Londres – Uma sequência de crimes contra jornalistas colocou a República de Camarões no radar das organizações de direitos humanos e liberdade de imprensa nas últimas semanas. 

O caso mais recente foi o Jean Jacques Ola Bébé, encontrado morto em Yaoundé, capital de Camarões, no dia 2 de fevereiro.

Em 22 de janeiro, o corpo do jornalista e ativista de direitos humanos Martinez Zogo, diretor da Rádio Amplitude FM, havia sido encontrado após ele estar há cindo dias desaparecido. Segundo as investigações em curso, Zogo teria sido sequestrado, espancado e assassinado por oficiais de inteligência do governo.

Assim como Zogo, Ola Bébé era conhecido por suas críticas à liderança de Paul Biya, presidente de Camarões há mais de 40 anos. Ainda não se sabe se há ligação entre os dois casos, segundo relato do IPI (International Press Institute). 

Jornalistas sob risco em Camarões 

Embora a República de Camarões tenha subido 23 posições no ranking anual de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras em 2022, ela figura apenas em 118º lugar na lista de 180 nações. 

A organização considera que não é fácil atuar como jornalista no país, já que há um cenário de ameaças e assédio para quem cobre assuntos relacionados ao governo e seus aliados.

O país africano conta com cerca de 500 veículos de mídia, um dos melhores cenários da África. Porém, o governo do presidente Paul Biya faz uso de leis para censurar e intimidar jornalistas, muitos dos quais acabam praticando uma espécie de ‘autocensura’ para se preservar.

Nesse cenário, o assassinato de dois jornalistas de oposição ao governo central em um período tão curto não parece coincidência.

Ola Bébé era um  locutor de rádio e televisão de vários veículos privados, além de atuar como padre católico ortodoxo. Ele era conhecido por atacar o governo abertamente em seus programas de rádio, fazendo críticas e denúncias de corrupção.

O corpo foi encontrado perto de sua casa em Mimboman, no subúrbio de Yaoundé, capital de Camarões. Segundo relatos, ele foi baleado por assaltantes não identificados.

Antes de sua morte, Ola Bébé disse à Rádio Galaxy FM, de Camarões, que estava recebendo ameaças de morte regulares, que suspeitava terem partido de autoridades.

O jornalista também teria dito à esposa que estava preocupado com sua segurança e proteção depois de ser seguido por desconhecidos.

A Diretora-Geral da Unesco, Audrey Azoulay, condenou o assassinato de Ola Bébé e pediu que sejam tomadas as medidas cabíveis para investigar o caso:

“Apelo às autoridades para que investiguem este crime e apurem se está relacionado com o seu trabalho como jornalista.

Os responsáveis ​​devem ser processados ​​para defender o estado de direito e proteger a mídia da censura armada.”

O caso Martinez Zogo

No caso de Zogo, as investigações em curso indicam uma relação de proximidade entre os mandantes de sua morte e o poder central em Camarões. Sua morte provocou reação em vários países, por sua militância como defensor dos direitos humanos. 

Inicialmente, foram presos 20 funcionários da Direção-Geral de Investigações Externas de Camarões, incluindo o chefe da unidade, Maxime Eko Eko, e o seu diretor de operações especiais, Justin Danwe.

O depoimento de seis dessas pessoas, incluindo Danwe, apontou uma relação com o empresário Jean-Pierre Amougou Belinga, dono do jornal L’Anecdote e do canal de TV Vision 4.

Segundo a Repórteres Sem Fronteiras, a principal linha de investigação atual é de que Belinga seja o mandante do crime, com possíveis conexões com o atual ministro da Justiça, Laurent Esso. Há evidências de que Belinga esteve presente na cena do assassinato de Zogo, disse a entidade. 

A análise dos celulares dos suspeitos mostra ainda ligações entre o então diretor de operações especiais Justin Danwe e Belinga. E também entre Belinga e Laurent Esso.

Outro crime chocou o país

Não é o primeiro crime envolvendo um profissional de imprensa em Camarões nos últimos anos. Em agosto de 2019, o jornalista e defensor dos diretos humanos Samuel Wazizi foi detido sob acusação de terrorismo, por denunciar violações praticadas pelo governo na região anglófona no país, e morreu no cárcere. 

Ele era fotojornalista e apresentador de um programa na Chillen Music Television (CMTV), um canal regional privado de língua inglesa na cidade de Buea,  região sudoeste de Camarões. 

Apenas dez meses depois, o governo admitiu que Wazisi havia morrido na prisão. O corpo nunca foi devolvido à família para o funeral.