A reeleição de Recep Tayyip Erdogan para a presidência da Turquia foi um baque para os que tinham esperança de que um novo governante colocasse fim às violações da liberdade de imprensa que levaram o país a cair de 149º para 165º no Global Press Freedom Index da Repórteres Sem Fronteiras em 2023.
Para a organização com sede na França, a vitória no pleito foi conseguida à custa de perseguições a veículos críticos e um esquema de subsídios e de favorecimento a empresas jornalísticas que apoiam o governo.
Erol Onderoglu, jornalista representante da RSF na Turquia e um dos profissionais de imprensa perseguidos pelo regime de Erdogan, afirma que as eleições foram “massivamente manipuladas” por um sistema de mídia que “privou os cidadãos turcos de elementos para tomar decisões democráticas”.
Erdogan favorecido na cobertura da campanha
Em uma análise sobre o papel da mídia nas eleições, a RSF apontou que Erdogan recebeu 32 horas de cobertura de sua campanha pelo maior canal de TV do país, de propriedade de um bilionário pró-governo.
Seu opositor, Kemal Kiliçdaroglu, recebeu 32 minutos, de acordo com fontes do Conselho Superior de Radiodifusão (RTÜK).
“Em outras palavras, um canal de TV público não apenas atuou como um canal de TV estatal, mas também ficou do lado de um candidato contra o outro”, protestou a organização.
A compra do maior grupo privado de mídia por apoiadores de Erdogan e a rede de apoio de empresas jornalísticas subsidiadas com verbas estatais deram ao presidente o controle de 85% da mídia nacional.
Isso foi vital para a reeleição do presidente, que recebeu 52% dos votos válidos.
Um exemplo do uso da mídia para favorecer Erdogan citado pela RSF aconteceu em 12 de maio, dois dias antes do primeiro turno de votação, quando o governante “explorou ao máximo a mídia subserviente”:
Por quase uma hora e meia, durante uma transmissão conjunta de 14 canais de TV (incluindo A Haber , 24 TV, TV100 e Akit TV ), ele submeteu Kiliçdaroglu a uma longa série de ataques verbais sem possibilidade de resposta de seu rival.
Para a entidade, fornecer a Erdoğan esta plataforma foi “ainda mais chocante e contrário à ética jornalística”, porque em nenhum momento ele foi seriamente questionado sobre corrupção política, crise econômica, o tratamento controverso do governo sobre o recente terremoto ou qualquer outra questão que atualmente preocupa os turcos.
“Estamos profundamente preocupados com a liberdade de imprensa e com o futuro de um jornalismo transparente e imparcial. Parece que dias mais desafiadores virão pela frente”, afirmou Erol Onderoglu.
Leia também | Censura: Turquia tenta conter notícias negativas sobre terremoto com prisões, bloqueios e processos
Liberdade de imprensa sob Erdogan
O que aconteceu nas eleições não é novo na Turquia, onde a liberdade de imprensa vem se deteriorando nos 20 anos sob Erdogan.
Mas segundo a Repórteres Sem Fronteiras, a situação se agravou nos últimos 10 anos, enfraquecendo a imprensa de oposição.
“O sistema de justiça, que cumpre as ordens de Erdoğan, tem constantemente perseguido e prendido jornalistas.”
Desde junho de 2022, pelo menos 32 jornalistas pró-curdos e profissionais da mídia foram presos por suposta filiação ao proscrito Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), alguns às vésperas das eleições que mantiveram Erdogan no poder.
Leia também | A dias das eleições, governo Erdogan prende 128 jornalistas e opositores em blitz na madrugada
Nos últimos 20 anos, uma média de cerca de 200 jornalistas foram levados aos tribunais a cada trimestre sob a legislação antiterrorismo ou código penal da Turquia em conexão com seu trabalho, diz a RSF.
A entidade afirma que dispositivos de “lesa-majestade” que ainda existem no código penal turco foram usados para processar cerca de 200 outros jornalistas sob a acusação de “insultar” o presidente Erdogan desde 2014. Setenta e quatro deles foram condenados à prisão ou a pagar multas.
Segundo o projeto de liberdade de imprensa Bianet , parceiro da RSF na Turquia, os tribunais censuraram pelo menos 550 reportagens online em 2022 – artigos, editoriais e reportagens investigativas que, na maioria das vezes, tratavam de corrupção, clientelismo político ou práticas questionáveis em círculos aliados ao governo .
À pressão dos tribunais junta-se a pressão da Agência de Publicidade na Imprensa (BIK), que modificou o código de ética que condiciona o acesso à publicidade estatal para punir jornais críticos ao governo, afirma a RSF.
A RTÜK, agência reguladora da mídia eletrônica, investe contra os canais de TV independentes, aplicando “multas colossais”: três quartos das multas da RTÜK em 2022 foram dadas aos sete principais canais críticos de TV ( Halk TV , Fox TV , Tele1 , KRT , Habertürk TV , Flash TV e TGRT Haber ).