Os últimos seis meses foram marcados por eventos que na avaliação da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) representam “visões de tragédia para a democracia nas Américas”, com a liberdade de imprensa severamente comprometida na região.

A instituição divulgou um relatório após sua reunião semestral, realizada na semana passada, salientando o registro de 10 jornalistas assassinados nas Américas, além de “agressões e atentados contra o jornalismo independente”. 

No Brasil, os profissionais de imprensa sofreram particularmente nos períodos marcados pela mudança de governo, com destaque para as invasões extremistas aos palácios de Brasília em 8 de janeiro, segundo o texto.

“Desrespeito às liberdades de imprensa e de expressão” nas Américas

O presidente da SIP, Michael Greenspon, avalia que “o desrespeito às liberdades de imprensa e de expressão, que corroem os direitos humanos, debilitam as instituições e matam a esperança de uma vida digna”. 

Dos 10 profissionais de imprensa assassinados, cinco foram do Haiti. Os demais foram da Colômbia,  Estados Unidos, GuatemalaHonduras e  Paraguai.

O Haiti foi considerado como o a nação mais perigosa para o exercício da profissão na região na atualidade. Duas dessas mortes aconteceram em abril, tendo a última delas ocorrido na mesma semana do encontro da organização.

Na América Central, particularmente, as ameaças à liberdade de imprensa são alarmantes, como apontou a SIP. 

A Nicarágua “reviveu a dura repressão de um regime que expatriou e despojou 222 presos políticos de sua nacionalidade, depois de tê-los encarcerado sem o devido processo ou garantias judiciais”, segundo a SIP.

Entre esses presos está um diretor da própria organização, Juan Lorenzo Holmann, gerente do jornal La Prensa.

Outro diretor da SIP, José Rubén Zamora, presidente do elPeriódico, permanece preso na Guatemala “por meio de um processo judicial fraudulento, que expõe um governo que segue perseguindo vozes críticas”.

Cuba, por sua vez, proibiu a saída de nove jornalistas independentes, e manteve preso um repórter e um influenciador de mídia social.

No total, mais de 3 dezenas de jornalistas tiveram que se exilar da Nicarágua, da Guatemala, de El Salvador e do sul-americano Equador.

No caso de El Salvador, até uma empresa de mídia resolveu se exilar: o veículo El Faro transferiu suas operações para a Costa Rica após perseguição do governo.

No Brasil, extremismo eleitoral 

Quanto ao Brasil, a reunião apontou a relação dos jornalistas com a “repressão policial durante a onda de protestos após a mudança de governo e a tomada da sede do poder público em Brasília no início deste ano”.

O apontamento vai ao encontro a uma pesquisa recém-divulgada pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), segundo a qual  um jornalista foi atacado no Twitter a cada 3 segundos durante a campanha eleitoral no Brasil.

Sob Bolsonaro, o Brasil apareceu entre os países que mais desrespeitaram o jornalismo independente ou colocaram profissionais do setor sob risco.

Liberdade ameaçada nos vizinhos das Américas

As ameaças à liberdade de imprensa nos países das Américas vêm tanto de contextos sociais quanto das pressões dos governantes. 

Sobre a  Argentina, a SIP destaca o contexto de ataques a profissionais de imprensa na cidade de Rosário, relacionados ao narcotráfico.

A entidade enfatiza ainda que “a Secretaria de Mídia do governo busca controlar conteúdos incômodos para o poder”.

Na Colômbia, Equador, Paraguai e México, “jornalistas do interior continuam vivendo na incerteza devido às ameaças impunes de gangues criminosas”, registra a organização.

Na Bolívia, a mídia independente acusa os seus governantes. Veículos relatam “perseguição fiscal por publicar críticas ao governo”.

Situação similar ocorre em Cuba e na Venezuela, onde os governos fecham as portas de veículos independentes e bloqueiam sites nacionais ou estrangeiros.

No México e em El Salvador, os governos espionaram jornalistas via web, enquanto em várias nações, mas especialmente Guatemala, Honduras, Paraguai e Venezuela “os poderosos usam exércitos de trolls nas redes sociais para desacreditar a imprensa crítica”.

Além dessas práticas, governantes americanos vêm continuamente difamando e contribuindo para a “estigmatização e degradação pública “ de jornalistas e veículos – são citados os casos dos chefes de estado da Colômbia, da Costa Rica, de Equador, de El Salvador e do México.

Projetos legislativos que ferem a liberdade de imprensa e facilitam os processos judiciais contra jornalistas foram apresentados em países como a Bolívia, o Peru e os Estados Unidos.

Uma exceção é o Panamá, onde um projeto de lei busca limitar tais boicotes institucionalizados ao trabalho jornalístico.

A partir de tais constatações, a SIP “aprofundou seu pedido aos governos do continente para criar sistemas de proteção como o que está sendo analisado ​​pelo Congresso chileno e o que foi apresentado no Paraguai”.

A organização anunciou também a iniciativa “Redações + Seguras”, para promover medidas de segurança adaptadas a cada contexto específico.

Outros desafios para o jornalismo panamericano

Em seu encontro, a SIP também debateu os desafios para o jornalismo quanto às inovações na área de inteligência artificial e quanto à sustentabilidade econômica das empresas de mídia.

Foram temas de painéis “a qualidade do conteúdo, a viabilidade econômica dos meios de comunicação e as leis que buscam um melhor equilíbrio entre plataformas digitais e meios de comunicação quanto à propriedade intelectual”.

Outra preocupação debatida no encontro foi a garantia ao acesso a informações públicas, “garantidas por leis que os próprios governos não cumprem”, segundo a organização.

Isso ocorre mesmo nos países mais democráticos, como Canadá, Estados Unidos, Panamá e Porto Rico. Nos Estados Unidos, até os jornalistas enfrentam problemas para acessar fontes oficiais, incluindo o presidente Joe Biden.  

A SIP anunciou ainda uma parceria com o Google.

Trata-se de um laboratório que analisa questões de renda e audiências que, estima-se, irá beneficiar em torno de 80 veículos de mídia que operam em ambientes econômicos e políticos vulneráveis.