Londres – Quatro dias após a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro de 2022, o jornalista espanhol Pablo Gonzalez foi preso quando cobria a crise humanitária provocada pela guerra na fronteira com a Polônia – e completou nesta terça-feira um ano sob custódia policial, sem data marcada para ser julgado nem divulgação de provas contra ele.
González é especialista em assuntos soviéticos e colabora para veículos espanhóis e internacionais, como o Politico.
Segundo a Federação Internacional de Jornalistas, as autoridades polonesas fundamentaram a acusação de espionagem sob o argumento de que ele possuía dois passaportes com nomes diferentes.
O passaporte russo de González o identifica como Pavel Rubtsov, usando o sobrenome de seu pai, enquanto no documento espanhol o nome é Pablo González Yagüe, usando os dois sobrenomes de sua mãe.
A explicação não foi suficiente, e ele foi capturado por agentes da Agência de Segurança Interna (ABW), o serviço de contra-espionagem polonês, a 13 quilômetros da fronteira polonesa-ucraniana.
Jornalista preso tem dupla nacionalidade
No dia em que a prisão completou um ano, a mulher de González, Oihana Goiriena , disse à RTVE, emissora estatal espanhola, que o último contato com o marido foi uma carta recebida no dia 2 de fevereiro, mas datada de 21 de dezembro.
Goiriena nega que o marido trabalhe para a espionagem russa . “É como estar em um filme, é surreal”, comentou, reiterando que a única relação que ele tem com a Rússia é a família porque seu pai está lá.
As Federações Internacional e Europeia de Jornalistas (IFJ e EFJ) divulgaram uma nota instando as autoridades polonesas a libertarem o repórter e assegurarem um julgamento justo.
“O processo ainda está no Ministério Público. Trata-se de uma investigação e não se sabe quanto tempo levará. Na Polônia, as investigações em grandes casos levam vários anos”, disse à IFJ o advogado polonês, Bartosz Rogała.
“Na minha opinião, o caso irá para a Justiça o mais tardar em meados deste ano”, acrescentou.
“Não há prazos máximos para detenção na Polônia”, observou Rogala. “A prisão preventiva, mesmo por vários anos, é comum em casos importantes. Se alguém é estrangeiro, muitas vezes o Tribunal reconhece que existe o receio de fuga, que é um dos motivos da detenção”, afirmou o advogado.
Leia também | Guerra: 27 jornalistas já morreram defendendo a Ucrânia como soldados no front de batalha
A defesa do jornalista recorreu de todas as decisões do tribunal de prorrogação da prisão preventiva.
Em setembro de 2022, González apresentou uma denúncia ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos por violação de seus direitos e, em particular, por sua classificação como ‘prisioneiro perigoso’.
Embora não seja mais classificado como tal, o repórter permanece no mesmo departamento do sistema penitenciário polonês para presos perigosos, o que significa que ele fica isolado 23 horas por dia, permanece algemado ao sair de sua cela e é mantido sob rígido monitoramento.
Grupo de pressão ataca Polônia
A Associação #FreePabloGonzález, criada por sua família e amigos, denunciou a falta de transparência e informação em torno da situação do jornalista preso cobrindo a guerra em território polonês.
“A comunicação com ele é muito limitada. Leva cerca de três meses para suas cartas chegarem da Polônia à Espanha. Sua esposa e mãe de seus filhos, Oihana Goiriena, foi autorizada a visitá-lo pela primeira vez no final de novembro, após nove meses de prisão”, explicou o porta-voz da associação, Juan Teixeira.
“Nenhum outro jornalista na União Europeia está detido em outro estado membro sob tais condições.”
“A libertação de Pablo González é uma exigência ética, especialmente em um país da União Europeia que supostamente defende a liberdade de expressão”, afirmou Miguel Ángel Noceda, presidente da Federação das Associações de Jornalistas Espanhóis (FAPE).
Leia também | Rússia x Ucrânia: mais de 900 ataques à imprensa e 12 jornalistas mortos em 1 ano de guerra
Agustín Yanel, Secretário-Geral da Federação dos Sindicatos dos Jornalistas(FeSP) da Espanha, declarou:
“É inédito e totalmente condenável que um Estado-membro da União Europeia que se diz democrático mantenha Pablo González na prisão por um ano, sem julgamento e sem respeitar os direitos mais elementares que qualquer pessoa detida deve ter”.
A Associação de Jornalistas da Espanha (UGT) pediu a libertação imediata de Pablo González e que ele seja julgado com todas as garantias e com o apoio consular do Governo espanhol.
A Anistia Internacional e a Repórteres Sem Fronteiras também saíram em defesa do jornalista quando ele completou um ano preso na Polônia por seu trabalho na guerra.
“Lamentamos que o tribunal polonês tenha se recusado a libertar o jornalista Pablo González enquanto aguarda julgamento por espionagem. A detenção, uma medida preventiva particularmente dura, deve terminar o mais rápido possível”, disse o representante da RSF para a região dos Balcãs, Pavol Szalai.
A Anistia apontou desrespeito ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que estabelecem que toda pessoa deve ser informada o mais rápido possível sobre os motivos de sua detenção, bem como de todos os seus direitos de contestá-la.
Além disso, as pessoas acusadas de delitos criminais não devem, como regra geral, permanecer sob custódia enquanto aguardam julgamento, diz a entidade, defendendo o direito à liberdade sob fiança.
Leia também | Como os jornalistas da Ucrânia se adaptaram à nova realidade depois da invasão russa