Muitas vezes considerada um refúgio de estabilidade e vigor democrático na América Central, a Costa Rica não está imune às formas contemporâneas de populismo. Em maio de 2022, Rodrigo Chaves, um ex-economista do Banco Mundial e ex-ministro da Fazenda, assumiu a presidência com promessas de “mudanças históricas” frente à desigualdade.
Durante a campanha, meios de comunicação costarriquenhos noticiaram denúncias graves contra ele, inclusive de suspeitas de assédio sexual e de financiamento ilegal de campanha. Em contrapartida, o então candidato e agora presidente iniciou uma perseguição sistemática a alguns veículos, com ataques verbais frequentes e tentativas de uso das instituições com fins políticos.
Três meios de comunicação líderes de audiência em seus respectivos setores estão no centro dos ataques: o jornal diário La Nación, a emissora de TV Canal 7 e o portal de notícias CRHoy.com. Contra eles, Chaves já usou termos como “imprensa canalha” e “assassinos políticos”.
Nas redes sociais, um exército de trolls e de bots em seu apoio inunda as publicações dos veículos com xingamentos e provocações. De forma ainda mais grave, houve também o uso do poder estatal para tentar sufocar economicamente o La Nación.
Embora a ofensiva tenha despertado uma reação enérgica das instituições costarriquenhas, incluindo de sua Corte Suprema, a situação era impensável até o passado recente, e gera preocupação em jornalistas e defensores dos direitos humanos e da liberdade de expressão.
O mais grave ataque até aqui foi contra o La Nación. Em 2015, como tentativa de expandir as suas fontes de receita, o grupo dono do jornal inaugurou um grande centro de entretenimento e eventos chamado Parque Viva.
O complexo inclui um anfiteatro com capacidade para 16 mil pessoas, um espaço para feiras corporativas e um velódromo.
Segundo disse o diretor do La Nación, Armando González, à LatAm Journalism Review (LJR), a iniciativa “exigiu um investimento muito grande, e caminhava mais ou menos como o previsto, dando a possibilidade de diversificar as receitas”.
Em julho do ano passado, quando Chaves estava há dois meses no cargo, o Ministério da Saúde costarriquenho suspendeu a licença sanitária do centro de eventos, alegando “responder a queixas e denúncias” anônimas.
À época, o Ministério da Saúde afirmou em nota que o fechamento se devia “aos problemas causados pelos enormes engarrafamentos gerados pelos grandes eventos que ocorrem no Parque Viva, em Guácima de Alajuela, que afetam diretamente essa comunidade, bem como as cidades vizinhas”.
O documento também dizia que “o alto tráfego de veículos gerado por esses eventos não é compatível com a necessidade e o dever constitucional das autoridades de proteger a vida e a integridade das pessoas”.
Segundo González, contudo, é “muito evidente que a ação era uma represália ao jornalismo feito por La Nación, e às informações que o jornal dava ao país”.
Presidente culpado por agressões sexuais
No início da campanha, o jornal revelou que o Banco Mundial considerou Chaves culpado e o puniu por “agressões sexuais” e por um “padrão de comportamento inapropriado indesejado” entre 2008 e 2013, quando trabalhou para aquela organização.
Essa decisão interna da organização aconteceu logo antes de o economista renunciar a seu cargo e ser anunciado como ministro da Fazenda da Costa Rica em outubro de 2019.
Além disso, em março de 2022, entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais, o La Nación noticiou a existência de suspeita de financiamento ilegal de campanha por parte de Chaves.
O caso, que desde então teve vários desdobramentos, está sendo apurado atualmente pelo Tribunal Supremo de Eleições, que tem emitido informes ao Ministério Público, e pode vir a constituir crime eleitoral.
Estas denúncias, somadas a outras publicadas pelo Canal 7 e pelo portal CRHoy.com, provocaram a ira de Chaves. “Somos um tsunami e vamos causar destruição. Vamos causar destruição nas estruturas corruptas do La Nación e do Canal 7 (…) Ouça-me Armando González, aqui estamos”, disse ele ainda durante a campanha.
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Em vista disso, quando houve a ação contra o Parque Viva, foi impossível não pensar em retaliação. “Foi um caso muito claro de revanche ou de vingança. Tudo havia sido precedido por uma série de afirmações do presidente para gerar desconfiança sobre as finanças do La Nación”, disse à LJR Eduardo Ulibarri, diretor do La Nación de 1982 a 2003 e hoje consultor político.
“Foi uma decisão evidentemente arbitrária e hostil, algo que um governo da Costa Rica nunca tinha utilizado. Ali ficou claro que o presidente estava disposto a usar o poder do Estado, e não somente a retórica, contra a imprensa”.
A decisão era especialmente chocante em um país cuja democracia se considerava tão consolidada a ponto de, há mais de um século, render o apelido de “a Suíça centro-americana”. Em 2021, a Costa Rica ficou em 5º no ranking global de liberdade de imprensa da Repórter Sem Fronteiras (RSF), atrás apenas de países nórdicos.
Os próprios jornalistas do La Nación entraram com uma ação perante a Corte Suprema do país, dizendo que, “menos de dois meses depois de ser juramentado, o presidente Chaves começou a materializar as suas ameaças” contra imprensa, e que a medida contra o Parque Viva tinha “o claro propósito de limitar a liberdade de expressão por meios indiretos”.
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Em outubro do ano passado, a Sala Constitucional da Corte — mais elevado tribunal costarriquenho responsável por liberdades civis — decidiu a favor do La Nación.
Em uma sentença categórica, o tribunal, “em defesa da liberdade de imprensa, pilar essencial de qualquer democracia, declarou, por maioria, a favor de um recurso de amparo interposto por um grupo de jornalistas do jornal La Nación contra o fechamento do Parque Viva”, informou um comunicado.
Segundo a presidente do Colégio de Jornalistas da Costa Rica, Yanancy Noguera, a corte deu ali um importante recado a Chaves. “A reação da Sala Constitucional foi tão forte que é provável que freie qualquer outra ação concreta por parte do governo”, afirmou ela à LJR.
Segundo Noguera, no entanto, isso não encerra a perseguição contra a imprensa independente.
“Para Chaves, a imprensa é um inimigo permanente. O presidente precisa de uma confrontação contínua entre o bem e o mal, para levantar os ânimos de pessoas que se sentem excluídas e desprotegidas. Ele se vale dessa dinâmica de polarização contra a imprensa para explorar frustrações nacionais”.
Só amigos nas entrevistas coletivas
Essa tática de perseguição se expressa ainda de outras maneiras. Às quartas-feiras, o presidente realiza entrevistas coletivas. Nestas, segundo Armando González, Chaves sistematicamente parou de responder aos meios críticos, dando preferência em vez disso a uma série de publicações independentes menores que surgiram recentemente e são subservientes ao poder.
“Inventaram uma série de sorteios, mas quem faz as perguntas são os meios de comunicação amigos. Se o La Nación se apresenta, o presidente o ataca e tenta humilhar o jornalista”, afirmou.
“Tenho jornalistas que se sentiram ameaçados nestas entrevistas. Então, por isso, não enviamos mais ninguém de nosso jornal. As assistimos no Facebook. Perdemos a possibilidade de perguntar, mas dificilmente já éramos escolhidos mesmo”.
A imprensa costarriquenha também enfrenta constantes perturbações por parte de trolls e bots. Quando aparece uma notícia negativa em relação ao governo, as redes sociais se veem repletas de mensagens dispostas a tirar a credibilidade das informações. Não há provas de que seja uma campanha coordenada pela presidência.
No entanto, a ex-ministra da Saúde, Joselyn Chacón, admitiu que pagou por esse tipo de serviço, ressalvando apenas que o seu alvo não foram jornalistas.
“Não temos a evidência de que o uso de trolls é liderado pelo governo, mas há muita coincidência das redes com as comunicações oficiais. É muito automático; se algo é afirmado [desde a presidência], então saem trolls para atacar. Há perigosas coincidências”, afirmou Noguera.
Populismo na Costa Rica
Em novembro de 2022, Chaves afirmou que a expressão “imprensa canalha” era parte do passado. Nos últimos meses, o presidente está menos beligerante com a imprensa, buscando outros alvos. “Ele vem dirigindo as críticas mais a outras instâncias, como universidades e outros poderes independentes”, afirmou Raúl Silesky Jiménez, presidente do conselho diretor do Instituto de Imprensa e Liberdade de Expressão (Iplex).
Segundo Jiménez, a despeito dos ataques, a democracia e a liberdade de imprensa costarriquenhas sobreviverão:
“Chaves é de um partido que só conta com 10 deputados entre 57. O sistema de pesos e contrapesos funciona, e não há reeleição imediata, a ele faltam três anos.
É evidente que ele emprega um discurso populista que tem penetração, usando uma tática apaixonada e agressiva contra qualquer pessoa que o questione. Ainda assim, a democracia do país vai se manter se a divisão de poderes seguir inalterada, se a Constituição for respeitada e este desafio for superado.”
Para Noguera, a trégua é só provisória. “[Chaves] faz pausas, mas elas não significam a suspensão das ações”, afirmou. “Essa linha deve se manter, com o objetivo de manter uma popularidade alta e fortalecer seu partido para as eleições municipais de 2024”.
Para o diretor de redação González, até lá, quem está na linha de frente são os profissionais da imprensa, que enfrentam “riscos muito sérios”. “Muitas vezes, a violência verbal tem consequências práticas. Veja o caso do Brasil, onde um montão de loucos tentou tomar os três poderes. Para fazer estragos a um jornalista, só é necessário um louco”.
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Este artigo foi publicado originalmente na LatAm Journalism Review, um projeto do Knight Center Para o jornalismo nas Américas / Universidade do Texas, e é republicado aqui mediante autorização. Todos os direitos reservados à publicação e aos autores.