Londres – Aproveitando a conferência da Unesco “Internet for Trust”, realizada em Bruxelas no dia 21 de fevereiro para debater regulamentação das redes sociais, o Fórum sobre Informação e Democracia publicou um novo relatório com recomendações para Estados e plataformas de mídia social.
O Fórum é responsável pela implementação das diretrizes da Parceria Internacional para Informação e Democracia, assinada por 50 estados em todo o mundo (o Brasil não é signatário).
O comitê diretivo do grupo de trabalho que elaborou o documento foi presidido por Pier Luigi Parcu, diretor do Centro para Liberdade de Mídia e Pluralismo do Instituto Universitário Europeu em Florença, Itália.
Pesquisadores, jornalistas e especialistas em tecnologia como William Bird, do Media Monitoring Africa na África do Sul; a jornalista brasileira Patricia Campos Mello, conhecida por sua cobertura da desinformação do ex-presidente Jair Bolsonaro, e Angela Phillips, professora emérita da Universidade de Londres, contribuíram com sua experiência para o documento final.
O grupo mobilizou dezenas de especialistas na área e recebeu contribuições de todo o mundo. A concentração de poder e a situação do Twitter, que alarmou os que temem os efeitos da desinformação depois da aquisição da plataforma por Elon Musk, foram abordadas na abertura do relatório, assinada por Parcu.
“O alto nível de concentração no segmento de plataformas digitais aumenta os riscos ao acesso e troca de notícias e informações, já que o controle dos sistemas de recomendação tende a ser decidido por alguns atores empresariais influentes, que podem não ter interesse em buscar soluções que respeitem os objetivos democráticos.
Como um exemplo, hoje em dia o mundo aguarda com ansiedade os caminhos a serem seguidos pelo Twitter e suas futuras políticas internas após a aquisição por um controverso magnata da tecnologia.”
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Regulamentação das redes sociais para aumentar pluralismo
A organização de liberdade de imprensa Repórteres Sem Fronteiras, que lidera o trabalho do Fórum, salientou os riscos das bolhas algorítmicas para a democracia e a liberdade citando o vandalismo ocorrido no Brasil:
Os ataques a instituições democráticas como o Capitólio em Washington ou o Palácio do Planalto em Brasília são uma grande preocupação para o futuro.
Segundo os integrantes do relatório, elas são resultado de uma onda ameaçadora para as democracias: a polarização do debate público e a fragmentação das sociedades, vinculada ao funcionamento das plataformas digitais e redes sociais.
O relatório critica o modelo de negócios das plataformas, que segundo os autores do documento é baseado na “economia da atenção”, que incentiva a desinformação, teorias conspiratórias e o acirramento das tensões entre indivíduos, grupos sociais e campos políticos, com efeitos para a democracia:
“Essa radicalização de pontos de vista e opiniões tende a polarizar as sociedades democráticas, em detrimento de uma lógica pluralista.”
Garantir o pluralismo na curadoria de conteúdo é a prioridade do Fórum Informação e Democracia.
“As ferramentas de curadoria e indexação de informações – ou seja, agregação, classificação e priorização de informações – devem fornecer soluções alternativas , permitindo pluralismo de indexação e liberdade de escolha para os usuários”, destaca a Repórteres Sem Fronteiras.
Para implementar este princípio, o Fórum faz em seu relatório várias recomendações aos Estados e plataformas digitais, como:
Separar as funções de hospedagem e curadoria de conteúdo para abrir o mercado de algoritmos à concorrência;
Garantir que as plataformas ofereçam a seus usuários várias opções de curadoria e indexação de conteúdo, incluindo opções não algorítmicas;
Apoiar, por meio de financiamento público, o desenvolvimento de normas técnicas que promovam a diversidade de conteúdo em plataformas online;
Exigir que as plataformas divulguem critérios de seleção de conteúdo para que os usuários possam escolher os algoritmos que usarão.
O relatório também propõe várias maneiras de dar aos usuários o poder sobre os algoritmos, em particular por meio de um melhor controle sobre seus dados pessoais usados para traçar um perfil e direcioná-los com conteúdo específico.
Para os autores do documento, as soluções devem permitir que os usuários saiam mais facilmente “das bolhas de filtragem em que estão presos”. Entre as principais estão:
Dar aos usuários mais controle sobre o conteúdo que eles veem, fortalecendo os requisitos de transparência e oferecendo aos usuários o direito de personalizar seus feeds;
Garantir que opções alternativas sejam acessíveis e compreensíveis para o público;
Exigir que as plataformas implementem medidas de interoperabilidade, facilitando a troca de serviços pelos usuários.
As recomendações serão dirigidas aos 50 Estados que fazem parte da Parceria Internacional para Informação e Democracia, um grupo que se reúne anualmente em um evento paralelo à Assembleia Geral da ONU para discutir a implementação de princípios democráticos no espaço digital.
Desafios para regulamentação na América Latina
Na América Latina, a implementação das medidas será mais complexa.
O relatório tem um capítulo dedicado à região, que constata a partir de conversas com especialistas que a falta de informação e transparência sobre o conteúdo online levam a dificuldades em fazer recomendações ou sugestões para melhorar o pluralismo de notícias e informações na distribuição de conteúdo.
Eles reconhecem que, embora este seja um problema global, na América Latina o problema se aprofunda porque as plataformas e seus executivos não se sentem obrigados pelos governos a dar qualquer grau de explicação sobre como essas ferramentas são aplicadas, como é caso na Europa e nos Estados Unidos.
Os autores do documento afirmam que um regulador estatal para países onde as instituições democráticas são frágeis não é um caminho recomendado, visto que a regulamentação pode ser “capturada” por interesses políticos e ser usada como mecanismo de censura.
A íntegra do relatório pode ser vista aqui.
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