Chegou ao fim na Guatemala a trajetória de 27 anos do jornal elPeriódico, fundado pelo premiado jornalista José Rubén Zamora, preso desde julho de 2022 sob acusação de crimes financeiros.
Em dezembro, o jornal havia suspendido a impressão de exemplares e seguiu apenas com a versão digital, que agora também é interrompida.
Mas em um texto publicado no site nesta segunda-feira (15), Zamora prometeu não desistir da luta pela liberdade de imprensa na Guatemala, “apesar do cansaço, das severas condições adversas, da humilhação e do escárnio”.
A Associação de Jornalistas da Guatemala (APG) expressou sua solidariedade ao elPeriódico:
“O fechamento do meio de comunicação equivale à morte do jornalismo na Guatemala”.
Para a APG, o encerramento do elPeriódico “representa um retrocesso à liberdade de imprensa e, fundamentalmente, à democracia, na qual a imprensa desempenha um papel importante no debate público sobre os problemas nacionais e, em maior medida, na auditoria social do governo e das instituições.
A notícia repercutiu em todo o mundo, com reportagens em jornais internacionais e protestos de organizações de direitos humanos e de liberdade de imprensa.
Jornalista da Guatemala reconhecido no mundo
O elPeriódico foi fundado em 1996, depois de 36 anos de guerra civil do país centro-americano.
Como uma das principais publicações independentes do país, era reconhecido por desvendar abusos de direitos humanos pelos militares e corrupção de décadas no governo da Guatemala.
Em 1995, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas concedeu a Zamora seu Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa, em reconhecimento ao trabalho de combate à censura na Guatemala.
Em 2000, ele foi nomeado um dos 50 heróis da liberdade de imprensa pelo Instituto Internacional de Imprensa.
Embora sempre tenha sofrido perseguições, a situação se agravou em 2021. Meses antes de ser preso, o presidente do elPeriódico denunciou que o presidente Alejandro Giammattei e a procuradora-geral do Ministério Público (MP), Consuelo Porras, estavam “fabricando” um processo contra ele.
O assédio judicial ao elPeriódico foi tamanho que em maio de 2022 o jornal recebeu uma ordem censurando previamente reportagens sobre nepotismo envolvendo Dina Dina Bosch Ochoa, filha da presidente da Corte Constitucional (equivalente ao Superior Tribunal Federal) do país, Dina Ochoa.
O argumento foi “violência contra a mulher”.
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Zamora chegou a fazer uma greve de fome logo após ser preso e teve todos os pedidos de liberdade condicional negados pela justiça da Guatemala.
No texto de despedida, o fundador do jornal destacou o legado de mais de 200 investigações jornalísticas rigorosas e bem documentadas durante o regime do presidente Giammattei, mostrando “o nível exponencial que a corrupção atingiu nas instituições do Estado da Guatemala”.
A Guatemala ocupa o 127º lugar no ranking de liberdade de imprensa divulgado anualmente pela organização Repórteres Sem Fronteiras, que lista 180 nações.
Na análise sobre o contexto político, o Global Press Freedom Index salienta o caso de José Rubén Zamora e as perseguições sofridas por denunciar corrupção governamental.
A Guatemala vive uma crise sociopolítica há mais de cinco anos, o que resultou em um aumento de ataques a jornalistas críticos das autoridades e teve um efeito amordaçante na mídia.
“Jornalistas que investigam corrupção, violações de direitos humanos ou práticas ilegais do setor privado foram submetidos a campanhas de difamação nas redes sociais, vigilância do Estado, assédio policial e criminalização – tudo isso com a aquiescência do Ministério Público e do Supremo Tribunal de Justiça”, afirma a organização.
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