Londres –  Um estudo feito no Reino Unido a pedido do governo britĂąnico como subsĂdio para a regulamentação das mĂdias sociais demonstrou como abusadores estĂŁo usando ferramentas digitais na violĂȘncia domĂ©stica, chegando a criar contas falsas em plataformas online e mĂdias sociais com a intenção de manipular suas vĂtimas.
O combate a crimes praticados pela internet e pelas redes sociais Ă© uma das motivaçÔes para vĂĄrios paĂses, incluindo o Brasil, acelerarem projetos de lei para regulamentar as redes.
Os pesquisadores das universidades de Portsmouth e Kent, no Reino Unido, demonstram as vĂĄrias formas de uso de ferramentas digitais para assediar vĂtimas de relacionamentos abusivos — ultrapassando os limites fĂsicos e encontrando, no digital, novas formas de coerção.
Ferramentas digitais impulsionam novas formas de abuso
Os autores do trabalho são Lisa Sugiura, professora de criminologia e cibercrimes, e Jason Nurse, professor de segurança digital.
Em artigo sobre o estudo no portal acadĂȘmico The Conversation, eles afirmam que nas redes sociais, abusadores conseguem manter suas identidades anĂŽnimas.
Usando perfis falsos, criminosos conseguem se passar por outras pessoas ou atĂ© pelas prĂłprias vĂtimas para criar situaçÔes de violĂȘncia psicolĂłgica que desestabilizam os alvos.
Para entender a extensĂŁo do uso da tecnologia em novas formas de abuso, os pesquisadores analisaram 146 casos de violĂȘncia domĂ©stica relatados na mĂdia britĂąnica e de outros paĂses, alĂ©m de entrevistarem profissionais ingleses da ĂĄrea.
“Onde hĂĄ  abuso em um relacionamento, a tecnologia tambĂ©m aparece na forma como esse abuso Ă© conduzido.”
Esse “abuso tecnolĂłgico” se aproveita de aparelhos e ferramentas do cotidiano, como  dispositivos inteligentes, plataformas online e aplicativos de celular.
As informaçÔes sobre onde encontrĂĄ-los e como usĂĄ-los sĂŁo facilmente acessĂveis na internet — geralmente a apenas um Google de distĂąncia, apontam os pesquisadores.
“Descobrimos que os agressores geralmente tĂȘm acesso fĂsico aos dispositivos de seus parceiros e os usam para monitorar, assediar e humilhar.
Os abusadores podem forçar suas vĂtimas a divulgar senhas, cĂłdigos PIN ou padrĂ”es para acessarem seus dispositivos para que possam instalar sypware â tudo sem um conhecimento tecnolĂłgico sofisticado.”
Apps de geolocalização e outros spywares de vigilĂąncia tambĂ©m oferecem novas possibilidades para os agressores monitorarem e rastrearem os movimentos das vĂtimas, afirma o estudo.
Foi evidenciado como o anonimato pode ser usado por abusadores ââpara apresentarem a vĂtima de violĂȘncia domĂ©stica de forma depreciativa nas redes sociais.
Um dos casos estudados foi o de um homem preso em Liverpool, depois de anunciar o local de trabalho de sua ex-namorada em contas falsas criadas no nome dela em plataformas de swing e namoro.
Outro caso Ă© de um homem que, em 2018, criou um perfil falso no Facebook com os dados pessoais da ex-mulher e publicou que ela fantasiava ser estuprada.
Como ele tambĂ©m revelou onde a vĂtima trabalhava, um estranho apareceu no local para conhecĂȘ-la.
Relatos como esses aparecem com frequĂȘncia na imprensa do Reino Unido e no restante do mundo.
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PornĂŽ de vingança como violĂȘncia domĂ©stica
Outra prĂĄtica dos criminosos envolve abuso sexual baseado em imagens.
Pode-se ameaçar divulgar fotos ou vĂdeos Ăntimos para manter o controle sobre as vĂtimas de violĂȘncia domĂ©stica.
Ou enviar imagens diretamente a amigos, familiares e empregadores, além de publicå-las online.
De acordo com os pesquisadores, o termo “pornografia de vingançaâ Ă© mais entendido como o compartilhamento ou distribuição de imagens de nudez e/ou sexo por ex-parceiros que tĂȘm entre as principais motivaçÔes sĂŁo vingança ou punição.
PorĂ©m, esse conceito nĂŁo captura toda a gama de possĂveis motivaçÔes sob as quais os abusadores podem estar operando, que vĂŁo desde chantagem e extorsĂŁo atĂ© controle, gratificação sexual, voyeurismo, construção de status social e ganhos financeiros.
O termo tambĂ©m foca a atenção no conteĂșdo das imagens, e nĂŁo nas açÔes abusivas de quem as capturam e distribuem.
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Apps usados para vigiar e monitorar vĂtimas de violĂȘncia domĂ©stica
Os pesquisadores destacaram uma pesquisa do antivĂrus Avast, que constatou um aumento de 93% no uso de aplicativos de spyware e âstalkerwareâ desde o inĂcio da pandemia.
“TambĂ©m existem aplicativos de rastreamento projetados para fins legĂtimos, como proteção infantil ou antirroubo, e que estĂŁo disponĂveis em sites e lojas de aplicativos igualmente legĂtimos.”
O estudo britĂąnico mostra que esses aplicativos foram supostamente empregados para espionar ou perseguir um parceiro (ou ex-parceiro).
Os estudos agora se referem a eles como “aplicativos de uso duplo”.
PreocupaçÔes semelhantes foram expressas sobre dispositivos de monitoramento secretos e tecnologia inteligente, como as AirTags da Apple.
Esses pequenos dispositivos bluetooth sĂŁo projetados para serem emparelhados com aplicativos de rastreamento a fim de localizar pertences perdidos, como chaves de carro.
Mas abusadores também os usam para controle e monitoramento pessoal.
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Fechaduras inteligentes, termostatos, sistemas de TV e som conectados Ă internet, bem como equipamentos de monitoramento de segurança, estĂŁo igualmente sendo empregados  para controlar e aterrorizar as vĂtimas de violĂȘncia domĂ©stica, acompanhando seus movimentos e de visitas que recebam em casa.
AlĂ©m disso, quando um agressor tem acesso Ă nuvem que sincroniza todos os dados dos celulares, ele poderĂĄ acessar conversas anteriores, compras realizadas em cartĂ”es e outros dados que podem fornecer informaçÔes sobre os planos de uma vĂtima, como, por exemplo, se ela estiver planejando fugir de casa.
O estudo salienta que o “abuso tecnolĂłgico” nĂŁo requer grandes conhecimentos em computadores ou tecnologia da informação:
“Abusadores usam ferramentas e tecnologias corriqueiras, acessĂveis financeira e tecnologicamente.
Na avaliação de Lisa Sugiura e Jason Nurse, Ă© necessĂĄrio definir de forma mais ampla e precisa o que constitui violĂȘncia domĂ©stica para que a sociedade esteja preparada para responder a esse problema de forma adequada.
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