Londres – Os Simpsons voltaram a ser vítimas do clima de intolerância da China sobre conteúdos artísticos que fazem críticas às suas políticas: mesmo sem ter sido censurado formalmente, um episódio da série foi removido pelo serviço de streaming Disney+ de seu catálogo em Hong Kong por mencionar trabalhos forçados. 

Apontada como provável motivo para a decisão, a cena exibida no capítulo “One Angry Lisa” mostra Marge Simpson fazendo um treino virtual de ciclismo em uma bicicleta “Pedalon”, uma paródia com o Peloton, que ficou popular durante a pandemia

A Grande Muralha da China é uma das paisagens que aparece na tela, enquanto o instrutor diz: “Eis as maravilhas da China: minas de bitcoin e campos de trabalhos forçados onde crianças fazem smartphones”.

Segundo o jornal britânico Financial Times, primeiro a noticiar a remoção, essa teria sido a segunda vez que um episódio da série sai do ar em Hong Kong.

Um capítulo de Os Simpsons com alusão ao massacre na Praça da Paz, em 1989, também ficou indisponível no território  em 2021. 

No capítulo, intitulado Goo Goo Gai Pan, os Simpsons viajam para a China a fim de adotar um bebê, e visitam o local onde os protestos aconteceram. Mas uma placa dizia: “neste local,  nada aconteceu em 1989”. 

Disney Simpsons Hong Kong Praça da Paz
Reprodução Os Simpsons

Desta vez, o desconforto é com acusações sobre o tratamento dos uigures na China, que segundo a ONU configuram crimes contra a humanidade. 

Muitos uigures estão detidos em campos onde grupos de direitos humanos acusam a prática de trabalhos forçados, mas que o governo chinês chama de “campos de reeducação”.

O trecho que teria levado à decisão de retirar o episódio do ar nem aparece na maioria dos trailers do capítulo postados em sites especializados em cultura e entretenimento.

Eles apenas mostram o instrutor convidando Marge a passear virtualmente em pontos turísticos do mundo, sem atenção especial à China. 

https://youtu.be/6F1rNeiAYuc

A Disney não comentou se a remoção foi feita a pedido do governo, enquanto autoridades de Hong Kong afirmaram que a legislação que permite interferência em  produções cinematográficas não se aplica ao streaming.  

Entrevistado pelo Financial Times, o professor de cinema da Universidade Batista de Hong Kong, Kenny NG associou a retirada supostamente voluntária do capítulo do serviço a uma possível preocupação da Disney em preservar seus negócios na China continental, mesmo opinião manifestada por ele quando o capítulo mencionando a Praça da Paz saiu do ar. 

Censura na China e em Hong Kong 

Desde que o controle de Hong Kong foi devolvido pela Grã-Bretanha à China, em 1997, a repressão veio progressivamente aumentando, embora o acordo entre os dois países estabelecesse que as liberdades de expressão e de imprensa seriam mantidas.

Manifestações pró-democracia mobilizaram o território em 2019, e foram severamente reprimidas. 

Uma lei de Segurança Nacional foi promulgada no fim de 2020, empregada para silenciar ativistas e a imprensa independente. Quase todos os veículos de imprensa de oposição ao governo fecharam ou foram fechados.

Jornalistas foram presos e processados, mas alguns seguem no cárcere sem julgamento. 

Jimmy Lai, bilionário dono do maior grupo de mídia de Hong Kong está atrás das grades, com risco de ser condenado à prisão perpétua. 

Embora a imprensa tenha sido o alvo mais direto, manifestações culturais não escaparam da perseguição empreendida pelo Partido Comunista Chinês sobre conteúdos ocidentais ou críticos ao regime em Hong Kong. 

Em outubro de 2021, entrou em vigor no território uma lei permitindo censura a qualquer filme considerado “atentados à Segurança Nacional”.

A lei prevê penas de até três anos de prisão e multas para os infratores, mas deixou livre de punição as produções exibidas pela internet, como o episódio dos Simpsons. 

Mas a autocensura pode levar à retirada mesmo sem obrigação legal, como parece ter sido o caso de Os Simpsons, já que o governo de Hong Kong confirmou ao Financial Times que as regras de censura, destinadas a conteúdos que “endossem, apoiem, glorifiquem, encorajem e incitem atividades que possam pôr em perigo a segurança nacional”, não se aplicam aos serviços de streaming.

Enquanto isso, na China continental a censura direta a conteúdos culturais se intensificou nos últimos dois anos.

Em agosto de 2021, o governo removeu uma lista de celebridades da rede social Weibo, depois que o jornal estatal People’s Daily publicou uma críticas ao “apoio irracional” que fãs estariam dando a pessoas “não dignas de valor”. 

E proibiu a publicação de ranking de celebridades baseados em sua popularidade nas redes, a fim de reprimir o culto a famosos conhecido como fan quan