LondresA União Européia (UE) é inconsistente em cumprir seus próprios compromissos com a liberdade de imprensa, de acordo com um novo relatório publicado pela organização Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), baseada em Nova York. 

O documento “Progresso Frágil: A luta pela liberdade de imprensa na União Europeia” aponta uma lacuna entre os ideais democráticos que a UE defende e a realidade de como ela e seus estados membros tentam defender seus interesses. 

A União Europeia tem uma forte reputação como um dos lugares mais seguros do mundo para jornalistas, mas assassinatos e outros ataques à imprensa nos últimos anos forçaram suas instituições a reconsiderarem suas políticas de liberdade de imprensa. 

CPJ quer compromissos em prol liberdade de imprensa

O  Comitê destaca o trabalho de associações profissionais e grupos de liberdade de imprensa, que fortaleceram redes e coalizões que aumentaram seus perfis e aumentaram a importância da liberdade de imprensa nas instituições da UE, pressionando por políticas comuns do bloco para apoiar jornalistas e garantir sua segurança.

“A União Européia procurou estabelecer e promover uma estrutura robusta para proteger a liberdade de imprensa contra uma onda de crescente autoritarismo e ataques destinados a esvaziar a confiança na mídia”, disse a presidente do CPJ, Jodie Ginsberg. 

Mas ela acha que os avanços não são suficientes. 

A presidente cobra das instituições da UE  compromissos mensuráveis ​​para reforçar o progresso até aqui.

“A guerra desenfreada de desinformação e a recente onda de assassinatos brutais de jornalistas dentro das fronteiras da UE exigem isso.”

Populismo e liberdade de imprensa na Europa

A última eleição para o Parlamento Europeu ocorreu em 2019 em um cenário de populismo crescente e preocupação com governos como Hungria e Polônia “atropelando o estado de direito”, incluindo a liberdade de imprensa. 

Jornalistas foram assassinados, censurados, espionados, assediados online, sobrecarregados com desinformação, submetidos a processos judiciais abusivos, acusados ​​de revelar segredos de Estado, espancados enquanto cobriam protestos de rua, banidos de reuniões públicas ou criticados por políticos, aponta o CPJ. 

Após as eleições europeias de 2019, a UE realizou reformas de peso para aumentar a segurança dos jornalistas, combater o estripamento do jornalismo independente por governos e oligarcas e controlar o uso crescente de ações judiciais abusivas para silenciar a mídia crítica, registra o relatório do CPJ. 

No entanto, apesar desses avanços significativos, o documento constata que a UE muitas vezes se contradiz com seus próprios compromissos, restringindo o acesso a informações de interesse público. 

Globalmente, a estratégia da UE para enfrentar os autocratas que violam os direitos dos jornalistas pode ser prejudicada por interesses comerciais ou políticos.

As eleições do próximo ano para o Parlamento Europeu oferecem à UE uma oportunidade de superar essas inconsistências, desafiar os padrões duplos e definir uma visão ambiciosa para manter os jornalistas seguros e defender a liberdade de imprensa – uma pedra angular da democracia, defende o Comitê.

O relatório afirma que grande parte do progresso da UE em liberdade de imprensa baseia-se na boa vontade política de seus 27 estados membros, mas é preciso ir além.

No geral, Bruxelas pressionou para moldar positivamente o cenário da mídia na Europa, mas precisa do apoio dos países  membros para promover mudanças reais.

“A mídia independente está sob ataque. Para que as reformas da UE funcionem, elas precisarão da adesão dos Estados membros, mas o mais importante, elas precisam ganhar a confiança dos jornalistas”, disse Tom Gibson, representante do CPJ na UE.

 “Apenas uma vontade política significativa pode conter a onda de ataques para difamar a imprensa e minar a confiança do público no tipo de reportagem independente que fornece informações factuais e oportunas.”

Para o CPJ, No geral, a mudança da UE ainda precisa ser traduzida em ações significativas nos Estados que fazem parte do bloco.

Alguns governos usaram a pandemia do coronavírus para controlar a mídia, inclusive restringindo o acesso a jornalistas e retendo informações de interesse público. A invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 testou a capacidade da UE de proteger a segurança dos jornalistas. 

Outra preocupação da ONG diz respeito a projetos de legislação digital ativa vistos como ameaças ao o direito dos jornalistas à privacidade e à criptografia. 

O CPJ critica as próprias instituições da UE, que a seu ver “estão longe de ser totalmente transparentes”:

A maneira como a Comissão Européia lida com as solicitações de acesso a informações pode resultar em informações restritas ou respostas atrasadas. 

Jornalistas entrevistados pelo CPJ dizem que a facilidade e o fluxo das interações com a mídia da Comissão variam, muitas vezes dependendo de seu relacionamento com veículos individuais ou sensibilidade em certos assuntos. 

Recomendações para a Europa

As principais recomendações do CPJ  à União Europeia incluem:

  • Aprimorar legislações, políticas ou práticas da UE que restrinjam o trabalho de jornalistas ou ameacem a liberdade de imprensa.
  • Garantir que as reformas positivas da liberdade de imprensa adotadas pela UE – incluindo o Mecanismo do Estado de Direito, o projeto de Lei Europeia de Liberdade de Mídia e o projeto de Diretiva anti-SLAPP – sejam robustos o suficiente para se tornarem ferramentas eficazes na defesa da liberdade de imprensa.
  • Continuar a demonstrar liderança internacional, fortalecendo toda a gama de assistência política, diplomática e de emergência disponível para todos os jornalistas em risco e que precisam de ajuda, abrigo seguro e apoio.