A liberdade de imprensa em Hong Kong tem sido minada desde que a repressão da China foi ampliada há cerca de dois anos, causando um êxodo de jornalistas para o exterior.
A maioria não consegue se manter na profissão, enquanto outros se reinventam e criam ou trabalham em veículos independentes para continuar noticiando os fatos relativos ao território com menos riscos de censura ou de perseguições.
É o que mostra um novo relatório da Federação Internacional de Jornalistas (IFJ), “Jornalistas no Exílio; Uma pesquisa sobre profissionais da mídia de Hong Kong na diáspora”.
O documento apresenta dados de pesquisa e entrevistas com pelo menos 90 profissionais de imprensa de Hong Kong que se radicaram no Reino Unido, Canadá, Taiwan, Estados Unidos e Austrália.
Foi feito em parceria com a Associação de Profissionais de Mídia de Hong Kong no Exterior (AOHKMP), criada para dar apoio e monitorar a situação dos exilados.
Cerca de 200 jornalistas deixaram Hong Kong
O estudo estima que desde a entrada em vigor da Lei de Segurança Nacional imposta por Pequim em 2020, quase 300 mil pessoas já deixaram Hong Kong.
A AOHKMP estimou que mais de 200 jornalistas fugiram do território. Dos 90 entrevistados, apenas 31 disseram que estão trabalhando na mídia, dos quais 12 em veículos ou plataformas estabelecidos por profissionais de Hong Kong.
Como muitos veículos de imprensa independentes de Hong Kong fecharam ou foram fechados, trabalhar como correspondente no exterior para empresas jornalísticas locais também não é uma opção.
Segundo a pesquisa, o êxodo começou em 2020, um ano após os protestos que tomaram conta das ruas do país, e aumentou em 2021 e em 2022.
O Reino Unido foi o país que mais recebeu jornalistas. Hong Kong foi colônia britânica até ser devolvida à China, em 1997, em respeito a um acordo firmado em 1842. O país facilitou a entrada dos que resolveram deixar Hong Kong.
Canadá, Taiwan e Austrália também abrigaram jornalistas que escaparam das perseguições em Hong Kong.
O medo continua mesmo fora do território. Os autores da pesquisa disseram que alguns jornalistas no exílio não quiseram participar por temerem perseguições.
A volta não está nos planos de 72 dos 90 entrevistados, e 81 não se arrependem de terem optado pelo exílio.
Steve Vines, diretor do AOHKMP, diz que muitos enfrentam desafios para seguir na profissão:
“No geral, esta pesquisa mostra uma imagem de uma comunidade de mídia exilada enfrentando vários desafios combinados com uma motivação para manter a tradição de uma mídia livre de Hong Kong, embora no exílio.”
Jornalistas de Hong Kong falam de experiências e aspirações
O relatório apresenta uma avaliação das condições, experiências e aspirações de profissionais de mídia na diáspora, incluindo os impactos em suas vidas e carreiras.
Eles revelaram também temores pelas famílias que ainda moram em Hong Kong caso continuem a fazer reportagens críticas de fora do país.
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Para os profissionais que conseguiram se manter na profissão, que representam um terço do total de entrevistados, as oportunidades variam de país para país.
Emissoras públicas no Reino Unido e na Austrália têm contratado esses profissionais, enquanto no Canadá jornalistas exilados conseguiram encontrar empregos na mídia local estabelecida em chinês.
Salários baixos, condições inadequadas e dificuldades com a língua tem sido obstáculos frequentes.
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Mídia independente no exílio
Pequenos veículos independentes têm sido formados por grupos de jornalistas, enquanto outros buscam trabalhos freelancer.
Meios de comunicação como The Points HongKonger Station e Green Bean Media estão entre dezenas de veículos emergentes que nasceram para continuar a cobertura de Hong Kong do exterior.
O The Points, que publica em chinês, é formado por muitos ex-profissionais do jornal Apple Daily, o primeiro a ser extinto.
A iniciativa foi da jornalista Jane Poon, ex-editora de notícias digitais do veiculo, que vive na Austrália desde 2017. Mas não é fácil. Poon diz ter pouco recursos para manter a redação, atualmente com 10 profissionais.
O Green Bean Media é baseado no Reino Unido. O nome, segundo os jornalistas que criaram o site, é inspirado na ideia de que se uma árvore cai ou é arrancada, as sementes ainda se espalharão enquanto houver água e ar, e germinarão novamente.
Alguns veículos independentes fundados fora de Hong Kong transmitem notícias gerais, não apenas sobre o território, no idioma local, buscando atingir exilados.
É o caso do HongKonger Station, baseado no Canadá, que realiza atividades conjuntas com associações de apoio a expatriados.
O relatório pede que governos ofereçam visto para mais jornalistas, bem como assistência em treinamento do idioma local, networking para ajudar na transição de carreira e ajuda psicológica para lidar com o trauma do exílio.
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Em Hong Kong, jornalistas são ameaçados
A ida para o exílio justifica-se pelo clima de ameaça e medo, e pelo risco real de prisões e condenações.
No ano passado, o presidente da Associação de Jornalistas de Hong Kong (HKJA), Ronson Chan, foi formalmente acusado de obstrução ao trabalho da polícia no território sob o comando do governo da China menos de uma semana antes de começar a estudar por meio de uma bolsa do Instituto Reuters na Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Chan foi detido após se desentender com dois policiais enquanto cobria uma reunião do comitê de proprietários de imóveis no Estádio MacPherson em Mong Kok em setembro.
Em audiência, ele pagou uma fiança e recebeu autorização para viajar, sob a condição de manter a polícia de Hong Kong atualizada sobre seu endereço e número de celular enquanto estiver na Grã-Bretanha, permanecendo sob vigilância mesmo fora do país.
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Fung Wai-kong, que trabalhava no jornal de oposição Apple Daily, que acabou fechado, foi preso em junho de 2021 no aeroporto, quando tentava embarcar para Londres.
Ele está entre os seis profissionais de imprensa que em novembro de 2022, diante do risco de prisão perpétua, declararam-se culpados de acusações de conluio no Supremo Tribunal de Hong Kong dias antes do julgamento do fundador do jornal, Jimmy Lai.
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Lai, de 75, bilionário magnata da mídia na Ásia que era dono do conglomerado Next, está preso desde 2020.
Em 2022, foi condenado a cinco anos e nove meses de prisão por fraude, considerado culpado de ter quebrado regras do uso do imóvel do jornal liberal que dirigia.
O relatório da Federação Internacional de Jornalistas (em inglês) pode ser visto aqui
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