A acidentada gestão do jornalista Chris Licht como CEO da CNN terminou ontem (7), após 13 meses de crises e desgastes que foram se acumulando até que a Warner, dona da rede, decidiu cortá-lo um mês após uma controvertida entrevista com Donald Trump.
Licht não conseguiu equilibrar as contas, aumentar a audiência e acalmar os ânimos internos, exaltados depois das bombásticas demissões do âncora Chris Cuomo e de seu antecessor, o ex-CEO Jeff Zucker, que mantinha um namoro secreto com uma diretora.
Mas o clima se agravou depois da controvertida “town hall” (entrevista com participação do público, uma espécie de sabatina) com Trump, em 10 de maio. E se tornou insustentável com uma reportagem da revista The Atlantic intitulada “Por dentro do colapso da CNN”, para a qual o executivo contribuiu.
CEO justificou espaço dado a Trump na CNN que disparou crise
Na entrevista que virou estopim para a crise final, publicada na sexta-feira (3) ele tentou justificar o espaço dado a Trump na CNN, e ainda criticou o CEO anterior por ter supostamente afastado espectadores da rede ao adotar uma postura de hostilidade ao ex-presidente.
O palanque dado a Trump irritou até estrelas da própria CNN, como a jornalista Christiane Amampour, que em uma palestra classificou a ideia de “um terremoto”.
Trump foi pouco questionado, falou livremente da tese da eleição fraudada, chamou a colunista E Jean Carroll (que venceu um processo de agressão sexual contra ele) de “maluca” e chegou chamar a moderadora, a jornalista Kaitlan Collins, de “pessoa desagradável”, sendo aplaudido pela plateia formada principalmente por seus seguidores.
A entrevista foi interpretada como uma tentativa da CNN de se mostrar imparcial, abrindo espaço para todos os lados do espectro político – e assim atrair mais audiência.
Mas começar logo com Trump se demonstrou um tiro no pé e golpe de misericórdia na gestão acidentada de Chris Licth como CEO da CNN, que já estava em crise de imagem.
Imediatamente após a transmissão, ele defendeu a ideia. Em seguida foi mudando de opinião. Uma semana após a transmissão, em ambiente de crise, o CEO da CNN reconheceu em um comunicado interno que “há coisas que gostaria de ter feito de forma diferente” na entrevista com Trump.
Uma delas seria ter apresentado melhor os participantes que fizeram perguntas, para que o público entendesse melhor quem eram e se apoiavam Trump.
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Desculpas do CEO por entrevista à The Atlantic
Chris Licht também se desculpou publicamente três dias após a publicação de seu perfil na influente The Atlantic.
Aos funcionários, ele admitiu que “não devia estar no noticiário”, e que a visibilidade ofuscou o trabalho de todos os jornalistas da organização.
Para a Warner Media, as desculpas não adiantaram. Sem entregar os resultados de audiência e receita esperados, alvo de uma rebelião interna e de críticas ferozes de analistas que só colocaram mais lenha na fogueira da crise, o CEO Chris Licht tornou-se um peso insustentável.
Bill Grueskin, professor da Columbia Journalism School, tuitou:
“Não seria justo dizer que uma foca treinada poderia fazer um trabalho melhor dirigindo a CNN do que Chris Licht. É que, depois de ler este artigo, parece que devemos dar uma chance à foca treinada”,
It wouldn't be fair to say a trained seal could do a better job running CNN than Chris Licht.
It's just that, after reading this piece, it feels like we should give the trained seal a shot at it, and if it doesn't work out, Licht could return. https://t.co/JRO4Iw7WJe
— Bluesky Gruesky (@BGrueskin) June 2, 2023
Na nota em que anunciou a demissão de seu segundo CEO em 13 meses, a Warner não anunciou quem será o sucessor – que por enquanto não será uma foca treinada.
Até que um substituto permanente seja encontrado, a rede será conduzida por três experientes profissionais da casa: Amy Entelis, vice-presidente executiva de desenvolvimento de talentos e conteúdo; Virginia Moseley, vice-presidente executiva de editorial, e Eric Sherling, vice-presidente executivo de programação dos Estados Unidos.
O CEO da Warner Bros. Discovery, David Zaslav, foi elegante ao anunciar o corte:
“Conheço Chris há muitos anos e tenho um enorme respeito por ele, pessoal e profissionalmente. Este trabalho nunca seria fácil, especialmente em um momento de grande ruptura e transformação, e Chris colocou seu coração e alma nisso.
Ele tem um profundo amor pelo jornalismo e por este negócio e isso ficou evidente ao longo de sua gestão. Infelizmente, as coisas não funcionaram como esperávamos – e, no final das contas, isso é culpa minha. Eu assumo a responsabilidade.”
O executivo demitido também foi diplomático:
“Esta foi uma tarefa emocionante, mas incrivelmente desafiadora, e aprendi muito nos últimos 13 meses.
Tive a sorte de ter uma carreira bem-sucedida e gratificante e estou ansioso pelo próximo capítulo. Desejo o melhor para a equipe da CNN, sempre.”
Crise da CNN também é financeira
A crise da CNN não está relacionada apenas a atos infelizes do CEO, como a entrevista com Donald Trump nas condições em que foi realizada.
Os resultados financeiros e de audiência têm decepcionado. O primeiro alarme foi dado no fim de 2022, com um relatório da S&P apontando a possibilidade de a receita ficar abaixo de U$ 1 bilhão pela primeira vez na história da rede.
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Em março deste ano, o Instituto Nielsen constatou uma queda significativamente maior na audiência da CNN do que em concorrentes.
Em comparação ao mesmo mês do ano anterior, a CNN teve menos 61% espectadores no horário nobre, enquanto a Fox News caiu 27% e a MSNBC 12%.
A saída do apresentador Chris Cuomo, depois de um escândalo envolvendo ajuda profissional ao seu irmão, o ex-governador de Nova York Andrew Cuomo acusado de assédio sexual, serviu para aprofundar a crise, afastando audiência.
Ao substituir o ex-CEO Jeff Zucker, uma das primeiras medidas de Licht foi fechar o serviço CNN+, de streaming, que não durou nem um mês.
Nisso ele talvez estivesse certo, pois outras iniciativas digitais também vivem dias turbulentos, com estrelas da mídia indo à falência (caso do Vice Media) ou eliminando sua área de jornalismo (caso do BuzzFeed).
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