Em janeiro, o repórter fotográfico ucraniano Anton Skyba viajou para a região de Donbass, no leste da Ucrânia, para mostrar a situação na cidade de Chasiv Yar, perto do front da guerra. Ele foi bem preparado.

Em uma conversa com a organização Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ), o jornalista listou os itens em sua mala: equipamento de proteção individual, incluindo capacete e kit de primeiros socorros “para estilhaços”; um saco de dormir, quatro baterias para garantir a energia necessária aos equipamentos e um fogão de acampamento para suprir água quente e ajudar na falta de calor.

Também levou um rastreador e um telefone que operava via satélite para a comunicação e um par extra de botas para condições extremamente lamacentas. E não esqueceu de uma pequena garrafa de molho Tabasco, “que lhe permitia consumir literalmente qualquer alimento”.

Itens de sobrevivência na bagagem de repórteres na guerra

Skyba, fotojornalista do jornal canadense Globe and Mail, reconheceu que tem o privilégio de ter esses itens salva-vidas, enquanto alguns freelancers lutam para sobreviver durante noites com temperaturas abaixo de zero nos porões da linha de frente.

Mas um ano após a invasão da Ucrânia pela Rússia, os jornalistas nunca estão suficientemente preparados.

“Operar na Ucrânia é ser absolutamente autônomo e depender exclusivamente de você, de sua equipe e de tudo o que está em seu carro, se você tiver um”, disse Skyba.

A guerra na Ucrânia teve um enorme impacto sobre a imprensa do país. Desde fevereiro passado, 15 jornalistas locais e internacionais foram mortos, treze deles em relação direta com seu trabalho. Muitos ficaram feridos e inúmeros outros enfrentaram problemas de saúde mental.

No entanto, para os jornalistas locais, o choque inicial da guerra – e a confusão sobre como cobri-la com segurança – deu lugar a um crescente senso de resiliência, pois eles foram forçados a se adaptar a seus novos papéis como correspondentes de guerra em tempo integral.

Em entrevistas ao CPJ, os jornalistas disseram não apenas que estão comprometidos em continuar cobrindo a guerra, mas também preparados para os desafios que virão. E o equipamento adequado é apenas uma parte da história.

Repórteres da Ucrânia não tiveram escolha 

Embora quase oito milhões de ucranianos tenham fugido do país desde fevereiro passado, segundo dados da ONU, muitos dos jornalistas do país optaram por ficar e cobrir o conflito.

Eles relembram aquelas primeiras semanas como um período de pânico, uma época assustadora e caótica, quando as reportagens eram envoltas pela névoa da guerra.

A velocidade brutal da invasão fez com que a imprensa do país rapidamente se tornasse correspondente de guerra, “uma escolha que os jornalistas ucranianos não fizeram”, disse Skyba ao CPJ.

A confusão geral, a fluidez da situação e o déficit de informações confiáveis ​​não permitiam às autoridades aconselhar da melhor maneira os movimentos dos jornalistas, enquanto as tropas russas invadiam de várias frentes.

Mesmo os mais experientes como Skyba, que cobriu em 2014 a anexação russa da Crimeia e os combates na região de Donbass, ficaram surpresos com a rapidez e a escala da invasão. Poucas outras histórias importavam.

“Tínhamos pessoas que eram jornalistas esportivos ou da área de cultura que se tornaram correspondentes de guerra”, diz Nataliya Gumenyuk, uma das co-fundadoras do Public Interest Journalism Lab, um grupo que pesquisa e implementa as melhores práticas jornalísticas.

“Uma nova geração apareceu em grande parte por causa da escala da guerra”.

Um exemplo é Kristina Berdynskykh, que disse ao CPJ que seu trabalho “mudou completamente” após a invasão. Repórter política de veículos como o New Voice of Ukraine, ela mudou para o trabalho freelance, contando as histórias de pessoas comuns em tempos de guerra.

Em fevereiro e março do ano passado, ela passou 17 dias na estação de metrô Obolon, de Kiev,  com sua mãe e um parente adolescente.

“No começo, não entendíamos os sons”, disse ela sobre os ruídos desconhecidos sob o teto do metrô.

“É defesa aérea? É um ataque? Não costumávamos viver em uma guerra. Para nós, tudo era completamente novo.”

Equipamentos de proteção para repórteres e fotojornalistas na Ucrânia

Nos primeiros dias da invasão, jornalistas e redações ucranianas precisaram desesperadamente de equipamentos de proteção individual para preservar as vidas dos profissionais, como capacetes e coletes balísticos.

Mas naquele ponto, a oferta era tão baixa que muitos ficaram em apuros.

Katerina Sergatskova, editora-chefe do canal de notícias online ucraniano Zaborona , deu aos jornalistas locais seis coletes à prova de balas antes de procurar equipamentos fora do país. Ela co-fundou o Fundo 2402 , uma organização que fornece equipamentos de segurança e treinamento para jornalistas na Ucrânia.

O próprio CPJ também ajudou nesses esforços, enviando suprimentos médicos salva-vidas e kits individuais de primeiros socorros a jornalistas ucranianos, bem como orientando-os a buscar apoio de outros grupos de defesa da liberdade de imprensa. 

O equipamento de proteção pode ser proibitivamente caro, especialmente para freelancers. Mykola Pastukh é um jornalista que forneceu apoio à imprensa estrangeira após o início da guerra. Ex-diretor de fotografia, ele tinha um carro e equipamentos de câmera.

O problema é que não tinha condições de comprar um capacete ou um colete. Depois de quase ter sido ferido durante uma reportagem que fazia com uma equipe dos EUA, decidiu comprar o colete de um soldado. Mas mesmo passando a usar equipamento, seu braço foi parcialmente paralisado em um bombardeio posterior.

Para ajudar os jornalistas locais a se prepararem, o Fundo 2402 oferece o Treinamento de Primeiros Socorros em Ambientes Hostis (HEFAT). São as mesmas aulas oferecidas a muitos correspondentes estrangeiros que se dirigem para cobrir conflitos globais.

Skyba, que ensina avaliação de risco como parte dos cursos do 2402, ressalta o quão vital essa informação é para os jornalistas – estejam eles cobrindo a guerra ou simplesmente tentando sobreviver ao longo de sua nova rotina diária.

A repórter Berdynskykh disse ao CPJ que o momento mais perigoso que ela enfrentou não foi em uma viagem a trabalho, mas durante um passeio na véspera de Ano Novo, quando bombas caíram perto de seu carro.

“Não há outra opção para quem quer sobreviver”, disse Skyba. “Para os jornalistas locais, a avaliação dos riscos é necessária o tempo todo. Até mesmo pegar a rua errada pode colocar em risco sua vida. Um míssil pode cair a qualquer segundo no prédio mais próximo… e é o fim!”

Jornalistas se adaptam, mas de olho em novas ameaças

As redações ucranianas adaptaram suas práticas à cobertura de guerra. Em Zaborona, os jornalistas realizam avaliações de risco e fazem ligações periódicas de checagem quando estão fazendo reportagens. A publicação oferece opções de evacuação se a situação for considerada muito perigosa.

O veículo oferece também apoio psicológico. As equipes trabalham em turnos: enquanto uma está na linha de frente, outra opera em um local menos perigoso. Ninguém fica na linha de frente por mais de uma semana, para garantir que todos tenham tempo para descansar.

À medida que a guerra se arrasta, novas ameaças e complicações surgiram. Como o trabalho em áreas contendo munições não detonadas.

Os ataques à infraestrutura energética do país obrigaram a mídia a operar em meio a constantes apagões. As redações passaram a competir com as unidades militares para comprar parabólicas que se conectam a satélites Starlink e fornecem serviço de internet em áreas remotas, a fim de manter suas operações funcionando, diz Skyba.

Os jornalistas da Ucrânia também enfrentam desafios únicos para sua saúde mental. As histórias que cobriram, inclusive de crimes de guerra em Mariupol e Bucha, podem cobrar um alto preço psicológico. Mas, ao contrário de seus colegas estrangeiros, eles não podem voltar para países pacíficos.

Repórteres não querem parar de cobrir a guerra

Gumenyuk, co-fundadora do Public Interest Journalism Lab, disse que a vida de muitos colegas foi totalmente destruída pela guerra. Ela citou colegas cujas casas em Irpin e Chernihiv foram bombardeadas ou que foram detidos fazendo reportagens no leste da Ucrânia.

Muitos repórteres disseram que lidam com o estresse crônico na Ucrânia. E todo estresse gera fadiga, e a fadiga pode levar a erros, o que apenas aumenta o risco, ressalta Skyba.

No entanto, os jornalistas se sentem relutantes em fazer uma pausa. Para muitos, sua profissão é uma forma de servir ao país, sem portar armas. 

Vários disseram ao CPJ que vivem com a sensação de que não estão fazendo o suficiente se não estiverem atuando nas linhas de frente, expostos ao perigo, como os colegas que preferiram largar a profissão para lutar na guerra.

Além disso, há as perdas da guerra: amigos, parentes e colegas mortos.

Falando dessa experiência, Berdynskykh relembrou seu primeiro conhecido que foi vítima da guerra: Maks Levin, o fotojornalista ucraniano que foi encontrado morto após desaparecer na região de Kiev, logo no início do confronto.

“Não sei como nos adaptamos”, diz Sergatskova. “O que fica claro nessa cobertura são os desafios de saúde mental que os repórteres da Ucrânia enfrentam. Há uma enorme necessidade de psicólogos que entendam os detalhes do jornalismo para apoiar especificamente os profissionais”.

Jornalistas ucranianos dizem que estão preparados para cobrir a guerra a longo prazo. Os meios de comunicação internacionais também parecem estar: os jornais The New York Times e The Washington Post abriram novas sucursais em Kiev no ano passado, fortalecendo sua presença.

À medida que o primeiro aniversário da invasão se aproximava, os jornalistas locais demonstraram preocupação com o que Sergatskova, a editora-chefe do Zaborona, chamou de “fadiga ucraniana”: o risco de a atenção do mundo se voltar para o próximo conflito, o próximo escândalo.

Aconteça o que acontecer, a imprensa da Ucrânia deve continuar sendo os olhos e ouvidos de seu país, contando a história da guerra que, sem dúvida, mudará a Ucrânia para as próximas gerações.

“Entendo que a guerra continua e talvez tenhamos alguns anos de confronto pela frente. Tenho certeza de que cobrirei esta guerra porque não tenho escolha”, diz Berdynskykh. “Vou morar na Ucrânia. Preciso cobrir esta guerra.”


Este artigo foi publicado originalmente pelo Comitê de Proteção a Jornalistas sob licença 

Lucy Westcott é diretora do Departamento de Emergências do CPJ. Ela supervisiona o trabalho de assistência e segurança do CPJ em todo o mundo. Anteriormente, teve reportagens publicadas em veículos como Newsweek, The Intercept, Bustle, The Atlantic e Women Under Siege, e foi correspondente das Nações Unidas para a Inter Press.