MediaTalks em UOL

Com fundador preso há 10 meses, principal jornal de oposição da Guatemala fecha as portas de vez

José Rubén Zamora, jornalista da Guatemala, foi preso em julho de 2022 e em maio de 2023 seu jornal, elPeriódico, fechou as portas

José Rubén Zamora, fundador do elPeriódico (foto: Georgia Popplewell via Flickr CC BY-NC-SA) 2.0)

Chegou ao fim na Guatemala a trajetória de 27 anos do jornal elPeriódico, fundado pelo premiado jornalista José Rubén Zamora, preso desde julho de 2022 sob acusação de crimes financeiros. 

Em dezembro, o jornal havia suspendido a impressão de exemplares e seguiu apenas com a versão digital, que agora também é interrompida. 

Mas em um texto publicado no site nesta segunda-feira (15), Zamora prometeu não desistir da luta pela liberdade de imprensa na Guatemala, “apesar do cansaço, das severas condições adversas, da humilhação e do escárnio”.

A Associação de Jornalistas da Guatemala (APG) expressou sua solidariedade ao elPeriódico:

“O fechamento do meio de comunicação equivale à morte do jornalismo na Guatemala”. 

Para a APG, o encerramento do elPeriódico “representa um retrocesso à liberdade de imprensa e, fundamentalmente, à democracia, na qual a imprensa desempenha um papel importante no debate público sobre os problemas nacionais e, em maior medida, na auditoria social do governo e das instituições. 

A notícia repercutiu em todo o mundo, com reportagens em jornais internacionais e protestos de organizações de direitos humanos e de liberdade de imprensa. 

Jornalista da Guatemala reconhecido no mundo 

O elPeriódico foi fundado em 1996, depois de 36 anos de guerra civil do país centro-americano.

Como uma das principais publicações independentes do país, era reconhecido por desvendar abusos de direitos humanos pelos militares e corrupção de décadas no governo da Guatemala.

Em 1995, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas concedeu a Zamora seu Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa, em reconhecimento ao trabalho de combate à censura na Guatemala.

Em 2000, ele foi nomeado um dos 50 heróis da liberdade de imprensa pelo Instituto Internacional de Imprensa.

Embora sempre tenha sofrido perseguições, a situação se agravou em 2021. Meses antes de ser preso,  o presidente do elPeriódico denunciou que o presidente Alejandro Giammattei e a procuradora-geral do Ministério Público (MP), Consuelo Porras, estavam “fabricando” um processo contra ele. 

O assédio judicial ao elPeriódico foi tamanho que em maio de 2022 o jornal recebeu uma ordem censurando previamente reportagens sobre nepotismo envolvendo Dina Dina Bosch Ochoa, filha da presidente da Corte Constitucional (equivalente ao Superior Tribunal Federal) do país, Dina Ochoa.

O argumento foi “violência contra a mulher”. 

Zamora chegou a fazer uma greve de fome logo após ser preso e teve todos os pedidos de liberdade condicional negados pela justiça da Guatemala. 

No texto de despedida, o fundador do jornal destacou o legado de mais de 200 investigações jornalísticas rigorosas e bem documentadas durante o regime do presidente Giammattei, mostrando “o nível exponencial que a corrupção atingiu nas instituições do Estado da Guatemala”.

A Guatemala ocupa o 127º lugar no ranking de liberdade de imprensa divulgado anualmente pela organização Repórteres Sem Fronteiras, que lista 180 nações. 

Na análise sobre o contexto político, o Global Press Freedom Index salienta o caso de José Rubén Zamora e as perseguições sofridas por denunciar corrupção governamental. 

A Guatemala vive uma crise sociopolítica há mais de cinco anos, o que resultou em um aumento de ataques a jornalistas críticos das autoridades e teve um efeito amordaçante na mídia. 

“Jornalistas que investigam corrupção, violações de direitos humanos ou práticas ilegais do setor privado foram submetidos a campanhas de difamação nas redes sociais, vigilância do Estado, assédio policial e criminalização – tudo isso com a aquiescência do Ministério Público e do Supremo Tribunal de Justiça”, afirma a organização.  

Sair da versão mobile