Londres – Não bastasse as crises que já tem que administrar, como a queda nas pesquisas de intenção de voto, o Partygate de Boris Johnson e a crise do custo de vida, o Partido Conservador britânico resolveu comprar uma briga com a imprensa, exigindo pagamento de uma taxa de 137 libras (R$ 845) para a cobertura de sua convenção anual.
Por ser o partido do governo, o encontro programado para outubro em Manchester é vital para os destinos do país, definindo prioridades e políticas públicas com impacto sobre a vida de pessoas e empresas.
Depois de meses de negociação para rever a decisão, as associações de jornalismo que representam jornalistas e empresas jornalísticas nacionais, regionais e internacionais anunciaram em um comunicado conjunto a intenção de não pagar pelo credenciamento, abrindo uma guerra que coloca em questão a liberdade de imprensa no país.
Convenção do Partido Conservador acompanhada por toda a mídia
Nenhum outro partido político no Reino Unido cobra pelo credenciamento da imprensa.
Normalmente, centenas de veículos de mídia comparecem a essas convenções, montando estúdios no local e escalando seus mais importantes repórteres e comentaristas para acompanhar os debates e analisar as decisões.
Há também jornalistas independentes que produzem conteúdo para seus próprios canais ou para publicações nacionais e estrangeiras, na qualidade de freelancers.
Entre as entidades que formam a coalizão que se uniu para contestar a taxa estão a News Media Association, a Society of Editors, a News Media Coalition e a Foreign Press Association, que representa os correspondentes estrangeiros.
O movimento conjunto para contestar a cobrança ganhou o apoio do grupo de jornalistas credenciados para cobrir as atividades do Parlamento, uma elite da mídia britânica com alto poder de influência.
A alegação para a cobrança da taxa é a necessidade de cobrir os custos administrativos, que teriam aumentado porque jornalistas que pediram credenciamento no passado acabaram não comparecendo.
As empresas jornalísticas consideram a taxa draconiana e contrária à afirmação do Partido Conservador de ser um defensor da liberdade de imprensa.
Grandes empresas de mídia podem pagar, mas redações menores, freelancers e jornalistas independentes terão dificuldades, já que ainda têm que arcar com despesas de viagem e estadia.
Precedente perigoso para democracia
No entanto, o problema não é apenas financeiro. As organizações de jornalismo salientaram que cobrar uma taxa para participação da mídia em conferências partidárias “estabelece um precedente profundamente preocupante em uma sociedade democrática”.
A coalizão diz que vem conversando há mais de um ano com Partido Conservador para rever essa decisão e encontrar uma solução alternativa à medida, que considera antidemocrática e prejudicial aos interesses da sociedade e do próprio partido – e que se soma a outras crises recentes.
‘Em uma sociedade democrática, todas as conferências partidárias são de considerável importância política e pública e, como tal, não deve haver barreira de cobrança para que os jornalistas possam atuar como os olhos e ouvidos do público, cobrindo livremente esses eventos.
Por meio do jornalismo objetivo, a conferência também oferece uma janela para a comunidade global ver a democracia do Reino Unido em ação.’
A nota da coalizão destaca uma declaração dada na semana passada por Lucy Frazer, Secretária de Estado do Departamento de Cultura, Mídia e Esportes (DCMS).
Ela disse em uma grande conferência que a liberdade de imprensa era uma prioridade do governo do Reino Unido:
“Se queremos um setor de mídia próspero no futuro, nosso foco deve estar em uma imprensa livre e livre para crescer”, disse ela. “Como governo, estamos tomando medidas para aumentar as liberdades de imprensa e garantir que os jornalistas possam fazer seu trabalho com eficiência”, enfatizou Frazer ao falar aos delegados na Enders Media & Telecoms Conference.
As entidades que se uniram para a contestar a medida sustentam que para cumprir o compromisso do Partido Conservador sobre a liberdade de imprensa, a taxa de credenciamento para participar da conferência deve ser descartada.
O Reino Unido ocupa o 24º lugar no Global Press Freedom Index 2023 da organização Repórteres Sem Fronteiras, tendo perdido duas posições em relação a 2022.
Na análise sobre o país, a RSF destaca que “o clima político restritivo” afetou a liberdade de imprensa “Apesar das garantias do governo de que a liberdade de mídia é uma prioridade, propostas legislativas com implicações preocupantes para o jornalismo continuaram a passar pelo parlamento”, apontou.
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As crises do Partido Conservador
O Partido Conservador vive uma sucessão de crises que minaram a confiança pública e se refletiram nas intenções de voto para as próximas eleições, marcadas para 2024.
O Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia), em 2020, gerou uma série de problemas para o país, como falta de mão de obra e dificuldades para importar e exportar produtos.
O setor empresarial pressiona o governo por vários desses problemas, e tenta reverter medidas como o fim da isenção de impostos para turistas que compram produtos no país (tax free refund). Grandes marcas alegam que turistas migraram para outros destinos europeus.
O ex-premiê Boris Johnson caiu em 2022 por causa do escândalo Partygate, uma série de festas na sede do governo quando o país vivia lockdown por causa da covid-19. Novas revelações continuam surgindo, associando a crise de Johnson ao Partido Conservador.
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A sucessora de Johnson, Liz Truss, adotou medidas econômicas desastrosas e caiu seis semanas depois de assumir o cargo, dando lugar ao atual premiê, Rishi Sunak.
Segundo o instituto de pesquisas YouGov, 60% da população desaprova o atual governo, contra apenas 18% que aprova.
Enquanto isso, a oposição de fortaleceu. O Partido Trabalhista, liderado por Keir Starmer, ultrapassou o Conservador nas pesquisas de intenção de voto.
A mais recente medição, do instituto Ipsos, revelou no dia 23 de maio que 44% dos britânicos pretendem votar na oposição em 2024, contra 28% que preferem manter o atual partido no comando do país.
Uma briga com toda a imprensa não ajuda muito a melhorar a imagem diante da opinião pública.
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