código Penal, que criminaliza o que o governo chama de “fake news” sobre o exército russo, e 46 respondem a ações sob o código 280.3, que prevê punição para quem desacreditar as forças armadas.

Dos réus, 20% são mulheres, e 103 foram presos antes de terem a sentença proferida por um tribunal.

Um dos condenados é o jornalista especializado em assuntos de guerra Ivan Safronov, que em setembro passado pegou 22 dois anos de reclusão em uma colônia penal por “alta traição”.

Os processos atingem até quem vive fora do país e não tinha histórico de militância política ou trabalha para um veículo de comunicação reconhecido.

É o caso da blogueira de moda Veronika Belotserkovskaya, que após a guerra fez postagens no Instagram sobre o drama das crianças ucranianas no Instagram e acabou indiciada. 

Ela vive na França, mas em janeiro teve seus bens na Rússia congelados. 

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