Londres – O aniversário da morte da jornalista palestina Shireen Abu Akleh, da rede Al Jazeera, assassinada por tiros atribuídos a forças de Israel, está sendo marcado por homenagens e protestos contra a falta de respostas das autoridades e do Tribunal Penal Internacional (TPI). 

Uma das faces mais conhecidas da imprensa no Oriente Médio, a jornalista trabalhava na TV deste 1997 e morreu em 11 de maio de 2022, quando cobria uma operação militar em uma área ocupada pelo exército de Israel na Cisjordânia. 

Na noite desta quarta-feira (10) mais de 700 pessoas se reuniram em uma homenagem à jornalista no Centro de Arte Popular de Ramallah, incluindo líderes políticos e religiosos. Manifestações aconteceram em várias partes do mundo, inclusive no Parlamento Europeu. 

Investigações apontaram responsabilidade de Israel na morte

Reportagens e investigações independentes apontaram que a jornalista palestina foi assassinada por tiros disparados por soldados, mesmo estando em uma área livre de fogo cruzado e devidamente identificada como membro da imprensa.

Um relatório do Comitê de Proteção a Jornalistas publicado nesta semana em que a morte de Shireen Abu Akleh completa um ano constatou que o caso segue um padrão de impunidade em Israel. 

Nos últimos 22 anos, 20 jornalistas perderam a vida em atos atribuídos a forças militares do país, mas não houve sequer uma punição ou responsabilização dos autores. 

Diante da falta de resposta das autoridades de Israel, a família da jornalista e a rede Al Jazeera, onde ela trabalhava, protocolaram pedidos formais de investigação no TPI, em 2022, mas não houve evolução. 

Segundo a Al Jazeera, as evidências fornecidas no pedido resultam de uma investigação abrangente de seis meses pela rede, reunindo relatos de testemunhas e imagens de vídeo, entre outros materiais.

O recebimento foi confirmado pelo Tribunal, mas nenhuma outra medida foi tomada, diz a rede, que publicou um vídeo sobre a jornalista. 

No dia em que a morte completou um ano, um porta-voz da IDF (Israel Defense Forces) pediu desculpas pelo ocorrido em uma entrevista para a CNN, mas não apontou medidas ou responsáveis. 

 

Quem era a jornalista palestina e como ela foi assassinada 

Abu Akleh, palestina que também tinha cidadania norte-americana, foi uma das primeiras repórteres de campo da Al Jazeera, onde trabalhava desde 1997, e era uma profissional muito respeitada. 

Um dos ex-colegas dela, Mohammad Hawwash, que a conhecia há mais de 25 anos, a classificou como “uma jornalista de verdade”.

Shireen Abu Akleh, jornalista da Al Jazeera morta na Palestina
Última foto de Shireen Abu Akleh, jornalista da Al Jazeera morta na Palestina, mostra que ela vestindo colete de imprensa (Foto: Reprodução/Twitter)

Inicialmente, o Ministério das Relações Exteriores de Israel acusou ‘terroristas palestinos’ de terem atirado indiscriminadamente e atingido a jornalista.

Mas jornalistas que estavam no mesmo grupo, acompanhando Abu Akleh, afirmaram que não houve troca de tiros entre os dois lados do conflito.  

O relatório do Comitê de Proteção a Jornalistas narra como foi a morte:

“Às 6h31m, ela caminhava por uma estrada em Jenin, na Cisjordânia, em uma área ocupada por Israel, acompanhada por dois jornalistas palestinos e o  produtor de TV Ali al-Samoudi.

O grupo usava coletes de proteção com a palavra “Imprensa” em grandes letras brancas no peito e nas costas. À frente, eles podiam ver vários veículos militares israelenses.

Os jornalistas estavam lá para documentar as consequências de um ataque israelense ao campo de refugiados, após uma série de atentados praticados por palestinos em Israel. Vídeos gravados por testemunhas mostravam que a área estava calma, sem fogo cruzado. 

De repente, seis tiros foram disparados, um deles atingindo o produtor al-Samoudi no ombro.

Os jornalistas se esconderam e houve uma segunda salva de tiros. Uma bala atingiu Abu Akleh na parte de trás da cabeça, no espaço entre seu capacete e seu colete protetor.”

A jornalista chegou a ser levada para o hospital, mas não sobreviveu. O enterro mobilizou milhares de pessoas, causou revolta e acabou em violência. 

Investigações independentes de meios de comunicação norte-americanos, incluindo reportagens do The New York Times, The Washington Post e The Associated Press, bem como do site investigativo Bellingcat, com sede na Holanda, chegaram à mesma conclusão: um membro das Forças de Defesa de Israel provavelmente foi o autor do disparo contra a jornalista. 

O presidente dos EUA, Joe Biden, foi confrontado a respeito do caso. Em uma visita a Israel, jornalistas que participaram de uma entrevista coletiva fizeram um protesto e cobraram ação dos EUA sobre as autoridades do país. 

Na ocasião da apresentação da denúncia sobre o crime ao Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia, Anton Abu Akleh, irmão de Shireen, foi enfático ao culpar as Forças Militares de Israel: 

“Como dissemos antes, e como outros relatórios mostraram, houve mais de 16 tiros disparados contra Shireen e seus colegas de imprensa que estavam no local”.

Seu depoimento está alinhado com a análise do CPJ no que diz respeito ao desrespeito por parte das forças de Israel quanto à segurança dos profissionais de imprensa devidamente identificados.

“Ela estava com o traje completo, claramente identificada como ‘imprensa’. Qualquer pessoa que atire contra a imprensa tem a intenção de matar”, disse Anton.

Israel caiu 11 posições no Global Press Freedom Index da organização Repórteres Sem Fronteiras em 2023, passando do 86º para o 97º lugar entre 180 países. O Brasil está em 92º

O caso da jornalista palestina assassinada é destacado como um dos motivos para a avaliação negativa da situação de liberdade de imprensa no país.