Londres – Um tratado internacional para combater crimes cibernéticos que entrou em sua última rodada de debates durante um encontro da ONU (Organização das Nações Unidas), aberto nesta terça-feira (11) em Viena, está sendo visto com preocupação por organizações de liberdade de expressão e de imprensa.

Mais de 130 entidades assinaram um manifesto apontando que pelo menos 12 crimes criminalizariam a liberdade de expressão de forma ampla.  

Uma delas, a Article 19, afirmou antes do encontro da ONU, que “o novo tratado é desnecessário e não deve se tornar uma ferramenta que os Estados possam usar contra jornalistas, ativistas e defensores dos direitos humanos para sufocar a liberdade de expressão“. 

Tratado contra crime cibernético na Assembleia Geral da ONU

A reunião promovida pela ONU em Viena, com a participação de representantes dos estados-membro, é a quinta e última rodada de debates sobre o tratado de crimes cibernéticos e termina no dia 21 de abril. 

Organizações não-governamentais como a própria Article 19 e também Access Now, Electronic Frontier Foundation, Epicenter.works e Global Partner Digital ganharam assento nas negociações.

O próximo passo será a preparação de um projeto final, a cargo da presidente do Comitê responsável pela proposta, Faouzia Mebarki, para ser negociado pelos países que integram a ONU em duas sessões. 

Em seguida, o tratado irá para a Assembleia Geral da ONU para ser ratificado, o que deve acontecer no ano que vem. 

Enquanto isso, as organizações procuram influenciar para garantir que a proteção dos direitos humanos seja incorporada ao texto definitivo.

Pelo menos seis cibercrimes ameaçariam a liberdade de expressão

De acordo com a Article 19, o documento inclui 34 crimes cibernéticos, com pelo menos uma dúzia criminalizando formas amplas de expressão, provavelmente incluindo expressões protegidas por padrões internacionais de direitos humanos.

Entre as disposições mais preocupantes para a entidade estão as que buscam criminalizar a disseminação de notícias falsas, extremismo, incitação ou discurso de ódio e terrorismo. A Article 19 destaca alguns pontos:

“Sem definições internacionalmente aceitas e com a natureza altamente contestada de muitos desses conceitos, tais ‘crimes’ estão prontos para abuso e, se introduzidos, poderiam ser usados ​​pelos Estados para atingir aqueles que criticam as autoridades”

Para a ONG, a convenção só deve ser aplicável aos crimes em que uma pessoa tem intenção de cometer o referido crime e os que causam “danos graves”.

Sem essas considerações, diz a Article 19, a aplicação pode levar à acusação de uma pessoa que sem saber compartilhou um artigo de notícias falsas online, ou um pesquisador de segurança que usou técnicas de hacking para identificar vulnerabilidades em um software.

“A lei internacional de direitos humanos já fornece orientação clara sobre como lidar com questões relacionadas ao terrorismo e incitamento. 

Essas ofensas não pertencem à legislação sobre crimes cibernéticos”

Entidade vê risco de abuso jurídico em cibercrimes

Outro risco apontado pela Article 19 é a falta de salvaguardas adequadas também pode levar a situações em que as autoridades policiais ou os procuradores podem acessar dados pessoais sem supervisão judicial independente.

Algumas disposições chamam a atenção, como as que fazem referência à detecção de crimes cibernéticos e ao desenvolvimento de políticas e estratégias para prevenir e erradicar “crimes de ódio” perpetrados por meio da tecnologia:

“Essas disposições podem ser usadas pelos estados para exigir que as empresas digitais analisem a comunicação e a atividade online dos indivíduos por meio de uma obrigação geral de monitoramento.

Além de interferir nos direitos de privacidade dos usuários, provavelmente levaria as empresas a detectar e remover grandes quantidades de conteúdo legítimo”

A ONG Access Now, que defende os direitos humanos digitais, salienta que muitos países já falham em defender os direitos à privacidade.

E usam as leis de vigilância e crimes cibernéticos para atingir jornalistas, defensores dos direitos humanos, denunciantes e outros indivíduos com base em suas opiniões políticas, o que seria agravado pelo tratado. 

“Um esforço para persuadir todos os Estados-membro a assinarem a proposta de convenção de cibercrime da ONU pode fazer com que práticas inadequadas sem acomodadas, levando a  proteção dos direitos fundamentais ao fundo do poço”. 

Legislações restritivas em vários países

A Artigo 19 analisou várias leis restritivas de cibercrimes em todo o mundo, que são rotineiramente sujeitas a “abusos e usadas ​​para atacar a liberdade de expressão, minar a privacidade e exercer maior controle sobre as atividades online legítimas das pessoas”, segundo a ONG.

Um exemplo citado é a Tunísia, onde o recém-adotado decreto-lei sobre crimes cibernéticos é usado para processar meios de comunicação, advogados e estudantes por criticarem autoridades.

Na Tailândia, segundo a Article 19,  a Lei de Crimes Relacionados ao Computador permite que o governo pratique vigilância e censura, conduza buscas sem mandado e quebre o anonimato online, com crimes definidos de forma vaga e penas que podem se multiplicar em até 20 vezes.

Outro país destacado é Sudão. A Article 19 afirma que a Lei do Cibercrime local pune diversas infrações baseadas em conteúdo que nada têm a ver com a prevenção do crime cibernético, incluindo disposições sobre provocação de ódio contra estrangeiros, difamação, insultos e abusos, que não cumprem os padrões de liberdade de expressão.