Londres – Em Londres, houve em fevereiro uma cerimônia de premiação no tapete vermelho da British Academy Film Awards (BAFTA) para celebrar o melhor do cinema e da televisão – e o prêmio melhor documentário foi para ‘Navalny’, que detalha as consequências do ataque com veneno ao líder da oposição russa Alexey Navalny em 2020, uma das produções indicadas ao Oscar 2023.
O documentário é centrado na investigação sobre quem estava por trás de seu envenenamento com o agente químico Novichok, uma investigação liderada por membros da equipe anticorrupção de Navalny e por Christo Grozev, especializado em assuntos russos e principal jornalista investigativo do site Bellingcat.
Grozev não compareceu à cerimônia em Londres porque representava um “risco de segurança do evento”. A produtora de ‘Navalny’, Odessa Rae, revelou ao receber o prêmio que a vida de Grozev está “sob ameaça do governo russo e de Vladimir Putin”.
O jornalista foi recentemente forçado a se mudar de sua casa em Viena, na Áustria, depois de avisado de que sua vida também poderia estar em perigo lá. Falando sobre a cerimônia do BAFTA, ele escreveu no Twitter:
“Momentos como este mostram os crescentes perigos para jornalistas independentes em todo o mundo. Esses perigos não decorrem apenas de ditadores assassinos, mas também de ter as vozes dos jornalistas abafadas – em vez de amplificadas – pelo mundo civilizado que eles estão tentando servir.”
These dangers don't stem just from murderous dictators, but also from having journalists' voices hushed – instead of amplified – by the civilized world they are trying to serve.
— Christo Grozev (@christogrozev) February 17, 2023
‘Navalny’ também está entre os cinco filmes que concorrem a Melhor Documentário de Longa-Metragem na 95ª edição do Oscar, em 12 de março (outros cinco estão indicados na categoria de Melhor Documentário de Curta-Metragem).
Não está claro se Grozev comparecerá à cerimônia em Hollywood, mas a equipe do filme espera que outra vitória confirme o status do documentário como um dos melhores filmes do ano passado – não importa o quão poderosas sejam as pessoas que se opõem a ele.
Conheça os indicados ao Oscar de Melhor Documentário
Navalny
O documentário indicado ao Oscar 2023 ‘Navalny’, de Daniel Roher, mostra que quando o líder da oposição russa Alexey Navalny acordou da tentativa de envenenamento que quase tirou sua vida, foi informado de que havia sido alvo do agente Novichok.
Sua resposta, de acordo com o documentário? Ele disse, muito claramente: “Que ***! Isso é tão estúpido!”.
O Kremlin sempre negou estar por trás do envenenamento do homem que esperava um dia derrubar Vladimir Putin. Mas como Navalny aponta no documentário, usar um veneno perigoso e quase impossível de adquirir limita bastante o campo de possíveis suspeitos.
“Se você quer matar alguém, atire nele, Jesus Cristo”, continuou Navalny, indignado com a audácia do ataque. “Putin não deveria ser tão estúpido”.
Esse documentário aprofunda o ataque a Navalny, investigando os agentes secretos russos que os cineastas e Grozev da Bellingcat dizem estar por trás do ataque.
Enquanto o filme percorre o circuito de festivais, o próprio Navalny definha em uma prisão russa: após o envenenamento, ele foi julgado e preso por fraude e desacato ao tribunal, acusações amplamente consideradas forjadas pelo mesmo regime que tentou matá-lo.
Toda a beleza e o derramamento de sangue (All the beauty and the bloodshed)
A fotógrafa Nan Goldin ficou famosa lutando contra o sistema. Ela diz que foi informada de que ninguém “fotografa suas próprias vidas” e enfrentou forte resistência de artistas e galeristas do sexo masculino que achavam que seu trabalho não convencional desafiava as normas estabelecidas.
Mas, como diz a artista nascida nos Estados Unidos: “a fotografia é como um flash de euforia e me deu uma voz”.
Goldin é o tema desse documentário com sua mais recente batalha, uma campanha para destacar as conexões entre uma das principais famílias filantrópicas dos Estados Unidos – que estão presentes em muitas das maiores galerias e museus do país – e as empresas farmacêuticas que lucram com uma crise de medicamentos prescritos.
A cineasta Laura Poitras (que já ganhou um Oscar por seu documentário, “Citizenfour” sobre os vazamentos de Edward Snowden na NSA ), conta essa história por meio de entrevistas, apresentações de slides, fotos da própria Goldin e filmagens dos protestos de estilo guerrilheiro que ela realizou em grandes instituições artísticas.
Um crítico de cinema do Financial Times disse que o filme era “ferozmente poderoso… Um lembrete do que pode ser alcançado por aqueles que suportam a dor e a transformam em verdade”.
Uma casa feita de farpas (A house made of splinters)
“Nosso abrigo é uma casa construída de tristeza. Cada criança deixa uma marca duradoura nas paredes desgastadas do abrigo. Por nossa conta e pelos amigos que eles fazem aqui”, diz uma das pessoas que aparecem em “A house of splinters”.
Esse documentário indicado ao Oscar foi filmado antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, mas lida com o legado de uma incursão anterior nas áreas da fronteira leste do país.
O diretor Simon Lereng Wilmont e a produtora Monica Hellström filmaram o documentário em um grande orfanato “desorganizado” perto da linha de frente no leste da Ucrânia, um lugar onde as crianças se sentam e esperam por pais perdidos, brincam, choram, sussurram e dão cambalhotas pelos corredores.
A maioria das crianças viu suas casas destruídas pela pobreza, violência e guerra – as mulheres que administram o abrigo recolhem os pedaços. “A vida sempre foi difícil aqui”, diz uma das mulheres para a câmera. “A guerra tornou as coisas ainda piores, mas ainda há esperança”.
Tudo que respira (All that breathes)
Um favorito ao Oscar de Melhor Documentário – depois de ganhar prêmios em Sundance e Cannes – é o documentário “meditativo” de Shaunak Sen sobre dois irmãos em Delhi que construíram um hospital improvisado em seu porão para cuidar dos milhafres-pretos, espécie de ave de rapina, que sofrem com os famosos céus poluídos da cidade.
“Não se deve diferenciar tudo o que respira”, diz um dos irmãos à câmera. Filmado ao longo de vários anos e elaborado a partir de 400 horas de filmagens originais, os críticos chamaram o filme de “uma peça notável e vital do cinema”.
Carol Midgley escreveu no The Times (Reino Unido) que o documentário é “simples em sua narrativa lenta e calma, mas profundo nos pontos filosóficos que levantou sobre como estamos todos conectados no vasto ecossistema”.
Até agora, o público que vai ao cinema parece concordar, e o filme obtém uma classificação incrível de 99% entre os críticos do Rotten Tomatoes.
Fogo de amor (Fire of love)
Durante duas décadas, os vulcanologistas franceses Katia e Maurice Krafft viajaram pelo mundo, observando vulcões de perto, fritando ovos na lava que escorria e vestindo roupas prateadas para se protegerem do calor intenso enquanto estudavam algumas das regiões mais violentas da Terra e seus fenômenos naturais de perto.
Esse documentário – feito por Sara Dosa e disponível no canal NatGeo – mostra esse relacionamento “explosivo” de dois jovens cientistas que se conhecem em um encontro às cegas em um café para uma vida passada flertando com a morte.
Cada aventura foi meticulosamente documentada, com centenas de horas de filmagens feitas pela dupla e milhares de fotos. “Se ele vai morrer, prefiro ficar com ele”, diz Kátia, para a câmera. “Somos loucos por ficar aqui e ainda assim ficamos”.
O casal morreu em uma explosão vulcânica em 1991 no Monte Unzen, no Japão, mas os cineastas dizem que seu legado “enriqueceu para sempre nosso conhecimento do mundo natural”. A Rolling Stone chamou o documentário de “sublime… obra-prima mais estranha que a ficção”.
Conheça também os indicados ao Oscar de Melhor Documentário Curta-Metragem
O efeito Martha Mitchell (The Martha Mitchell Effect)
“Martha Mitchell atingiu esta cidade como uma bomba”, afirma um dos entrevistados nesse documentário sobre a denunciante de Watergate, Martha Mitchell, que, pouco depois de o escândalo se tornar público, pediu que o presidente Nixon renunciasse.
“Eu falo o que acredito”, aponta Mitchell, imaculadamente vestida e sempre dando socos verbais com um sorriso. “Esse homem sabia o que estava acontecendo. Ele foi negligente em ser presidente.”
Mas, como esposa do primeiro procurador-geral de Nixon, John Mitchell (que renunciou ao cargo para comandar a campanha de reeleição repleta de escândalos do presidente), seus comentários causariam dores de cabeça incalculáveis para a Casa Branca.
O documentário combina notícias e imagens de arquivo para detalhar como o mesmo governo do qual seu marido fazia parte fez uma campanha para afastá-la, tentando silenciá-la.
O LA Times diz que o documentário é “um retrato emocionante do sexismo político, enquanto a esposa do delator da era Nixon passa de adorada contadora da verdade a bode expiatório da conspiração”.
Transportar para fora (Haulout)
Este pequeno documentário nova-iorquino foi feito pelos irmãos russos Evgenia Arbugaeva e Maxim Arbugaev.
O filme segue o trabalho de um cientista enviado para uma remota praia do Ártico e detalha os efeitos caóticos das mudanças climáticas e do derretimento do gelo marinho nas morsas do Pacífico.
A paleta visual do filme é sombria: cinza, enevoada e cheia de névoa densa pairando sobre um mar agitado. O cientista está baseado em uma cabana deserta à beira-mar – onde os dois cineastas ficaram por uma temporada inteira para gravar.
A dupla cobre histórias sobre o Ártico há mais de uma década, mas este é seu primeiro filme. Evgenia chamou a produção do documentário de “uma experiência tão visceral”, já que o “cheiro de amônia, excremento e carne podre era insuportável”.
O LA Times diz que “no temor apocalíptico do visual dominante e inesquecível deste filme absoluto…teme-se, um presságio sombrio para todos nós.”
Estranho no portão (Stranger at the gate)
O segundo documentário nova-iorquino a entrar na lista de finalistas do Oscar este ano conta a história de um ex-fuzileiro naval diagnosticado com transtorno de estresse pós-traumático (PTSD em inglês) que estava “em guerra com os muçulmanos” e pretendia cometer uma atrocidade em massa antes de se tornar amigo e salvo pela mesma comunidade que planejava matar.
“Eu esperava pelo menos 200 ou mais, mortos e feridos”, diz Mac McKinney ameaçadoramente, enquanto os membros da comunidade contam como ele andava de um lado para o outro em frente à mesquita, de cabeça baixa, cheio de ódio.
Mas algo inesperado aconteceu a seguir, ele foi bem-vindo lá dentro. “Eu o convidei para jantar”, diz uma de suas supostas vítimas. “Para fazê-lo sentir de coração que ele é bem-vindo”.
Quando o FBI o alcançou, ele havia se livrado do equipamento de fabricação de bombas, e a comunidade que planejava atacar agora o ajudava a lidar com um passado conturbado.
“Nunca em um milhão de anos poderei retribuir a esta comunidade o que eles me deram”, disse o fuzileiro naval ao diretor Joshua Seftel.
O LA Times disse que o documentário – que apresenta Malala Yousafzai como produtor executivo – mostra como uma “sede de derramamento de sangue é transformada por bondade radical”.
Os encantadores de elefantes (The Elephant Whisperers)
Este documentário curto de 40 minutos indicado ao Oscar 2023 conta a história de Bomman e Bellie, um casal no sul da Índia que dedica suas vidas a cuidarem de um bebê elefante órfão chamado Raghu, que foi separado da sua manada.
Dirigido por Kartiki Gonsalves, a ação se passa em uma reserva de tigres — onde vivem as famílias dos personagens principais há gerações — e que oferece um cenário incrível para este retrato de uma família nada convencional.
“Nós vivemos da floresta, mas também a protegemos”, diz um dos dois para a câmera. O casal fala com o elefante entregue aos seus cuidados, enquanto as crianças brincam com ele no rio, a certa altura o elefante até joga futebol: tudo se combina para criar um “safari visual hipnotizante”, segundo um crítico do The Hindu.
Como você mede um ano? (How do you measure a year?)
Os pais costumam dizer que o tempo com os filhos passa voando. Mas e se você documentá-los no mesmo dia todos os anos, que história isso conta? Como eles mudam?
O terapeuta americano que virou diretor de cinema Jay Rosenblatt – e que foi indicado nesta categoria por um filme diferente no ano passado – questiona esse tema em “Como você mede um ano?” que apresenta 17 anos de entrevistas de aniversário com sua filha Ella – dos dois aos 18 anos.
“Neste filme, vemos essa garota se tornar uma mulher, tanto física, emocional e psicologicamente”, disse Rosenblatt em uma entrevista. “É como ver o tempo”.
Entre as perguntas feitas a Ella por seu pai estão: Com o que você sonha? O que te assusta? O que você acha do nosso relacionamento? Qual é a coisa mais importante para você? Para este último, ela responde “minha família” antes de fazer uma pausa para perguntar “meu cachorro conta?”.
O Radio Times disse que o documentário é “uma pequena história sobre o crescimento e o amor entre pai e filha”.
Este artigo foi publicado originalmente na Global Investigative Journalism Network e é republicado aqui sob uma licença Creative Commons.
Sobre a autora
Laura Dixon é editora associada da GIJN e jornalista freelance do Reino Unido. Ela já trabalhou na Colômbia, Estados Unidos e México e seu trabalho foi publicado pelo The Times, The Washington Post e The Atlantic. Dixon recebeu bolsas da IWMF e do Pulitzer Center
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