MediaTalks em UOL

Governo britânico abre crise ao impor taxa para jornalistas cobrirem convenção do Partido Conservador

Boris Johnson discursa na Convenção do Partido Conservador britânico, que virou motivo de nova crise por cobrança de taxa para jornalistas cobrirem o evento

Boris Johnson, ex-premiê britânico, fala na convenção do Partido Conservador, em Manchester (reprodução SkyNews YouTube)

Londres – Não bastasse as crises que já tem que administrar, como a queda nas pesquisas de intenção de voto, o Partygate de Boris Johnson e a crise do custo de vida, o Partido Conservador britânico resolveu comprar uma briga com a imprensa, exigindo pagamento de uma taxa de 137 libras (R$ 845) para a cobertura de sua convenção anual. 

Por ser o partido do governo, o encontro programado para outubro em Manchester é vital para os destinos do país, definindo prioridades e políticas públicas com impacto sobre a vida de pessoas e empresas. 

Depois de meses de negociação para rever a decisão, as associações de jornalismo que representam jornalistas e empresas jornalísticas nacionais, regionais e internacionais anunciaram em um comunicado conjunto a intenção de não pagar pelo credenciamento, abrindo uma guerra que coloca em questão a liberdade de imprensa no país. 

Convenção do Partido Conservador acompanhada por toda a mídia

Nenhum outro partido político no Reino Unido cobra pelo credenciamento da imprensa.

Normalmente, centenas de veículos de mídia comparecem a essas convenções, montando estúdios no local e escalando seus mais importantes repórteres e comentaristas para acompanhar os debates e analisar as decisões.

Há também jornalistas independentes que produzem conteúdo para seus próprios canais ou para publicações nacionais e estrangeiras, na qualidade de freelancers. 

Entre as entidades que formam a coalizão que se uniu para contestar a taxa estão a News Media Association, a Society of Editors, a News Media Coalition e a Foreign Press Association, que representa os correspondentes estrangeiros.

O movimento conjunto para contestar a cobrança ganhou o apoio do grupo de jornalistas credenciados para cobrir as atividades do Parlamento, uma elite da mídia britânica com alto poder de influência. 

A alegação para a cobrança da taxa é a necessidade de cobrir os custos administrativos, que teriam aumentado porque jornalistas que pediram credenciamento no passado acabaram não comparecendo.

As empresas jornalísticas consideram a taxa draconiana e contrária à afirmação do Partido Conservador de ser um defensor da liberdade de imprensa. 

Grandes empresas de mídia podem pagar, mas redações menores, freelancers e jornalistas independentes terão dificuldades, já que ainda têm que arcar com despesas de viagem e estadia. 

Precedente perigoso para democracia 

No entanto, o problema não é apenas financeiro. As organizações de jornalismo salientaram que cobrar uma taxa para participação da mídia em conferências partidárias “estabelece um precedente profundamente preocupante em uma sociedade democrática”.

A coalizão diz que vem conversando há mais de um ano com Partido Conservador para rever essa decisão e encontrar uma solução alternativa à medida, que considera antidemocrática e prejudicial aos interesses da sociedade e do próprio partido – e que se soma a outras crises recentes. 

‘Em uma sociedade democrática, todas as conferências partidárias são de considerável importância política e pública e, como tal, não deve haver barreira de cobrança para que os jornalistas possam atuar como os olhos e ouvidos do público, cobrindo livremente esses eventos.

Por meio do jornalismo objetivo, a conferência também oferece uma janela para a comunidade global ver a democracia do Reino Unido em ação.’

A nota da coalizão destaca uma declaração dada na semana passada por Lucy Frazer, Secretária de Estado do Departamento de Cultura, Mídia e Esportes (DCMS).

Ela disse em uma grande conferência que a liberdade de imprensa era uma prioridade do governo do Reino Unido:

“Se queremos um setor de mídia próspero no futuro, nosso foco deve estar em uma imprensa livre e livre para crescer”, disse ela. “Como governo, estamos tomando medidas para aumentar as liberdades de imprensa e garantir que os jornalistas possam fazer seu trabalho com eficiência”, enfatizou Frazer ao falar aos delegados na Enders Media & Telecoms Conference.

As entidades que se uniram para a contestar a medida sustentam que para cumprir o compromisso do Partido Conservador sobre  a liberdade de imprensa, a taxa de credenciamento para participar da conferência deve ser descartada. 

O Reino Unido ocupa o 24º lugar no Global Press Freedom Index 2023 da organização Repórteres Sem Fronteiras, tendo perdido duas posições em relação a 2022. 

Na análise sobre o país, a RSF destaca que “o clima político restritivo” afetou a liberdade de imprensa “Apesar das garantias do governo de que a liberdade de mídia é uma prioridade, propostas legislativas com implicações preocupantes para o jornalismo continuaram a passar pelo parlamento”, apontou. 

As crises do Partido Conservador 

O Partido Conservador vive uma sucessão de crises que minaram a confiança pública e se refletiram nas intenções de voto para as próximas eleições, marcadas para 2024. 

O Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia), em 2020, gerou uma série de problemas para o país, como falta de mão de obra e dificuldades para importar e exportar produtos. 

O setor empresarial pressiona o governo por vários desses problemas, e tenta reverter medidas como o fim da isenção de impostos para turistas que compram produtos no país (tax free refund). Grandes marcas alegam que turistas migraram para outros destinos europeus. 

O ex-premiê Boris Johnson caiu em 2022 por causa do escândalo Partygate, uma série de festas na sede do governo quando o país vivia lockdown por causa da covid-19. Novas revelações continuam surgindo, associando a crise de Johnson ao Partido Conservador. 

A sucessora de Johnson, Liz Truss, adotou medidas econômicas desastrosas e caiu seis semanas depois de assumir o cargo, dando lugar ao atual premiê, Rishi Sunak. 

Segundo o instituto de pesquisas YouGov, 60% da população desaprova o atual governo, contra apenas 18% que aprova. 

Enquanto isso, a oposição de fortaleceu. O Partido Trabalhista, liderado por Keir Starmer, ultrapassou o Conservador nas pesquisas de intenção de voto.

A mais recente medição, do instituto Ipsos, revelou no dia 23 de maio que 44% dos britânicos pretendem votar na oposição em 2024, contra 28% que preferem manter o atual partido no comando do país.

Uma briga com toda a imprensa não ajuda muito a melhorar a imagem diante da opinião pública. 

Sair da versão mobile