Londres – O grupo ambientalista Extinction Rebellion, que se notabilizou por manifestações disruptivas e destrutivas na defesa do clima, assustou o Reino Unido com a promessa de quatro dias de protestos para marcar o Dia da Terra no último fim de semana.
Mas o que se viu foi algo bem diferente das manifestações anteriores, sinalizando uma mudança de estratégia que dá pistas sobre o futuro do ativismo.
O chamado “The Big One” do XR, como o movimento é chamado, foi grande em vários sentidos.
A decisão do grupo de abandonar, pelo menos temporariamente, atos como atacar obras de arte em museus, fechar pontes e estradas e bloquear ruas fez com que famílias com crianças e pessoas que não tinham a menor vontade de ser presas aderissem às manifestações e declarassem apoio ao grupo.
A nova estratégia refletiu-se na mídia. Notícias negativas sobre problemas causados pelos participantes à população e ao patrimônio deram lugar ao debate sobre a importância de conter as mudanças climáticas e testemunhos serenos.
As estimativas de comparecimento variaram de 30 mil a 100 mil pessoas, mas a conta oficial do grupo foi de 60 mil manifestantes nos quatro dias.
‘Realpolitik’ do Extinction Rebellion na defesa do clima
O que se viu foi uma transformação radical no modus operandi do movimento de mais visibilidade atualmente, superando “gigantes” como o Greenpeace – que já foi vítima de ataques do XR. E pegou muita gente de surpresa.
Pode ser que não dure, caso o grupo julgue que não surtiu efeito. E nada garante que as versões locais do Extinction Rebellion presentes em vários países seguirá o novo rumo, pois o grupo opera de forma descentralizada.
Porém, demonstra um amadurecimento e um pé na realidade, uma espécie de realpolitik do ativismo ambiental iniciada pelo que pode ser entendido como um comando central.
Até a palavra rebelião foi relativamente ocultada. Agora, é hora de construir relacionamentos e dialogar com os agentes que têm o poder decisório, sobretudo o governo britânico, e pressionar para reverter projetos prejudiciais ao meio ambiente.
Nascido em Londres em 2018, o XR se define como “um movimento internacional que usa a desobediência civil não violenta na tentativa de deter a extinção em massa e minimizar o risco de colapso social”.
Na primeira manifestação, em outubro daquele ano, o grupo colocou em prática um estilo midiático de protestar, lembrando o Greenpeace.
Eles ganharam as manchetes e as redes sociais, com o uso de fantasias como se fosse um grande carnaval ou parada cívica – e assim gerando imagens fortes.
The Banshees mourn for the 91% of the world’s population who are breathing polluted air every day and for the many who suffer and die as a result.
Poor air quality is the biggest environmental risk to our health. What are you breathing in?#CleanAirIsAHumanRight
🧵1… pic.twitter.com/jRJudBGly4— XRUK_Actions (@XRUK_Actions) April 27, 2023
Outro elemento visual é um barco rosa com a frase “Tell the Truth”, que costuma ser estacionado no centro das manifestações.
Protestos violentos do Extinction Rebellion
Um ato em Londres em abril de 2019 marcou o estilo de protesto adotado pelo XR. Ativistas quebraram vidros da sede da Shell e fecharam a ponte de Waterloo, além de várias ruas.
Uma das curiosidades do grupo é o convite a adeptos que estejam dispostos a ser presos.
Cenas da polícia tentando arrancar manifestantes literalmente colados a grades ou ao asfalto, ou carregando idosos que estavam deitados no meio da rua viralizaram, tentando construir a ideia de que é o sacrifício é válido pela defesa do planeta.
Nem a pandemia, que dificultou manifestações, esfriou a disposição do XR. Em setembro de 2020, um dos alvos foi o jornalismo. Manifestantes bloquearam a distribuição de jornais, o que foi interpretado como violação da liberdade de imprensa.
Em 2022, a temperatura subiu mais. Duas extensões radicais do XR, o Insulate Britain e o Just Stop Oil, danificaram obras de artes e causaram o terror no Reino Unido.
Cenas como a de uma mulher que precisava levar uma pessoa ao hospital implorando pela abertura de uma rua bloqueada podem ter agradado aos mais radicais. Para a maioria, mesmo aqueles que se preocupam com as mudanças climáticas, não ajudaram a angariar simpatia, como apontaram pesquisas.
Ao mesmo tempo, um projeto de lei apresentado no Parlamento para endurecer a repressão de protestos pode ter contribuído para a declaração do XR no primeiro dia de 2023: “We quit”.
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Uma nova era na defesa do clima pelo XR
Não foi uma desistência da causa, e sim uma reorientação da forma de pressionar.
O Big One realizado para marcar o Dia da Terra exibiu pela primeira vez a nova face do Extinction Rebellion. Uma face simpática, que pode ser mais eficiente do que um punhado de extremistas adotando a tática do medo.
Segundo o acompanhamento do instituto YouGov, muita gente conhece o Extinction Rebellion, mas poucos o admiram.
Essa gente que foi ou assistiu aos atos mais pacíficos deste fim de semana pode se engajar mais facilmente em manifestações, pressionar empresas e o poder público. Pode também ser convencida a fazer escolhas mais sustentáveis, afetando hábitos de consumo e marcas individuais.
Alianças importantes começam a surgir nessa nova fase.
Mais de 100 advogados renomados assinaram no fim de março uma Declaração de Consciência comprometendo-se a não processar manifestantes ou movimentos.
Os protestos violentos fizeram barulho e projetaram o XR, mas na prática não causaram transformação.Tentar uma nova estratégia é um movimento sábio para quem quer mais do que publicidade.
Em um artigo no portal acadêmico The Conversation sobre o protesto Big One, o pesquisador da Universidade de Sussex Marc Hudson questionou se em sua nova fase, o XR conseguirá mudar o jogo político ou será mudado por ele.
Mas lembra que agora há muito mais gente prestando atenção no que o grupo diz.
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